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— Não conseguimos deixar uma fogueira acesa. E não se importam. E outra coisa... — Olhou atentamente para o rosto suado de Porquinho.

— E outra coisa, eu não me importo, às vezes. Suponha que eu fique igual aos outros, sem ligar. Que será de nós?

Porquinho tirou os óculos, profundamente perturbado.

— Não sei, Ralph. Precisamos continuar, é tudo. E é isso que os adultos fariam.

Ralph, decidido a libertar-se de sua carga, prosseguiu.

— Porquinho, o que está errado?

Porquinho olhou-o espantado.

— Você quer dizer o...

— Não, isso não... Quero dizer... o que fez tudo acabar desse jeito?

Porquinho limpou os óculos devagar e pensou. Quando compreendeu até que ponto Ralph estava aceitando-o, corou de orgulho.

— Não sei, Ralph. Acho que foi ele.

— Jack?

— Jack. — Essa palavra também estava virando tabu.

Ralph concordou solenemente.

— É — disse. — Acho que deve ser.

A floresta perto deles explodiu em rugidos. Figuras demoníacas com caras brancas, verdes e vermelhas avançaram uivando e os pequenos fugiram, aos gritos. Com o canto do olho, Ralph viu Porquinho correndo. Duas figuras chegaram até a fogueira e ele se preparou para se defender, mas elas pegaram ramos meio acesos e fugiram pela praia. As três outras estavam paradas, olhando para Ralph, e ele viu que a mais alta delas, totalmente nua a não ser pela pintura e pela cinta, era Jack.

Ralph recobrou o fôlego e falou.

— E então?

Jack ignorou-o, levantou a cabeça e começou a gritar.

— Ouçam todos. Eu e meus caçadores estamos morando na praia, junto a uma pedra chata. Caçamos, fazemos festas e nos divertimos. Se vocês quiserem entrar na minha tribo, vão até lá. Talvez eu os deixe entrar. Talvez não.

Parou e olhou em torno de si. Estava a salvo da vergonha ou da culpa sob a máscara de pintura e pôde olhá-los, um de cada vez. Ralph estava ajoelhado perto dos restos da fogueira, como um corredor no ponto de largada, com o rosto meio escondido pelo cabelo e pela fuligem. Sameeric apareceram juntos, de detrás de um tronco de palmeira no limiar da floresta. Um pequeno gritou, agachado e vermelho, perto da “piscina”, e Porquinho estava de pé na plataforma, com a concha branca nas mãos.

— Hoje à noite vamos fazer uma festa. Matamos um porco e temos carne. Podem vir comer conosco, se quiserem.

Nos desfiladeiros de nuvens, o trovão rugiu de novo. Jack e os dois selvagens anônimos estremeceram, olharam para cima e se tranquilizaram. O pequeno continuava gritando. Jack esperava alguma coisa. Cochichou urgentemente com os outros.

— Vão agora!

Os dois selvagens murmuraram. Jack falou asperamente.

Os dois se entreolharam, levantaram as lanças juntos e falaram ao mesmo tempo.

— O chefe falou.

Então os três se viraram e correram para longe.

Ralph levantou-se olhando para onde eles haviam sumido. Sameeric vieram, falando num sussurro amedrontado.

— Pensei que fosse...

— ...e eu fiquei...

— ...com medo.

Porquinho ficou acima deles, ainda segurando a concha.

— Eram Jack, Maurice e Robert — disse Ralph. — Não estão se divertindo?

— Pensei que ia ter asma.

— Pro diabo com a sua asma!

— Quando vi Jack, tive certeza que ele vinha buscar a concha. Não sei por quê.

O grupo de meninos olhou com respeito afetuoso para a concha. Porquinho colocou-a nas mãos de Ralph e os pequenos, vendo o símbolo familiar, começaram a voltar.

— Aqui não.

Virou-se para a plataforma, sentindo a necessidade de um ritual. Ralph subiu primeiro, abraçando a concha, depois Porquinho, muito sério, os gêmeos, os pequenos e os outros.

— Sentem-se todos. Atacaram-nos para pegar o fogo. Estão se divertindo. Mas a...

Ralph espantou-se com a cortina que se movia na sua mente. Havia algo que queria dizer, mas a cortina descera.

— Mas a...

Olharam-no gravemente, ainda sem duvidar da sua capacidade. Ralph tirou o cabelo idiota dos olhos e olhou para Porquinho.

— Mas a... oh, a fogueira! Claro, a fogueira!

Começou a rir, prosseguindo então de modo fluente outra vez.

— A fogueira é a coisa mais importante da ilha. Sem a fogueira, não poderemos ser salvos. Eu gostaria de me pintar para guerra e ser um selvagem. Mas precisamos deixar a fogueira acesa. A fogueira é a coisa mais importante da ilha, porque... porque...

Fez nova pausa e o silêncio se tornou cheio de dúvida e expectativa.

Porquinho sussurrou logo.

— Salvamento.

— Ah, é. Sem a fogueira não poderemos ser salvos. Então devemos ficar junto da fogueira e fazer fumaça.

Quando acabou, ninguém disse nada. Após os vários discursos brilhantes que fizera nesse mesmo lugar, suas palavras pareceram insuficientes, mesmo para os pequenos.

Afinal, Bill estendeu as mãos para a concha.

— Não podemos ter a fogueira lá em cima... porque não... precisamos de mais gente para deixá-la acesa. Vamos à festa; diremos que é difícil para nós cuidar da fogueira. E caçar, tudo isso — ser selvagem, quero dizer... deve ser bem divertido...

Sameeric pegaram a concha.

— Deve ser divertido como disse Bill... e ele nos convidou...

— ... para uma festa...

— ...carne...

— ... torresmos...

— ...gostaria de um pouco de carne...

Ralph levantou a voz.

— Por que nós não vamos arranjar carne?

Os gêmeos entreolharam-se. Bill respondeu.

— Não queremos entrar na selva.

Ralph fez uma careta.

— Ele... vocês sabem... vai.

— É um caçador. Eles são caçadores. É diferente.

Ninguém falou por um momento, depois Porquinho resmungou para a areia.

— Carne...

Os pequenos sentaram-se, pensando gravemente na carne e nos torresmos. Lá em cima, o canhão soou de novo e as secas frondes de palmeiras estalaram sob uma súbita rajada de vento quente.

— Você é um menininho bobo — disse o Senhor das Moscas —, só um menininho ignorante e bobo.

Simon mexeu sua língua inchada, mas não disse nada.

— Não está de acordo? — disse o Senhor das Moscas. — Você não é só um menininho bobo?

Simon respondeu-lhe na mesma voz silenciosa.

— Bem — disse o Senhor das Moscas —, é melhor que vá embora, brincar com os outros. Acham que você não regula bem. Você não quer que Ralph ache isso, não é? Você gosta um bocado de Ralph, não é? E Porquinho, e Jack?

A cabeça de Simon estava levemente voltada para cima. Os olhos não podiam se desviar e o Senhor das Moscas pairava no espaço diante dele.

— Que está fazendo aqui sozinho? Não tem medo de mim?

Simon fez que não.

— Não há ninguém para ajudar você. Só eu. E eu sou o Bicho.

A boca de Simon torceu-se com esforço, produzindo palavras audíveis.