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— Uma cabeça de porco numa vara.

— Que engraçado achar que o Bicho é algo que podem caçar e matar! — disse a cabeça. Por um instante, a floresta e todos os outros lugares indistintos ecoaram com a paródia de uma gargalhada. — Você sabe, não é? Sou parte de você? Quase, quase, quase! Sou a razão por que ninguém pode ir embora? Por que as coisas são o que são?

A risada irrompeu de novo.

— Vá agora — disse o Senhor das Moscas. — Volte para junto dos outros e vamos esquecer tudo.

A cabeça de Simon caiu. Seus olhos estavam meio fechados como se imitasse a coisa obscena na vara. Ele sabia que estava perto de um daqueles seus problemas. O Senhor das Moscas expandiu-se como um balão.

— Isso é ridículo. Sabe perfeitamente bem que lá só encontrará a mim. Portanto, não tente escapar!

O corpo de Simon estava arqueado e tenso. O Senhor das Moscas falou com a voz de um professor.

— Isso já foi longe demais. Minha pobre e desorientada criança, pensa que sabe mais do que eu?

Houve uma pausa.

— Estou avisando. Vou ficar bravo. Vê? Você não é desejado. Entendeu? Vamos nos divertir nesta ilha. Entendeu? Vamos nos divertir nesta ilha! E não tente nada, meu pobre menino desorientado, senão...

Simon descobriu que estava olhando para uma boca escancarada. Havia uma coisa escura dentro, uma coisa escura que aumentava.

— Senão — disse o Senhor das Moscas —, vamos acabar com você. Entendeu? Jack, Roger, Maurice, Robert, Bill, Porquinho e Ralph. Acabar com você. Entendeu?

Simon estava dentro da boca. Caiu e perdeu a consciência.

9

Visão de uma morte

Sobre a ilha continuava a acumulação de nuvens. Uma constante corrente de ar quente subiu o dia inteiro da montanha, chegando a uns três mil metros; massas giratórias de gás fizeram crescer a estática até que o ar estava pronto para explodir. No fim da tarde, o sol sumiu e um brilho metálico tomou o lugar da clara luz do dia. Até o ar que vinha do mar era quente e não trazia qualquer frescor. As cores sumiram da água, das árvores e das rosadas superfícies de pedra, nuvens brancas e castanhas pairavam sobre a ilha.

Nada se desenvolvia ali, a não ser as moscas que escureciam seu senhor e faziam as entranhas espalhadas parecer um brilhante montão de carvão. Até mesmo quando se rompeu uma veia no nariz de Simon e o sangue jorrou, elas o deixaram sozinho, preferindo o cheiro forte da porca.

Com o correr do sangue, o ataque de Simon transformou-se no cansaço do sono. Dormiu no tapete de lianas enquanto a noite chegava e o canhão continuava a troar. Por fim, acordou e viu indistintamente a terra escura perto da sua face. Ainda assim, não se mexeu, ficou lá, com o rosto de lado na terra, os olhos pesadamente fixos na frente. Virou-se, encolheu as pernas e se apoiou nas plantinhas para se levantar. Quando elas se mexeram, as moscas se irradiaram a partir das entranhas, com um som maligno, mas logo voltaram a pousar. Simon se levantou. A luz era sobrenatural. O Senhor das Moscas estava pendurado na sua vara como uma bola negra.

Simon falou alto para a clareira.

— Que mais se pode fazer?

Não houve resposta. Simon afastou-se da clareira e se enfiou pelas trepadeiras até chegar à escuridão da floresta. Andou sombriamente por entre os troncos, um rosto inexpressivo, com sangue seco em volta da boca e do queixo. Só às vezes, quando afastava para o lado os cipós pendentes e escolhia seu rumo segundo a inclinação do solo, é que dizia coisas que não chegavam ao ar.

Os cipós já não engalanavam tanto as árvores e surgiu uma luz branca do céu por entre as copas. Era a espinha dorsal da ilha, o terreno levemente mais alto que ficava sob a montanha, lá onde a floresta não era mais uma mata cerrada. Aqui havia amplos espaços entremeados com moitas e árvores enormes. O chão subia à medida que a floresta se abria. Continuou em frente, cambaleando às vezes de cansaço, mas nunca parando. O brilho habitual sumira de seus olhos e ele andava com uma espécie de determinação displicente, como um velho.

Uma rajada de vento fez com que titubeasse, percebendo que estava ao ar livre, sobre pedra e sob um céu metálico. Viu que suas pernas estavam fracas e que sua língua doía o tempo todo. Quando o vento chegou ao cume da montanha, algo aconteceu: um rápido irromper de azul contra nuvens escuras. Adiantou-se, enquanto o vento soprava novamente, mais forte, inclinando as copas da floresta, e elas se dobraram e rugiram. Simon viu uma coisa encurvada sentar de repente no cimo e olhar para baixo, para ele. Escondeu o rosto e continuou subindo.

As moscas também haviam achado a figura. O movimento quase de coisa viva assustou-as por um momento e elas fizeram uma nuvem escura ao redor da cabeça. Depois, ao cair o tecido azul do paraquedas, a figura corpulenta inclinou-se para a frente, suspirando, e as moscas pousaram novamente.

Simon sentiu os joelhos baterem numa pedra. Foi em frente e logo compreendeu. A confusão das cordas mostrou-lhe qual era a mecânica dessa paródia; examinou os brancos ossos do nariz, dos dentes, as cores da decomposição. Viu como a borracha e a lona sustentavam impiedosamente o pobre cadáver que deveria estar apodrecendo em outra parte. Então o vento soprou de novo e a figura se levantou, inclinou-se e lançou em sua direção um cheiro fétido. Simon ficou de quatro e vomitou até sentir o estômago vazio. Pegou as cordas e as soltou das pedras, libertando a figura da indignidade do vento.

Enfim, virou-se e olhou para a praia lá embaixo. A fogueira na plataforma parecia ter-se apagado, ou pelo menos não estar mais soltando fumaça. Mais além, na praia, após o riozinho e perto de um grande bloco de pedra, um fiozinho de fumaça subia para o céu. Sem ligar para as moscas, Simon protegeu os olhos com as mãos e fixou a fumaça. Mesmo àquela distância, era possível ver que a maioria dos meninos — talvez todos — estavam ali. Então haviam mudado de acampamento, para longe do bicho. Quando Simon pensou nisso, virou-se para a pobre coisa arruinada que fedia, sentada ao seu lado. O bicho era inofensivo e horrível; os outros deveriam saber disso o mais depressa possível.

Começou a descer a montanha e suas pernas se dobraram. Mesmo com muito esforço, só conseguia cambalear.

— Vou tomar um banho — disse Ralph —, é a única coisa a fazer.

Porquinho examinou o céu nublado através de sua lente.

— Não estou gostando dessas nuvens; lembra-se como chovia quando chegamos aqui?

— Vai chover outra vez.

Ralph mergulhou na “piscina”. Um par de pequenos brincava na borda, tentando consolar-se com aquela umidade mais quente que o sangue. Porquinho tirou os óculos, após enfiar um pé meticulosamente na água, depois recolocou-os...

Ralph surgiu na superfície e jogou-lhe um jato de água.

— Cuidado com meus óculos — disse Porquinho. — Se cair água no vidro, terei de sair para limpá-lo.

Ralph jogou mais água e errou. Riu para Porquinho, esperando que ele se retirasse humildemente como das outras vezes, com um silêncio magoado. Mas Porquinho começou a bater as mãos na água.

— Pare! — gritou. — Ouviu?

Furioso, jogou água no rosto de Ralph.

— Certo, certo — disse Ralph. — Calma!

Porquinho parou de bater na água.

— Estou com dor de cabeça. Gostaria que estivesse mais fresco.

— Eu gostaria que chovesse logo.