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Agora a concha não era mais uma coisa só para ser vista, intocável. Ralph também se entusiasmou, enquanto Porquinho balbuciava:

— ...uma concha; uma coisa tão cara. Aposto que se você quisesse comprar uma dessas, teria de pagar libras, libras e mais libras. Meu amigo tinha uma na parede do jardim e minha tia...

Ralph tirou a concha de Porquinho e um pouco de água escorreu por seu braço. A concha era bege escura, matizada aqui e ali de leves tons rosados. Entre a ponta gasta, com um buraquinho, e os lábios rosados da boca, havia uns quarenta centímetros torcidos em leve espiral e cobertos por delicado desenho em relevo. Ralph sacudiu a areia que havia no tubo profundo.

— ...mugia com uma vaca — dizia. — Ele tinha também umas pedras brancas e uma gaiola com um papagaio verde. Claro que não soprava nas pedras brancas e falava...

Porquinho fez uma pausa para tomar fôlego e deu uma pancadinha na coisa brilhante que estava nas mãos de Ralph.

— Ralph!

Ralph olhou-o.

— Podemos usá-la para chamar os outros. Ter uma reunião. Eles virão quando nos ouvirem...

Fixou Ralph, com os olhos brilhando.

— É isso que você queria, não é? Por isso é que você tirou a concha da água?

Ralph puxou para trás o cabelo louro.

— Como seu amigo soprava a concha?

— Era como se cuspisse — disse Porquinho. — Minha tia não me deixava soprar por causa da minha asma. Ele disse que se devia soprar daqui. — Porquinho pôs a mão na barriga saliente. — Tente, Ralph. Chame os outros.

Hesitante, Ralph colocou a ponta menor da concha na boca e soprou. Um som gorgolejante irrompeu da boca da concha, nada mais. Ralph enxugou a água salgada dos lábios e tentou outra vez, mas a concha permaneceu silenciosa.

— Era como se cuspisse.

Ralph franziu os lábios e lançou ar na concha, que emitiu um ruído baixo e semelhante a um ronco. O que divertiu tanto os meninos que Ralph continuou soprando por alguns minutos, entre explosões de riso.

— Ele soprava daqui.

Ralph entendeu e encheu a concha de ar do seu diafragma. Imediatamente a coisa soou. Uma nota rude e profunda estrondou sob as palmeiras, penetrou pelo emaranhado da floresta e ecoou no granito rosa da montanha. Nuvens de pássaros subiram dos topos das árvores e alguma coisa gritou e correu entre a vegetação rasteira.

Ralph tirou a concha dos lábios.

— Puxa!

Sua voz normal soou como um sussurro após a nota grave da concha. Ele levou-a de novo aos lábios, tomou fôlego e soprou outra vez. A nota soou novamente; agora, com uma pressão mais firme, a nota subiu uma oitava e se tornou uma clarinada estridente, mais penetrante que antes. Porquinho gritava alguma coisa, de rosto feliz, óculos brilhando. Os pássaros gritavam, pequenos animais fugiam. O fôlego de Ralph acabou; a nota caiu uma oitava, tornou-se um balbuciar baixo, uma rajada de ar.

A concha estava silenciosa, um dente brilhante. O rosto de Ralph estava arroxeado pelo esforço e o ar da ilha enchia-se do barulho de pássaros e soar de ecos.

— Aposto que deu pra ouvir a quilômetros!

Ralph se recuperou e deu uma série de toques curtos.

Porquinho exclamou: — Lá está um!

Um menino apareceu entre as palmeiras, a uns cem metros. Era um menino de uns seis anos, forte e louro, de roupas rasgadas e rosto coberto por uma mistura pegajosa de frutas. As calças tinham sido abaixadas com um propósito óbvio e foram levantadas apenas pela metade. Ele pulou da saliência das palmeiras para a areia e as calças caíram; ele saiu delas e correu para a plataforma. Porquinho ajudou-o a subir. Enquanto isso, Ralph continuava a soprar até ouvir vozes gritando na floresta. O menininho sentou-se de cócoras diante de Ralph, olhando para cima, brilhante e verticalmente. Quando se convenceu de que estava sendo feita alguma coisa com um objetivo, mostrou-se satisfeito e enfiou na boca o único dedo limpo, um polegar rosado.

Porquinho inclinou-se para ele.

— Como você se chama?

— Johnny.

Porquinho murmurou o nome para si e depois o gritou para Ralph, que não estava interessado, porque ainda soprava: tinha o rosto arroxeado pelo violento prazer de fazer aquele estupendo barulho e seu coração parecia querer romper a camisa justa. E mais se aproximava o vozerio da floresta.

Agora eram visíveis sinais de vida na praia. A areia, fremente sob a névoa do calor, ocultava várias figuras numa extensão de quilômetros. Muitos meninos dirigiam-se à plataforma pisando a areia quente e silenciosa. Três meninos pequenos, da idade de Johnny, apareceram surpreendentemente próximos, lá de onde estavam, colhendo frutas. Um menininho moreno, quase da idade de Porquinho, afastou uma moita de arbustos, andou até a plataforma e sorriu alegremente para todos. E surgiram outros — cada vez mais. Imitando o inocente Johnny, sentavam-se nos troncos caídos de palmeira e esperavam. Ralph continuava a dar toques rápidos e penetrantes. Porquinho passava pelo grupo, perguntando nomes e franzindo o rosto no esforço de lembrar. Os meninos ofereciam-lhe a mesma obediência direta que haviam dado aos homens com os megafones. Alguns estavam nus e carregavam suas roupas; outros, seminus ou mais ou menos vestidos com uniformes escolares: cinzento, azul, castanho, paletós, suéteres. Havia distintivos, até divisas, listas coloridas nas meias e pulôveres. As cabeças agrupavam-se à sombra verde sobre os troncos caídos; cabeças morenas, louras, pretas, castanhas, areia, cor de rato; cabeças que murmuravam, cochichavam, cabeças cheias de olhos que observavam Ralph e especulavam. Alguma coisa estava sendo feita.

As crianças que vinham pela praia, sozinhas ou aos pares, tornavam-se visíveis ao cruzar a linha da bruma do calor para a areia mais próxima. Ali, a vista era atraída primeiro por uma criatura negra, semelhante a um morcego, que dançava na areia; só depois se percebia o corpo acima dela. O morcego era a sombra do menino, reduzida pelo sol vertical até se tornar um borrão entre os pés apressados. Até mesmo Ralph, ocupado em soprar, foi atraído pelo último par de corpos que chegava à plataforma numa tremulante mancha de escuridão. Os dois meninos, de cabeça redonda e cabelo de estopa, esticaram-se à sombra e ficaram sorrindo e arfando para Ralph como cachorros. Eram gêmeos e a visão de tal duplicação viva chocava e era incrível. Respiravam juntos, riam juntos, eram fortes e cheios de vida. Levantavam lábios úmidos para Ralph, pareciam não ter bastante pele ali, seus perfis eram como que apenas esboçados, de bocas abertas. Porquinho virou seus óculos brilhantes para eles e, entre os toques, era possível ouvir sua voz, repetindo os nomes.

— Sam, Eric, Sam, Eric.

Então, ficou atrapalhado: os gêmeos bateram as cabeças e apontaram um para o outro. A meninada caiu na risada.

Enfim, Ralph parou de tocar e sentou-se, com a concha pendendo numa das mãos, a cabeça inclinada sobre os joelhos. À medida que os ecos morriam, extinguiam-se as risadas, dando lugar ao silêncio.

Na bruma diamantina da praia, alguma coisa escura andava de modo irregular. Ralph viu primeiro e fixou-a até que a firmeza do seu olhar atraiu todos os olhos para essa direção. A criatura passou da miragem para a areia clara e todos viram que o tom escuro não era apenas sombra, mas principalmente roupas. A criatura era um grupo de meninos, marchando mais ou menos em cadência, distribuídos em duas linhas paralelas, vestidos com roupas incrivelmente excêntricas. Calças, camisas e outras peças eram carregadas nas mãos; cada menino usava um boné preto, com uma franja prateada. Estavam cobertos por túnicas negras, que lhes caíam do pescoço aos pés, com grandes cruzes prateadas no lado esquerdo do peito e a gola rematada em babados pregueados. O calor dos trópicos, a descida, a busca de comida e agora essa suarenta marcha pela praia incandescente dera-lhes aspecto de ameixas recém-lavadas. O menino que os dirigia estava vestido do mesmo jeito, mas a franja do seu boné era dourada. Quando o grupo estava a uns dez metros da plataforma, gritou uma ordem e eles fizeram alto, arquejando, suando, vacilando sob a luz violenta. O menino se adiantou, subiu na plataforma com a túnica esvoaçando e deu uma olhada no que, para ele, era uma escuridão quase total.