— Você ainda é o chefe.
Ralph riu novamente.
— Você é. O nosso.
— Estou com a concha.
— Ralph! Pare de rir desse jeito! Não é preciso, Ralph! O que os outros iriam pensar?
Ralph parou, afinal. Tremia.
— Porquinho.
— Hum?
— Era Simon.
— Você já disse isso.
— Porquinho.
— Hum?
— Foi um assassinato.
— Pare com isso! — disse Porquinho, agudamente. — Que adianta ficar falando assim?
Pulou de pé e olhou para Ralph.
— Estava escuro. Havia aquela... aquela dança sanguinária. Havia raios, trovões, chuva. Estávamos com medo!
— Eu estava com medo — disse Ralph, devagar. — Eu estava... sei lá como estava!
— Estávamos com medo! — disse Porquinho, excitado. — Poderia acontecer qualquer coisa. Não foi... o que você disse.
Gesticulou, procurando o que dizer.
— Oh, Porquinho!
A voz de Ralph, baixa e magoada, deteve os gestos de Porquinho. Ele se inclinou e esperou. Ralph, balançando a concha, fez um movimento de vaivém.
— Você não compreende, Porquinho? O que fizemos...
— Ele ainda deve estar...
— Não.
— Talvez só estivesse fingindo...
A voz de Porquinho morreu ante a expressão de Ralph.
— Você estava de fora. Fora do círculo. Nunca entrou mesmo. Não viu o que nós... o que eles fizeram?
Havia repugnância na sua voz e, ao mesmo tempo, uma espécie de ardente excitação.
— Você não viu, Porquinho?
— Não muito bem. Agora só tenho um olho. Você deveria saber disso, Ralph.
Ralph continuou no seu vaivém.
— Foi um acidente — disse Porquinho, de repente. — Foi isso, um acidente. — Sua voz ficou aguda outra vez. — Veio do escuro... não tinha por que ficar arrastando-se daquele jeito no escuro. Ele não regulava bem. Foi culpa dele. Fez grandes gestos.
— Foi um acidente.
— Você não viu o que fizeram...
— Olhe, Ralph. Vamos esquecer isso. Não ganharemos nada pensando nisso, não é?
— Estou apavorado. Conosco. Quero ir para casa. Meu Deus, quero ir para casa.
— Foi um acidente — disse Porquinho teimosamente —, foi tudo.
Tocou no ombro nu de Ralph e este tremeu ao contato humano.
— E, Ralph — Porquinho olhou em volta, rapidamente, depois se inclinou mais para perto —, não vamos dizer que estivemos naquela dança. Não para Sameeric.
— Mas estivemos! Nós todos!
Porquinho sacudiu a cabeça.
— Só no fim. Ninguém viu, no escuro. De qualquer forma, você disse que eu estava de fora...
— Eu também — resmungou Ralph —, eu estava de fora também.
Porquinho concordou ansiosamente.
— Viveremos sozinhos, nós quatro...
— Nós quatro. Não somos bastantes para deixar a fogueira acesa.
— Tentaremos. Viu? Vou acender.
Sameeric vieram arrastando um grande tronco para fora da floresta. Jogaram-no junto da fogueira e se viraram para a “piscina”. Ralph ficou de pé, num salto.
— Ei, vocês dois!
Os gêmeos pararam um instante, depois se aproximaram.
— Eles vão tomar banho, Ralph.
— Melhor esclarecer tudo já.
Os gêmeos estavam muito surpreendidos por ver Ralph. Ficaram corados e olharam além dele, para o ar.
— Olá. Que bom ver você, Ralph.
— Estávamos na floresta...
— ...pegando lenha para a fogueira...
— ...nos perdemos ontem à noite.
Ralph examinou seus dedos dos pés.
— Vocês se perderam depois da...
Porquinho limpou os óculos.
— Depois da festa — disse Sam, numa voz abafada. Eric concordou. — É, depois da festa.
— Nós fomos embora logo — disse Porquinho rapidamente —, porque estávamos cansados.
— Nós também...
— ...logo, logo...
— ...estávamos muito cansados.
Sam tocou um arranhão que tinha na testa e tirou vivamente a mão dali. Eric passou um dedo pelo lábio partido.
— É. Estávamos muito cansados — repetiu Sam —, e fomos embora logo. Estava boa a...
O ar estava carregado do conhecimento inominável. Sam estremeceu e a palavra obscena escapou dele. — ...dança?
A lembrança da dança que nenhum deles havia visto atingiu-os convulsivamente.
— Fomos embora logo.
Quando Roger chegou ao istmo de terra que ligava o Castelo de Pedra à ilha, não se surpreendeu ao ser detido. Contara, durante a terrível noite, encontrar pelo menos alguns da tribo no lugar mais seguro, protegendo-se dos horrores da ilha.
A voz irrompeu asperamente lá de cima, onde as pedras cada vez menores equilibravam-se umas nas outras.
— Alto! Quem é?
— Roger.
— Pode vir, amigo.
Roger avançou.
— Você podia ver quem eu era.
— O chefe disse para perguntar a todo mundo.
Roger deu uma olhada.
— Vocês não poderiam me parar se eu quisesse ir em frente.
— Não? Suba aqui e veja.
Roger subiu a escarpa que parecia ter degraus.
— Veja só.
Um tronco fora colocado sob a pedra mais alta e havia outro como ponto de apoio. Robert inclinou-se levemente sobre este e a pedra rangeu. Um esforço decidido faria a pedra cair, trovejando, até o istmo. Roger observou admirado.
— É um chefe legal, não é?
Robert fez que sim.
— Ele vai nos levar para caçar.
Sacudiu a cabeça na direção das cabanas distantes, onde um fio de fumaça branca subia para o céu. Roger, sentado na beirada da escarpa, olhou sombriamente para a ilha, enquanto mexia com os dedos num dente amolecido. Seu olhar perdeu-se no cimo da distante montanha e Robert evitou o assunto inominável.
— Ele vai bater em Wilfred.
— Por quê?
Robert sacudiu a cabeça, em dúvida.
— Não sei. Ele não disse. Ficou com raiva e nos mandou amarrar Wilfred. Ele ficou... — deu uma risadinha de excitação — ele ficou amarrado várias horas, esperando...
— Mas o chefe não disse a razão?
— Eu não ouvi.
Sentado nas enormes pedras sob o sol tórrido, Roger recebeu essa notícia como uma iluminação. Parou de mexer no dente e ficou ali, assimilando as possibilidades da autoridade irresponsável. Então, sem uma palavra, desceu para trás das pedras, na direção da caverna e do resto da tribo.
O chefe estava sentado ali, de peito nu, com o rosto pintado de branco e vermelho. A tribo estava num semicírculo à sua frente. Wilfred, que acabara de apanhar e já estava livre, fungava ruidosamente no fundo. Roger uniu-se aos outros, de cócoras.