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— Podemos acendê-la a cada manhã — disse Porquinho. — Ninguém vai ver fumaça no escuro.

Sam concordou vigorosamente.

— Era diferente quando a fogueira era...

— ...lá em cima.

Ralph levantou-se, sentindo-se curiosamente indefeso ante a escuridão crescente.

— Vamos deixar o fogo apagar, só esta noite.

Liderou a marcha para o primeiro abrigo, que ainda resistia, embora avariado. As camas de folhas lá estavam, secas e barulhentas ao toque. Na cabana vizinha, um pequeno falava dormindo. Os quatro grandes rastejaram para dentro e se enfiaram entre as folhas. Os gêmeos juntos, Porquinho e Ralph na outra ponta. Por um momento, houve o contínuo revirar e estalar das folhas, enquanto eles procuravam uma posição.

— Porquinho.

— Hem?

— Tudo bem?

— Acho que sim.

Afinal, a não ser por um estalar ocasional, a cabana ficou quieta. Um quadrilátero de escuridão, interrompido por brilhantes lantejoulas, situava-se diante deles e dali vinha o som cavo de arrebentação no recife. Ralph preparou-se para seu jogo noturno de faz de conta...

Faz de conta que pudessem ser transportados para casa num jato: antes da manhã iriam descer naquele grande aeroporto de Wiltshire. Pegariam um carro; não, para que as coisas fossem perfeitas, iriam de trem; viajariam assim até Devon, até aquela casa outra vez. Então, no fim do jardim, os pôneis selvagens viriam e olhariam por sobre a cerca...

Ralph virou-se, inquieto, entre as folhas. Dartmoor era um lugar selvagem e os pôneis também. Mas a atração do lugar selvagem sumira...

Passou a imaginar uma cidade civilizada onde não existisse selvageria. O que poderia ser mais seguro que uma estação de ônibus, com suas lâmpadas e rodas?

Imediatamente, Ralph dançava em volta de um poste de luz. Havia um ônibus saindo da estação, um ônibus estranho...

— Ralph! Ralph!

— Que foi?

— Não faça barulho assim...

— Desculpe!

Da escuridão do outro extremo da cabana chegou um lamento terrível e Ralph e Porquinho se viraram assustados nas suas folhas. Sam e Eric, abraçados, estavam lutando.

— Sam! Sam!

— Ei! Eric!

Tudo ficou quieto outra vez.

Porquinho falou baixinho para Ralph.

— Precisamos sair daqui.

— O quê?

— Precisamos ser salvos.

Pela primeira vez nesse dia, apesar da escuridão dominante, Ralph riu.

— É sim — cochichou Porquinho. — Se não voltarmos logo para casa, ficaremos loucos.

— Birutas.

— Pirados.

— Aloprados.

Ralph tirou o cabelo úmido dos olhos.

— Escreva uma carta para sua tia.

Porquinho pensou seriamente nisso.

— Não sei onde ela está agora. E não tenho selo nem envelope. Aqui não há caixas de correio. Nem carteiros.

O sucesso dessa piadinha dominou Ralph. Suas risadas tornaram-se incontroláveis, seu corpo dobrava-se e retorcia-se.

Porquinho interrompeu-o dignamente.

— Não disse nada de tão engraçado...

Ralph continuou a rir até sentir o peito doendo. As gargalhadas cansaram-no. Ele se deitou, sem fôlego e inerte, esperando o próximo espasmo. Durante uma dessas pausas, foi dominado pelo sono.

— ...Ralph! Você está fazendo barulho outra vez. Fique quieto, Ralph... porque...

Ralph virou-se entre as folhas. Tinha motivos para estar agradecido por seu sonho ter sido interrompido. Aquele ônibus estava mais perto e mais distinto.

— O quê?... por quê?

— Fique quieto... e ouça.

Ralph deitou-se cuidadosamente, acompanhado por um grande suspiro das folhas. Eric balbuciou algo e ficou quieto. A escuridão, a não ser a inútil área de estrelas, era espessa como um cobertor.

— Não ouço nada.

— Ouça. Ouça por algum tempo.

Claramente, enfaticamente, apenas a um metro ou pouco mais da cabana, um ramo estalou. O sangue rugiu novamente nas orelhas de Ralph, imagens confusas atropelavam-se na sua mente. Um conjunto dessas coisas rondava os abrigos. Podia sentir a cabeça de Porquinho no seu ombro e a garra convulsiva de sua mão.

— Ralph! Ralph!

— Cale-se e ouça.

Desesperadamente, Ralph rezou para que o bicho preferisse os pequenos.

Uma voz sussurrou horrivelmente lá fora.

— Porquinho... Porquinho...

— Ele veio! — ofegou Porquinho. — Existe!

Apertou-se junto a Ralph e conseguiu recobrar o fôlego.

— Porquinho, venha aqui fora. Quero você, Porquinho.

A boca de Ralph estava junto ao ouvido de Porquinho.

— Não diga nada.

— Porquinho, onde está você, Porquinho?

Algo se chocou contra a parte de trás da cabana. Porquinho ficou parado por um momento, então teve um ataque de asma. Arqueou as costas e caiu entre as folhas. Ralph rolou, afastando-se dele.

Então, veio o maligno grunhido da boca do abrigo, as investidas e golpes de coisas vivas. Alguém tropeçou em Ralph e o lugar de Porquinho tornou-se uma confusão de gritos, pontapés e braços que voavam. Ralph deu um soco; ele e o que parecia uma dúzia dos outros começaram a rolar pelo chão, dando socos, mordendo, unhando. Arranharam-no e o sacudiram, sentiu uns dedos na sua boca e os mordeu. Um punho afastou-se e voltou como um pistão, fazendo a cabana toda explodir em luzes. Ralph caiu de lado em cima de um corpo que se torcia e sentiu um hálito quente na face. Começou a socar a boca sob ele, usando o punho fechado como um martelo; bateu mais e mais, com apaixonada histeria, à medida que a cara ficava pegajosa. Um joelho meteu-se entre suas pernas e ele caiu para o lado, mergulhado em dor, e a luta veio para cima dele. O abrigo desmoronou, sufocando, e as formas anônimas lutaram para sair. Figuras escuras escaparam dos escombros e fugiram. Afinal, deu para ouvir os gritos dos pequenos e os arquejos de Porquinho.

Ralph disse, com voz trêmula.

— Vocês, pequenos, vão dormir. Tivemos uma briga com os outros. Vão dormir agora.

Sameeric chegaram perto e olharam para Ralph.

— Vocês estão bem?

— Acho que sim...

— ...me acertaram.

— Eu também. E Porquinho?

Tiraram Porquinho debaixo dos destroços e o encostaram numa árvore. A noite estava fria e livre de terrores imediatos. A respiração de Porquinho foi melhorando.

— Está machucado, Porquinho?

— Só um pouco.

— Foram Jack e seus caçadores — disse Ralph amargamente. — Por que não podem deixar a gente em paz?

— Nós também demos o que pensar a eles — disse Sam. A honestidade obrigou-o a continuar. — Pelo menos, você deu. Eu me encostei num canto.

— Acertei bem um deles — disse Ralph. — Quebrei a cara dele. Ele não vai querer brigar com a gente nunca mais.

— Eu também — disse Eric. — Quando acordei, alguém me chutou a cara. Minha cara está cheia de sangue, acho. Mas, Ralph, eu acabei batendo nele.

— O que você fez?