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Passou os olhos por eles.

— Onde está Jack?

O grupo agitou-se e se consultou. Uma cara pintada falou, com a voz de Robert.

— Está caçando. E disse para não deixarmos vocês entrarem.

— Eu vim por causa da fogueira — disse Ralph — e dos óculos de Porquinho.

O grupo diante dele mudou de posição e uma gargalhada irrompeu dele, um riso leve, excitado, que foi ecoando por entre as pedras altas.

Uma voz falou por trás de Ralph.

— O que você quer?

Os gêmeos passaram correndo por Ralph e ficaram entre ele e a entrada. Ele se virou vivamente. Jack, identificável pela personalidade e pelo cabelo ruivo, aproximava-se, vindo da floresta. Um caçador de cada lado, agachado. Os três estavam mascarados de verde e preto. Atrás deles, na grama, o corpo decapitado e inchado de uma porca jazia onde o haviam deixado.

Porquinho choramingou.

— Ralph! Não me deixe!

Com cuidado ridículo, ele abraçou a rocha, colando-se a ela, tendo aos pés, lá embaixo, o mar semovente. Os risinhos dos selvagens se transformaram em altas gargalhadas de deboche.

Jack gritou por sobre o barulho.

— Vá embora, Ralph. Fique na sua parte da ilha. Esta é a minha ponta e a minha tribo. Deixe-me em paz.

As gargalhadas morreram.

— Você pegou os óculos de Porquinho — disse Ralph, sem fôlego. — Você precisa devolvê-los.

— Preciso? Quem disse?

O temperamento de Ralph explodiu.

— Eu digo! Vocês votaram em mim para chefe. Não ouviu a concha? Foi uma sujeira o que você fez... daríamos fogo a você, se pedisse...

O sangue fluiu para suas faces e o olho semicerrado latejou.

— Você poderia vir quando quisesse. Mas não. Você veio escondido como um ladrão e roubou os óculos de Porquinho!

— Repita isso!

— Ladrão! Ladrão!

Porquinho gritou.

— Ralph! Pense em mim!

Jack dobrou-se para a frente e deu uma lançada no peito de Ralph. Este vislumbrou o movimento do braço de Jack e pressentiu a posição da arma; desviou o golpe com o cabo da sua lança. Deu uma volta e acertou um golpe na orelha de Jack. Estavam corpo a corpo, a respiração entrecortada, empurrando e se entreolhando com olhos faiscantes.

— Quem é ladrão?

— Você!

Jack torceu o corpo, libertando-se, e atacou Ralph com a lança. De comum acordo, estavam usando as armas como sabres, sem se expor às pontas mortais. O golpe sacudiu a lança de Ralph e, escorregando, atingiu-lhe os dedos, dolorosamente. Então se afastaram mais uma vez, com as posições invertidas: Jack do lado do Castelo de Pedra e Ralph de costas para a ilha.

Os dois arfavam pesadamente.

— Venha, seu...

— Venha...

Defrontaram-se ferozmente, mas guardando distância segura.

— Venha cá para ver o que é bom!

— Venha você...

Porquinho, colado ao solo, tentava atrair a atenção de Ralph. Ralph movia-se, inclinado, com o olhar cansado em Jack.

— Ralph... lembre-se por que viemos. A fogueira, meus óculos.

Ralph assentiu. Relaxou seus músculos, ficou ereto e fincou o cabo da lança no chão. Jack olhava-o inescrutavelmente através da pintura. Ralph deu uma olhada para o alto, depois para o grupo de selvagens.

— Ouçam. Viemos dizer isto. Primeiro, vocês têm de devolver os óculos de Porquinho. Sem óculos ele não enxerga. Não é uma brincadeira...

A tribo de selvagens pintados deu uma risadinha e a mente de Ralph vacilou. Puxou o cabelo louro para trás e olhou para a máscara verde e preta à sua frente, tentando lembrar-se de como era Jack.

Porquinho cochichou.

— E a fogueira.

— Oh, sim. E agora, a fogueira. Já disse isso. Desde que chegamos, estou dizendo isso.

Levantou a lança e apontou para os selvagens.

— A única esperança é termos uma fogueira de sinalização sempre que houver luz para se ver. Então, talvez, um navio poderá perceber a fumaça e virá nos salvar e nos levar para casa. Mas sem essa fumaça, teremos de esperar que um navio apareça aqui por sorte. Talvez sejam anos de espera, até ficarmos velhos...

A gargalhada trêmula, cristalina e irreal dos selvagens espalhou-se e ecoou ao morrer. Um golpe de fúria atingiu Ralph. Sua voz estalou.

— Não entendem, seus idiotas pintados? Sam, Eric, Porquinho e eu não somos suficientes. Tentamos deixar a fogueira acesa, mas não conseguimos. E daí, vocês, brincando de caçar...

Apontou por cima deles para onde se dispersava o fiozinho de fumaça no céu esbranquiçado.

— Vejam aquilo! Chamam isso de sinal? É uma fogueira para cozinhar. Vocês comem e pronto, não há mais fumaça. Não compreendem? Pode haver um navio lá...

Parou, derrotado pelo silêncio no anonimato do grupo pintado que guardava a entrada. O chefe abriu uma boca rosada e disse a Sameeric que estavam entre ele e sua tribo.

— Vocês dois. Voltem.

Ninguém respondeu. Os gêmeos, confusos, entreolharam-se; Porquinho, tranquilizado agora que cessara a violência, tinha-se levantado com cuidado. Jack olhou para Ralph e depois para os gêmeos.

— Agarrem-nos!

Ninguém se mexeu. Jack gritou furiosamente.

— Eu disse agarrem-nos!

O grupo pintado cercou Sameeric nervosa e desajeitadamente. Outra vez irrompeu aquela risada cristalina.

Sameeric protestaram, em nome da civilização.

— Ora, que é isso?

— ...realmente!

Tiraram-lhes as lanças.

— Amarrem-nos!

Ralph gritou desesperado contra a máscara verde e negra.

— Jack!

— Vamos. Amarrem os dois!

O grupo pintado sentiu então que Sameeric eram estranhos: sentiu o poder nas suas mãos. Derrubaram os gêmeos com jeito rude e excitado. Jack estava inspirado. Sabia que Ralph tentaria uma reação. Descrevendo um círculo zunidor, lançou um golpe para trás e Ralph mal pôde se esquivar. Além deles, a tribo e os gêmeos eram um amontoado barulhento e agitado. Porquinho agachou-se de novo. Os gêmeos ficaram estendidos, espantados, e a tribo cercou-os. Jack virou-se para Ralph e falou por entre os dentes.

— Viu? Eles fazem o que eu quero.

Silêncio novamente. Os gêmeos ficaram deitados, mal-amarrados e a tribo observava Ralph para ver o que ele iria fazer. Ele os contou através da sua franja e deu uma olhada para a fumaça ineficaz.

Explodiu de novo. Gritou para Jack.

— Você é uma besta, um porco, um desgraçado e sujo ladrão!

E atacou.

Jack, sentindo que chegara a hora, atacou também. Chocaram-se e recuaram. Jack deu um soco em Ralph e o acertou na orelha. Ralph pegou Jack na barriga e o fez grunhir. Então se encararam de novo, ofegantes e furiosos, mas temendo a ferocidade um do outro. Perceberam o barulho que era o fundo da luta, os gritos constantes da tribo, agudos e animados, atrás deles.

A voz de Porquinho chegou até Ralph.

— Deixe-me falar.

Ficou de pé entre a poeira da luta e, quando a tribo percebeu sua intenção, a torcida transformou-se numa grande vaia.