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Porquinho levantou a concha e a vaia diminuiu um pouco, mas depois voltou a soar alto.

— Estou com a concha!

Gritou.

— Eu estou falando: estou com a concha!

Surpreendentemente, fez-se silêncio; a tribo estava curiosa por ouvir a coisa engraçada que ele tinha para dizer.

Silêncio e pausa. Mas no silêncio, um estranho barulho no ar soou perto da cabeça de Ralph. Ele não prestou muita atenção e o barulho se repetiu. Um fraco “Zup!”. Alguém jogava pedras; Roger atirava-as, com uma mão ainda na alavanca. Embaixo dele, Ralph era um monte de cabelo e Porquinho um saco de banha.

— Vou falar agora. Vocês estão agindo como um bando de crianças.

A vaia voltou, mas morreu quando Porquinho levantou a concha branca e mágica.

— O que é melhor? Ser um bando de índios pintados como vocês ou ser razoável como Ralph?

Levantou-se um grande clamor entre os selvagens. Porquinho gritou de novo.

— Que é melhor? Ter regras e segui-las ou caçar e matar?

Outra vez o clamor, de novo um “Zup!”.

Ralph gritou contra o barulho.

— O que é melhor? A lei e o salvamento, ou caçar e destruir?

Agora, Jack estava gritando também e Ralph não pôde mais se fazer ouvir. Jack recuara até onde estava a tribo e formavam uma sólida massa ameaçadora que eriçava as lanças. A intenção de uma carga crescia neles; estavam decididos a varrer o istmo. Ralph enfrentava-os de pé, um pouco para o lado, com a lança pronta. A seu lado, Porquinho segurava o talismã, a frágil e brilhante beleza da concha. A tempestade de sons fustigava-os, como uma maldição do ódio. Bem lá em cima, Roger, com uma sensação de delirante abandono, pousou todo seu peso na alavanca.

Ralph ouviu a grande rocha bem antes de vê-la. Percebeu um estremecimento do solo na planta dos pés e o som de pedras que se quebravam no alto do espigão. Então, a monstruosa coisa vermelha ricocheteou no istmo e ele se atirou ao chão enquanto a tribo guinchava.

A rocha abateu-se sobre Porquinho num golpe fulgurante, em cheio, do queixo aos joelhos; a concha explodiu em mil fragmentos brancos e deixou de existir. Porquinho, sem dizer nada, sem tempo nem para um protesto, foi projetado no ar para um lado, virando sobre si mesmo. A rocha ricocheteou duas vezes e se perdeu na floresta. Porquinho caiu 12 metros e bateu com as costas na pedra quadrada e vermelha do mar. Sua cabeça partiu-se e dela saiu algo que se avermelhou. Os braços e pernas de Porquinho mexeram-se um pouco, como os de um porco após ser morto. Daí, o mar subiu de novo, num longo e lento suspiro; a água ferveu branca e rosada sobre a rocha. Quando voltou, num ruído de sucção, o corpo de Porquinho sumira.

Desta vez, o silêncio era completo. Os lábios de Ralph formaram uma palavra, mas não produziram som algum.

De repente, Jack pulou para a frente da tribo e começou a gritar selvagemente.

— Viu? Viu? Isso é o que você conseguiu! Isso é o que quis dizer! Não há mais tribo para você! A concha acabou...

Correu para a frente, curvado.

— Eu sou o chefe!

Malignamente, sem titubear, lançou a lança contra Ralph. A ponta arranhou pele e carne nas costelas de Ralph, depois perdeu a força e caiu no mar. Ralph tropeçou, sem sentir dor, apenas pânico; a tribo, agora gritando como o chefe, começou a avançar. Outra lança, esta curva, que não vinha em linha reta, passou junto ao seu rosto e outra caiu do alto, onde Roger estava. Os gêmeos estavam deitados, ocultos pela tribo e as anônimas faces demoníacas enxameavam pelo istmo. Ralph virou-se e correu. Um grande barulho, como de gaivotas, cresceu atrás dele. Obedeceu a um instinto que não sabia possuir e se precipitou no espaço aberto, de modo que as lanças caíram longe. Viu o corpo decapitado da porca e pulou na hora exata. Depois, amassando folhas e raminhos, sumiu na floresta.

O chefe, detido pelo porco, virou-se e levantou as mãos.

— Voltem! Voltem para o forte!

A tribo voltou ruidosamente para o istmo onde Roger juntou-se a eles.

O chefe falou-lhe com fúria.

— Por que não está vigiando?

Roger olhou-o gravemente.

— Eu só desci...

O horror do carrasco em torno dele. O chefe não disse mais nada a ele, apenas olhou para Sameeric.

— Vocês têm de entrar na tribo.

— Deixe-me ir embora...

— ...eu também.

O chefe pegou uma das poucas lanças que restavam e espetou as costelas de Sam.

— O que você quer dizer? — disse ferozmente o chefe. — O que vocês queriam, vindo com lanças? O que quer dizer não querendo entrar para a tribo?

A lança agora se movia ritmadamente. Sam gritou.

— Não é desse jeito.

Roger chegou junto do chefe, quase roçando seu ombro. Os gritos pararam, Sameeric ficaram olhando para cima, em silencioso terror. Roger avançou para eles, como alguém que detém uma obscura autoridade.

12

Gritos de caçadores

Ralph estava sob uma moita, pensando nas suas feridas. Um círculo de carne machucada com vários centímetros de diâmetro aparecia nas costelas direitas. Uma cicatriz inflamada e ensanguentada mostrava onde a lança o acertara. O cabelo estava sujo e emaranhado como as lianas de uma trepadeira. Estava coberto de arranhões e cortes devido à sua fuga através da floresta. Agora, sua respiração voltara ao normal, e já decidira que teria de esperar para banhar os ferimentos. Como se pode ouvir pés nus quando se está na água? Como se pode estar a salvo junto ao riozinho ou na praia aberta?

Ralph procurou escutar. Não estava muito longe do Castelo de Pedra e, durante o pânico inicial, pensou ouvir sons de perseguição. Mas os caçadores só haviam chegado à beirada da selva, talvez para recuperar as lanças, depois correram de volta para a pedra ensolarada, como se estivessem aterrorizados pela escuridão sob as folhas. Até vira um deles, com listras no corpo, marrons, pretas e vermelhas. Pensou que era Bill. Mas, repensou melhor, não era Bill. Era um selvagem cuja imagem não se ajustava ao antigo aspecto de um menino de calça curta e camisa.

A tarde morria; as manchas circulares de sol moviam-se constantemente pelas frondes verdes e cascas marrons, mas nenhum som vinha da Pedra. Afinal, Ralph saiu, arrastando-se de sob as samambaias, e deslizou até a beira daquele impenetrável muro de plantas que defrontava o istmo de terra. Observou com muito cuidado por entre os galhos e pôde ver Robert sentado, de sentinela no cimo do espigão. Tinha uma lança na mão e com a direita jogava uma pedrinha para cima e a pegava no ar. Por trás dele, subiu uma espessa coluna de fumaça. As narinas de Ralph farejaram e sua boca se encheu de água. Esfregou o nariz e a boca com as costas da mão e, pela primeira vez desde a manhã, sentiu fome. A tribo deveria estar sentada em volta do porco destripado, vendo a gordura pingar e queimar entre as cinzas. Deveriam estar concentrados.

Outra figura, irreconhecível, apareceu ao lado de Robert e lhe deu alguma coisa, depois se virou e voltou para trás da pedra. Robert deixou a lança na pedra ao seu lado e começou a mastigar entre as mãos levantadas. Então a festa estava começando e tinham dado uma porção ao sentinela.

Ralph viu que por enquanto estava a salvo. Tomou a direção das árvores frutíferas, levado pelo pensamento daquela fraca refeição, mas amargurado ao se lembrar da festa. Festa hoje, amanhã...