Afinal, começou a examinar o mato. Certamente, ninguém poderia atacá-lo ali. Além disso, tivera um golpe de sorte. A grande rocha que matara Porquinho havia pulado sobre esse mato, ricocheteara ali, bem no centro, formando um espaço chato de quase um metro de diâmetro. Quando Ralph deslizou até ali, sentiu-se seguro e esperto. Sentou-se cuidadosamente entre os caules esmagados e esperou que a caçada passasse. Olhando para cima, entre as folhas, vislumbrou algo vermelho. Deveria ser o cimo do Castelo de Pedra, remoto e sem ameaças. Tranquilizou-se triunfalmente ao ouvir os sons da caçada desaparecendo.
Entretanto, não se ouvia som algum; à medida que os minutos passavam, na sombra verde, seu sentimento de triunfo foi passando.
Afinal, ouviu uma voz, a voz de Jack, apenas um sussurro.
— Tem certeza?
O selvagem a quem se dirigira não disse nada. Talvez tivesse feito um gesto.
Roger falou.
— Se você está nos enganando...
Imediatamente após, soaram um arfar e um grito de dor. Ralph agachou-se instintivamente. Um dos gêmeos estava ali, fora do mato, com Jack e Roger.
— Tem certeza de que ele disse aqui?
O gêmeo arfou baixinho e gritou de novo.
— Ele disse que se esconderia aqui?
— Sim... sim... oh!
A risada cristalina espalhou-se entre as árvores.
Logo, sabiam.
Ralph empunhou a lança e se preparou para a luta. Mas o que poderiam fazer? Levariam uma semana para abrir caminho pelo matagal. E qualquer um que viesse se arrastando por ali estaria indefeso. Experimentou a ponta da lança com o polegar e sorriu sem alegria. Quem tentasse se aproximar seria espetado e ficaria guinchando como um porco.
Estavam se afastando, de volta à torre de pedra. Pôde ouvir os pés se mexendo e, então, alguém rindo. Veio de novo aquele grito alto, parecido com o de um pássaro, que passou por toda a ilha. Então alguns ainda estavam procurando por ele, mas... e os outros?...
Houve um silêncio comprido e ele prendeu a respiração. Ralph descobriu que ficara mordiscando a lança e estava com pedacinhos de madeira na boca. Levantou-se e olhou para o Castelo de Pedra.
Quando olhou, ouviu a voz de Jack, lá de cima.
— Empurrem! Empurrem! Empurrem!
A pedra vermelha que ele podia ver no cimo da escarpa desapareceu como uma cortina e ele pôde ver algumas figuras e o céu azul. Um momento depois, a terra tremeu, houve um ruído de algo que se precipitava no ar e uma mão gigantesca pareceu cobrir o alto do matagal. A rocha ricocheteou, chocando-se e esmagando, na direção da praia, enquanto uma chuva de folhas e ramos partidos caiu nele. Além do matagal, a tribo aplaudia.
Silêncio de novo.
Ralph colocou os dedos na boca e os mordeu. Só havia mais uma pedra lá em cima que aparentemente poderiam empurrar; mas ela era grande como uma casa pequena, como um carro, um tanque. Imaginou sua trajetória provável com agonizante clareza. Ela começaria a cair devagar, batendo de saliência em saliência, e rolaria pelo istmo como um enorme rolo compressor.
— Empurrem! Empurrem! Empurrem!
Ralph largou a lança e depois a pegou. Puxou o cabelo para trás irritadamente, deu dois rápidos passos pelo pequeno espaço e voltou ao lugar primitivo. Ficou olhando para as pontas quebradas dos galhos.
Ainda silêncio.
Percebeu o vaivém do seu diafragma e ficou espantado ao ver como estava respirando depressa. À esquerda do centro, as batidas do seu coração eram visíveis. Largou a lança outra vez.
— Empurrem! Empurrem! Empurrem!
Um viva agudo e prolongado.
Algo bramiu no alto da rocha vermelha, a terra deslocou-se e começou a tremer uniformemente, enquanto o barulho crescia como o mesmo ritmo. Ralph foi lançado ao ar, arrojado para baixo, atirado contra os galhos. À direita, a alguns passos, o matagal inteiro se curvou e as raízes saíram rumorosamente da terra. Viu algo vermelho que girava lentamente como uma roda de moinho. Então a coisa vermelha passou e o avanço formidável diminuiu rumo ao mar.
Ralph ajoelhou-se no solo revolvido e esperou que a terra voltasse ao normal. Afinal, os caules brancos e partidos, os ramos quebrados e o emaranhado do matagal entraram em foco novamente. Havia uma espécie de pesada sensação no seu corpo, onde ele percebera antes seu próprio pulsar.
Silêncio de novo.
Mas não total. Cochichavam lá fora e, de repente, os galhos estremeceram furiosamente em dois lugares à sua direita. A ponta afiada de uma lança apareceu. Em pânico, Ralph enfiou sua própria arma pelo orifício e golpeou com toda a força.
— Aah-ah!
A lança tremeu um pouco nas suas mãos e ele a puxou de volta.
— Oooh-oh!
Alguém gemeu do lado de fora e irrompeu uma confusão de vozes. Uma feroz discussão estava sendo travada e o selvagem ferido continuava se lamentando. Então houve um silêncio e uma voz falou. Ralph percebeu que não era a de Jack.
— Viu? Eu disse, ele é perigoso.
O selvagem ferido gemeu novamente.
E agora? O que viria?
Ralph crispou as mãos em volta da lança mordida e seu cabelo caiu. Alguém estava resmungando, a poucos metros dali, na direção do Castelo de Pedra. Ouviu um selvagem dizer “Não!”, com uma voz chocada; seguiu-se um riso abafado. Ele recuou, de cócoras, e mostrou os dentes para o muro de galhos. Levantou a lança, deu uns roncos e esperou.
O grupo invisível riu de novo. Ouviu um som curioso de algo deslizando, depois um alto crepitar como se alguém estivesse desenrugando grandes folhas de celofane. Um ramo estalou e ele sufocou uma tosse. A fumaça enfiou-se por entre os galhos em rolos brancos e amarelos, a mancha de céu azul sobre sua cabeça ficou da cor de uma nuvem de chuva e logo a fumaça cresceu em torno dele.
Alguém riu excitadamente e uma voz gritou.
— Fumaça!
Abriu caminho pelo matagal rumo à floresta, mantendo-se o mais possível sob a fumaça. Viu um espaço aberto e as folhas verdes do fim do mato cerrado. Um selvagem pequeno estava entre ele e o resto da floresta, um selvagem listrado de branco e vermelho, carregando uma lança. Estava tossindo e borrando a pintura dos olhos com as costas da mão, enquanto tentava ver através da fumaça crescente.
Ralph investiu como um gato, dando estocadas e grunhindo; o selvagem se dobrou em dois. Houve um grito do outro lado do matagal e Ralph começou a correr com a rapidez do medo por entre os arbustos. Chegou a uma trilha de porcos, seguiu-a por uns metros e mudou de direção. Atrás dele, o ulular varreu a ilha outra vez e uma voz isolada gritou três vezes. Adivinhou que era o sinal para avançar e fugiu novamente, até seu peito ficar em fogo. Enfiou-se debaixo de uma grande moita e esperou um momento até a respiração voltar ao normal. Passou a língua lentamente pelos dentes e lábios, ouvindo ao longe o ulular dos perseguidores.
Havia muitas coisas que podia fazer. Podia subir numa árvore, mas isso seria arriscar tudo, numa só cartada. Se fosse descoberto, só precisariam esperar um pouco.
Se tivesse tempo de pensar!