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Outro grito duplo a mesma distância deu-lhe uma ideia do plano deles. Qualquer selvagem detido na floresta lançaria esse grito duplo, imobilizando a linha até ficar livre de novo. Desse jeito, esperavam manter o cordão intacto através da ilha. Ralph pensou no javali que passara por eles com tanta facilidade. Se necessário, quando a perseguição chegasse muito perto, ele investiria contra o cordão, enquanto este ainda estivesse fraco, romperia o cerco e fugiria. Mas para onde? O cordão viraria e iria atrás dele outra vez. Mais cedo ou mais tarde, teria de comer ou dormir e então seria desperto por mãos o agarrando, e a caçada se converteria em morte.

O que poderia fazer então? A árvore? Romper o cerco como um javali? De qualquer modo, a escolha era terrível.

Um grito isolado apressou sua pulsação e, pondo-se de pé, correu para o lado do oceano e para a floresta cerrada até ser detido pelas trepadeiras. Ficou ali um momento, com os calcanhares latejantes. Se pelo menos tivesse um pouco de paz, uma pausa longa, tempo para pensar!

E outra vez, agudo e inevitável, o grito ululante cruzou a ilha. Ralph levantou bruscamente a cabeça entre as trepadeiras, como um cavalo, e correu novamente até ficar ofegante. Enfiou-se sob umas samambaias. A árvore ou a carga? Reteve a respiração por um instante, esfregou a boca e recomendou calma a si próprio. Sameeric estavam em alguma parte daquela linha e odiando isso. Ou não? E se, em vez deles, encontrasse o chefe ou Roger, que tinha a morte nas mãos?

Ralph puxou o cabelo revolto para trás, enxugou o suor que caía no seu olho melhor. Falou alto.

— Pense.

Qual seria a coisa mais razoável a fazer?

Não havia Porquinho para falar em nome da razão. Não havia uma reunião solene para se debater, nem a dignidade da concha.

— Pense.

E mais: começava a temer a cortina que poderia bloquear sua mente, tirar o sentido do perigo, transformando-o num débil mental.

Uma terceira ideia seria esconder-se tão bem que a linha dos perseguidores passasse sem o descobrir.

Levantou a cabeça rapidamente e escutou. Havia outro barulho para chamar sua atenção agora — um ronco profundo como se a própria floresta estivesse furiosa com ele, um ruído sombrio onde os gritos ululantes se inscreviam nitidamente como numa lousa. Sabia que o ouvira antes, em alguma parte, mas não tinha tempo de se lembrar.

Romper a linha.

A árvore.

Esconder-se e deixá-los passar.

Levantou-se ao soar um grito próximo e imediatamente após estava correndo de novo, enfiando-se rapidamente entre espinheiros e arbustos. De repente, viu-se ao ar livre, percebeu que estava novamente naquela clareira — lá estava o abissal sorriso da caveira, não mais ridicularizando uma mancha de profundo céu azul, mas escarnecendo de um lençol de fumaça. Depois, Ralph correu por entre árvores, resolvido o mistério do ronco da floresta. Haviam-no feito sair com a fumaça e acabaram pondo fogo na ilha.

Esconder-se era melhor que subir em uma árvore, porque teria a chance de romper o cerco caso fosse descoberto.

Esconder-se, então.

Imaginou se o porco concordaria e fez uma careta para o nada. Descobrir o matagal mais cerrado, a cova mais escura da ilha e ficar lá. Agora, ao correr, olhava em torno de si. Listras e gotas de luz solar adejavam sobre ele e o suor traçava faixas brilhantes no seu corpo sujo. Os gritos estavam longe agora, bem fracos.

Afinal, descobriu o que parecia ser o lugar ideal, embora a decisão fosse desesperada. Ali, os arbustos e uma selvagem rede de trepadeiras faziam uma espécie de esteira que não deixava passar a luz do sol. Além, havia um espaço, talvez de uns trinta centímetros de altura, embora atravessado por caules verticais e paralelos. Se conseguisse chegar à metade daquele espaço, ficaria a uns cinco metros da borda, bem escondido, a não ser que um dos selvagens viesse rastejando para buscá-lo; mesmo então, estaria no escuro — e se o pior acontecesse e fosse descoberto, então ainda teria uma oportunidade de se lançar sobre ele, pegar a linha desprevenida e passar para o outro lado.

Cuidadosamente, com a lança arrastando-se atrás dele, Ralph enfiou-se por entre os caules verticais. Quando chegou ao meio do esconderijo, deitou-se e prestou atenção.

O fogo era grande e o ronco que ele pensara ter deixado tão longe, para trás, estava perto. O fogo poderia correr mais rápido que um cavalo a galope? Podia ver o chão manchado de sol numa área de talvez cinquenta metros de onde estava. Enquanto olhava, a luz de cada mancha piscava para ele. Era tão parecido com a cortina que se abria e fechava no seu cérebro que, por um momento, pensou que tinha acontecido de novo. Mas então as manchas piscaram mais rapidamente, empalideceram e se apagaram. Ralph viu que uma pesada nuvem de fumaça estava entre a ilha e o sol.

Se alguém espiasse sob os arbustos e visse por acaso uma carne humana — seu corpo — poderia ser Sameeric e eles fingiriam não ver e nada diriam. Colou a face contra a terra cor de chocolate, passou a língua nos lábios secos e fechou os olhos. Sob o mato, a terra vibrava bem de leve, ou talvez fosse um som que jazia sob o trovejar do fogo e o ondulante ulular, muito baixo para ser ouvido.

Alguém gritou. Ralph levantou o rosto da terra e olhou na luz opaca. Agora deveriam estar perto, pensou, e seu peito começou a saltar. Esconder-se, romper a linha, subir numa árvore — afinal, o que seria melhor? O problema é que só teria uma chance.

Agora, o fogo estava mais próximo. Aquelas salvas eram grandes galhos, até troncos, estalando. Os idiotas! Os idiotas! O fogo deveria estar quase nas árvores frutíferas — o que iriam comer amanhã?

Ralph agitou-se inquieto no seu leito estreito. Não arriscava nada! O que poderiam fazer? Bater nele? E daí? Matá-lo? Uma vara afiada nas duas pontas.

Os gritos, subitamente mais próximos: e ele se levantou, rápido. Pôde ver um selvagem listrado que saía apressadamente de um emaranhado verde, vindo na direção do lugar em que ele se escondia. Um selvagem que carregava um lança. Ralph enfiou os dedos dos pés na terra. Tinha que estar pronto, caso precisasse.

Ralph tateou a lança para pegá-la com a ponta voltada para fora. Agora viu que a sua lança era afiada nas duas pontas.

O selvagem parou a uns 15 metros e soltou o grito.

Talvez ele possa ouvir meu coração por sobre os barulhos do fogo. Não grite. Fique alerta.

O selvagem adiantou-se a ponto de só poder vê-lo da cintura para baixo. O cabo da lança. Agora, só do joelho para baixo. Não grite.

Uma vara de porcos apareceu guinchando do matagal atrás do selvagem e correu para a floresta. Pássaros gritavam, ratos guinchavam e uma pequena coisa que andava aos saltos veio para baixo dos arbustos e se escondeu ali.

A cinco metros, o selvagem parou, de pé junto aos arbustos, e gritou. Ralph encolheu os pés e se agachou. A lança estava nas suas mãos, a vara afiada nas duas pontas, a vara que vibrava tanto, que era comprida, curta, leve, pesada, leve outra vez.

O ulular espalhou-se de praia a praia. O selvagem ajoelhou-se à beira do matagal e havia luzes faiscando na floresta atrás dele. Podia-se ver um joelho apoiado no chão. O outro. Duas mãos. Uma lança.

Um rosto.

O selvagem espiou para dentro da escuridão por baixo do mato. Podia ver luz num dos lados, no outro, mas não no meio — ali no meio havia uma bolha de escuridão e o selvagem franziu a cara, tentando decifrar as trevas.

Os segundos alongavam-se. Ralph olhou direto para os olhos do selvagem.