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Não grite.

Você vai voltar.

Agora ele viu você, só está querendo ter certeza. Uma vara afiada.

Ralph gritou, um grito de medo, fúria e desespero. Suas pernas se esticaram, os gritos tornaram-se contínuos e espumantes de ódio. Lançou-se para a frente, pelo matagal, surgiu na clareira gritando, uivando, sangrando. Atirou a lança e o selvagem caiu. Desviou-se, enquanto uma lança errava o alvo e daí veio o silêncio, enquanto corria. Imediatamente, as luzes que faiscavam à frente dele fundiram-se, o rugido da floresta cresceu num trovão e um alto arbusto bem no seu caminho queimou numa imensa chama em forma de leque. Virou para a direita, correndo desesperadamente depressa, com o coração batendo no seu lado esquerdo e o fogo correndo para a frente como uma maré. O ulular cresceu por trás dele e se espalhou, uma série de gritos curtos e agudos, o chamado de aviso. Uma figura bronzeada apareceu à sua direita e caiu. Estavam todos correndo, gritando loucamente. Pôde ouvi-los caindo no mato e, à esquerda, havia o trovejar quente e brilhante do fogo. Esqueceu suas feridas, sua fome e sede e se tomou de medo; medo sem esperança, de pés que voavam, correndo pela floresta para a praia aberta. Ante seus olhos saltaram manchas que se transformaram em círculos vermelhos que se dilataram rapidamente até se perderem de vista. Suas pernas, sim, eram suas pernas que estavam ficando cansadas e o ulular desesperado progredia como uma franja dentada de ameaça, quase em cima dele.

Tropeçou numa raiz e o grito que o perseguia ficou mais alto ainda. Viu uma cabana arder em chamas e o fogo adejar sobre seu ombro direito. Mas ali estava o brilho da água. Então caiu, rolou e rolou na areia quente, encolhido e com um braço levantado para se proteger, tentando gritar, num pedido de misericórdia.

Ficou de pé, preparado para mais terrores e olhou para um grande quépi. Era um quépi de copa branca e sobre a sombra verde da viseira havia uma coroa, uma âncora, folhas douradas. Viu um pano branco, dragonas, um revólver, uma fileira de botões brilhantes de um uniforme.

Um oficial naval estava de pé na areia, olhando para baixo, para Ralph, num espanto cauteloso. Na praia, por trás dele, havia um escaler com os remos levantados, nas mãos de dois marinheiros. No banco traseiro, outro marinheiro segurava uma metralhadora.

O ulular vacilou e sumiu.

O oficial olhou hesitante para Ralph, depois tirou a mão da coronha do revólver.

— Olá.

Tremendo um pouco, consciente da sua aparência desagradável, Ralph respondeu timidamente.

— Olá.

O oficial fez um gesto de assentimento, como se ele houvesse respondido a uma pergunta.

— Há alguns adultos... algum adulto com você?

Ralph sacudiu silenciosamente a cabeça. Deu uma meia-volta na areia. Um semicírculo de meninos, com os corpos listrados de argila colorida, paus afiados nas mãos, estava ali na praia, bem quietos.

— Vocês estão se divertindo à beça — disse o oficial.

O fogo chegou nos coqueiros junto à praia e os devorou ruidosamente. Uma chama, aparentemente isolada, torceu-se como um acrobata e lambeu as frondes das palmeiras na plataforma. O céu estava negro.

O oficial sorriu alegremente para Ralph.

— Vimos sua fumaça. O que estavam fazendo? Uma guerra ou algo assim?

Ralph assentiu.

O oficial examinou o pequeno espantalho à sua frente. O menino precisava de um banho, de um corte de cabelo, de uma assoada de nariz e de uma boa quantidade de unguento.

— Ninguém morreu, espero. Há algum cadáver?

— Só dois. E sumiram.

O oficial inclinou-se para baixo e olhou bem de perto para Ralph.

— Dois? Assassinados?

Ralph concordou com um gesto. Atrás dele, toda a ilha estremecia em chamas. O oficial sabia, por ofício, quando as pessoas falavam a verdade. Assobiou baixinho.

Outros meninos apareceram, alguns deles muito pequenos, bronzeados, com as barrigas protuberantes de pequenos selvagens. Um deles chegou perto do oficial e olhou para cima.

— Eu sou, eu sou...

Mas não houve nada mais. Percival Wemys Madison procurou na sua mente um encantamento que se apagara totalmente.

O oficial virou-se para Ralph.

— Vamos levar vocês. Quantos são?

Ralph sacudiu a cabeça. O oficial olhou, além dele, para o grupo de meninos pintados.

— Quem é o chefe aqui?

— Eu — disse Ralph, em voz alta.

Um menino que usava os restos de um extraordinário boné preto no cabelo ruivo e carregava o que sobrara de um par de óculos no pulso, adiantou-se, depois mudou de ideia e ficou quieto.

— Vimos sua fumaça. E você não sabe quantos são?

— Não.

— Eu imaginava... — começou o oficial enquanto pensava na busca que iria ser necessária. — Eu imaginava que um grupo de meninos britânicos... vocês são britânicos, não é?... seria capaz de apresentar um espetáculo melhor que esse... quero dizer...

— No começo foi tudo bem — disse Ralph —, antes que as coisas...

Parou.

— Estávamos reunidos então...

O oficial concordava, animando-o.

— Eu sei. Uma coisa e tanto. Como a Ilha de Coral.

Ralph olhou-o em silêncio. Por um instante, vislumbrou uma imagem fugaz do estranho encanto que outrora dominara as praias. Mas a ilha estava carbonizada como lenha usada... Simon morrera... e Jack havia... As lágrimas começaram a correr-lhe pelas faces e soluços sacudiram-no. Pela primeira vez, desde que chegara à ilha, entregou-se ao choro; grandes e convulsivos espasmos de tristeza pareciam torcer todo o seu corpo. Sua voz elevou-se sob a fumaça negra diante dos restos incendiados da ilha; contagiados por aquela emoção, os outros meninos começaram a tremer e a soluçar. No meio deles, com o corpo sujo, cabelo emaranhado e nariz escorrendo, Ralph chorou pelo fim da inocência, pela escuridão do coração humano e pela queda no ar do verdadeiro e sábio amigo chamado Porquinho.

O oficial, cercado por todo esse ruído, ficou emocionado e um pouco embaraçado. Virou-se para dar tempo a que se recuperassem. Esperou, deixando os olhos fixos no garboso cruzador a distância.

Sobre o autor

William Gerald Golding nasceu em 1911, na Inglaterra. Em 1935, após publicar um volume de poemas, gradua-se em literatura inglesa na Universidade de Oxford. Além de escritor, trabalhou como professor e dramaturgo.

Ingressa na Marinha inglesa em 1940. Durante a Segunda Guerra Mundial, participa da ofensiva que persegue e afunda o navio alemão Bismarck e do desembarque das tropas aliadas na Normandia em 1944. Depois da guerra, volta a lecionar. Seu romance de estreia foi O senhor das moscas, publicado em 1954. Na sequência, viriam Os herdeiros (1955) e Queda livre (1959), entre outros títulos.

Em 1980, recebe o Booker Prize pelo livro Ritos de passagem. Em 1983, é agraciado com o Prêmio Nobel de literatura. Cinco anos depois, é intitulado cavaleiro do Império Britânico. Golding morreu em 1993, deixando um romance inacabado.