— Isso é exploração de verdade — disse Jack. — Aposto que ninguém esteve aqui antes.
— Deveríamos desenhar um mapa — disse Ralph —, só que não temos papel.
— Podíamos fazer marcas nas cascas de árvores — disse Simon —, e passar alguma coisa escura nelas.
Retornava a solene comunhão de olhos brilhantes na sombra.
— Bárbaro!
— Magnífico!
Não havia lugar para plantar bananeira. Desta vez, Ralph exprimiu a intensidade da sua emoção fingindo querer derrubar Simon; logo, formavam um amontoado feliz e palpitante na semiescuridão.
Quando se separaram, Ralph falou primeiro.
— Precisamos ir.
O granito rosado do próximo espigão estava mais longe das trepadeiras e árvores, de modo que puderam correr trilha acima. E a trilha levou a uma outra floresta aberta, o que permitiu que vissem o mar. Com a clareira, veio o sol; secou o suor que empapara as roupas no calor escuro e úmido. Pelo menos, o caminho para cima parecia um amontoado de rochas rosadas, sem novos mergulhos nas sombras. Os meninos avançaram através de desfiladeiros e matacões de pedras afiadas.
— Olhem! Olhem!
Neste cimo da ilha, as rochas espalhadas erguiam-se em espigões e chaminés. Aquela em que Jack se encostara mexeu-se com um som rascante, quando empurraram.
— Vamos...
Mas desta vez o “vamos” não era para continuar: a subida ao cume podia esperar. Agora os três meninos aceitavam um desafio: a rocha, tão grande quanto um automóvel pequeno.
— Agora!
Para a frente e para trás, para a frente, para trás, ir e voltar contra o ponto de equilíbrio máximo, para a frente, para trás, para a frente, para trás...
— Agora!
A grande rocha vacilou, oscilou como que na ponta dos pés, decidiu não voltar, moveu-se pelo ar, caiu, arrebentou-se, virou, saltou louca no ar e cavou um profundo buraco na abóbada da floresta. Ecos e pássaros voaram, a poeira branca e rosa flutuou, a floresta lá embaixo tremeu como que à passagem de um monstro enraivecido. E daí voltou a tranquilidade à ilha.
— Puxa vida!
— Como uma bomba!
— Uuuuaaaau!
Levaram uns cinco minutos até poder esquecer esse triunfo. Mas prosseguiram, afinal.
O caminho para o cimo era fácil depois disso. Ao alcançarem a última parte, Ralph parou.
— Nossa!
— Estavam no limite de uma depressão semelhante a um anfiteatro ou semianfiteatro, do lado da montanha. Esse anfiteatro estava cheio de uma flor azul, uma planta rochosa de alguma espécie; as flores escalavam rocha abaixo e espalhavam-se abundantemente por entre as copas da floresta. O ar estava coalhado de borboletas alçando voo, flutuando, descendo.
Além do anfiteatro, ficava o cimo quadrado da montanha e logo chegaram ali.
Haviam adivinhado antes que era uma ilha; enquanto avançavam por entre as rochas rosadas, com o mar de um lado ou de outro, sob as alturas cristalinas do ar, souberam instintivamente que o mar estava por todos os lados. Mas parecia que algo lhes dizia da conveniência de deixar a última palavra para quando chegassem ao cimo: e dali, agora, podiam ver um horizonte circular de água.
Ralph virou-se para os outros.
— Tudo isso é nosso.
Tinha a forma aproximada de um barco: uma saliência perto desta ponta; por trás deles havia a acidentada descida até a praia. Dos lados, rochedos, espigões, frondes de árvores e uma encosta íngreme: para diante, no corpo do barco, uma descida mais suave, coberta de árvores, com manchas cor-de-rosa: e, então, a selva plana da ilha, um verde denso, terminando numa cauda cor-de-rosa. Ali, onde a ilha penetrava água adentro, havia outra ilha: uma rocha, quase isolada, situada como um forte, defrontava-os através do verde com um bastião escarpado e rosado.
Os meninos examinaram tudo isso, depois olharam mar adentro. Estavam bem no alto e a tarde avançava; a visão não se turvava com nenhuma miragem.
— É um recife. Um recife de coral. Já vi fotos iguais.
O recife rodeava mais de um lado da ilha, ficando talvez a uns dois quilômetros, paralelo ao que agora consideravam a sua praia. O coral irrompia do oceano como um gigante que se abaixasse para reproduzir a forma da ilha numa vacilante linha de giz, cansando-se antes de acabar. Dentro, a água tinha cor de pavão, rochas e algas surgiam como num aquário; além, o azul escuro do mar. A maré baixava e compridas esteiras de espuma apareciam a partir do recife; por um instante, eles imaginaram que o barco se movia firmemente, de popa.
Jack apontou para baixo.
— Foi ali que aterrissamos.
Além dos desfiladeiros e escarpas, havia uma cicatriz visível nas árvores; ali estavam os troncos destroçados e, depois, a abertura; só ficara uma franja de palmeiras entre o vazio e o mar. Ali, também, salientando-se na lagoa, a plataforma, por onde se moviam figuras parecidas com insetos.
Ralph esboçou uma linha torcida desde a altura em que estavam, percorrendo a encosta, uma picada através de flores, que ziguezagueava e ia até lá embaixo, à rocha que marcava o começo da subida.
— Esse é o caminho de volta mais rápido.
Com os olhos brilhantes, as bocas abertas, triunfantes, saboreavam o direito de domínio. Estavam animadíssimos: eram amigos.
— Não há fumaça de aldeias, nem barcos — disse Ralph com seriedade. — Teremos certeza depois, mas acho que a ilha é desabitada.
— Arranjaremos comida — gritou Jack. — Caçaremos. Pegaremos coisas... até que venham nos buscar.
Simon olhou para os dois, sem dizer nada, mas balançando a cabeça, até que seu cabelo preto voasse para trás e para a frente. Seu rosto brilhava.
Ralph olhou para o outro lado, onde não havia recifes.
— É mais íngreme — disse Jack.
Ralph fez um gesto, com as mãos juntas.
— Essa parte da floresta aí embaixo... a montanha é que a segura.
Todas as saliências da montanha tinham árvores — flores e árvores. Agora, a floresta se agitava, rugia, sacudia. As extensões mais próximas das flores rochosas estremeceram e, por meio minuto, a brisa soprou fria nas suas faces.
Ralph abriu os braços.
— Tudo nosso.
Riram, brincaram e gritaram na montanha.
— Estou com fome.
Quando Simon mencionou sua fome, os outros perceberam que também estavam famintos.
— Vamos — disse Ralph. — Já descobrimos o que queríamos saber.
Desceram por uma encosta rochosa, enfiaram-se por entre as flores e avançaram sob as árvores. Então, pararam, para examinar com curiosidade os arbustos ao redor.
Simon falou primeiro.
— Parecem velas. Moitas de velas. Flores de velas.
Os arbustos eram verdes, bem escuros e cheirosos. Muitos dos botões eram de um verde lustroso e se dobravam sob a luz. Jack cortou um com sua faca e o cheiro se espalhou sobre eles.
— Flores de velas.
— Você não pode acendê-las — disse Ralph. — Só parecem velas.
— Velas verdes — disse Jack desdenhosamente —, não podemos comê-las. Vamos.
Estavam no começo da floresta densa, arrastando os pés cansados por uma trilha, quando ouviram o barulho — guinchos — e o pesado golpear de cascos no chão. À medida que avançavam, os guinchos aumentavam até se tornarem um frenesi. Descobriram um leitãozinho preso numa cortina de cipós, arremetendo contra as lianas elásticas com toda a loucura do terror extremo. Os sons que emitia eram agudos, estridentes, insistentes. Os três meninos correram adiante e Jack tirou outra vez sua faca com um floreio. Levantou o braço. Uma pausa, um hiato, o leitão continuou a gritar e os cipós a se mexer. A lâmina continuou a brilhar no fim de um braço ossudo. A pausa só foi suficientemente longa para que eles compreendessem que enormidade seria o golpe para baixo. Então, o leitão conseguiu escapar dos cipós e desapareceu no mato. Eles ficaram se entreolhando e observando o lugar do terror. O rosto de Jack estava branco sob as sardas. Percebeu que ainda estava com a lâmina pronta e baixou o braço, recolocando a faca na bainha. Então, os três riram, cheios de vergonha, e começaram a voltar para a trilha.