— Eu estava escolhendo um lugar — disse Jack. — Só estava esperando um momento para decidir onde pegar o bicho.
— O porco tem de ser furado — disse Ralph ferozmente. — Sempre falam em furar o porco.
— Tem de se cortar o pescoço do porco para o sangue escorrer — disse Jack —, senão a carne não pode ser comida.
— Por que você não...?
Sabiam muito bem por que não: devido à enormidade da faca descendo e cortando carne viva; devido ao sangue insuportável.
— Eu ia — disse Jack. Estava à frente deles e não se podia ver seu rosto. — Estava escolhendo um lugar. Da próxima vez...
Tirou a faca da bainha e golpeou um tronco de árvore. Da próxima vez, não haveria mercê. Olhou em volta altivamente, desafiando-os a contradizê-lo. Então, saíram para a luz do sol e, por um instante, ocuparam-se em achar e devorar comida, enquanto desciam a escarpa até a plataforma onde os esperava o grupo.
2
Fogo na montanha
Quando Ralph acabou de tocar a concha, a plataforma ficou cheia. Havia diferenças entre esta reunião e a da manhã. O sol da tarde caía obliquamente do outro lado da plataforma e a maioria dos meninos, sentindo tarde demais o ardor das queimaduras de sol, voltara a vestir as roupas. O coro, sensivelmente menos organizado como grupo, já tirara as túnicas.
Ralph sentou-se num tronco caído, ficando o sol à sua esquerda. À direita, a maior parte do coro; à esquerda, os meninos maiores que não se conheciam antes da evacuação; à sua frente, meninos pequenos acocorados na grama.
Silêncio agora. Ralph levantou a concha creme e rosada até os joelhos e uma brisa súbita lançou luz por toda a plataforma. Ele hesitava entre ficar de pé ou continuar sentado. Olhou de lado, para a esquerda, para a “piscina”. Porquinho estava sentado, mas não oferecia ajuda.
Ralph limpou a garganta.
— Bom, então...
Imediatamente descobriu que podia falar fluentemente e explicar o que tinha a dizer. Passou uma das mãos nos cabelos louros e falou.
— Estamos numa ilha. Estivemos no cume da montanha e vimos só água em volta. Não vimos casas, fumaça, pegadas, botes, nem gente. Estamos numa ilha desabitada, sem ninguém mais.
Jack interrompeu.
— Mas, de qualquer forma, você precisa de um exército para caçar. Caçar porcos...
— Sim. Há porcos na ilha.
Os três tentavam comunicar aos outros o sentido da coisa viva e cor-de-rosa que lutava entre os cipós.
— Nós vimos...
— Guinchando...
— Fugiu...
— Antes de poder matá-lo... mas... da próxima vez!
Jack cravou a faca num tronco e olhou desafiadoramente em volta.
A reunião voltou ao normal.
— Como vocês veem — disse Ralph —, precisaremos de caçadores que nos tragam carne. E outra coisa.
Levantou a concha dos joelhos e olhou em volta, para as caras castigadas pelo sol.
— Não há adultos. Vamos ter de cuidar de nós.
O grupo murmurou algo, mas logo se calou.
— Uma coisa mais. Não é possível todo mundo falar ao mesmo tempo. Vai ser preciso levantar a mão, como na escola.
Levou a concha à altura do rosto e olhou em volta.
— Então eu passarei a concha para quem quiser falar.
— Concha?
— É assim que se chama isto. Eu darei a concha para a pessoa que irá falar em seguida. Ela poderá segurar a concha enquanto falar.
— Mas...
— Veja...
— E ela não será interrompida. A não ser por mim.
Jack estava de pé.
— Vamos ter regras! — gritou, excitado. — Muitas regras! E quando qualquer um não as respeitar...
— Uuuu-piii!
— Uuuaau!
— Puuum!
— Taaam!
Ralph sentiu que tiravam a concha do seu colo. Porquinho, de pé, ficou segurando a grande concha creme e a gritaria morreu. Jack, ainda de pé, olhou hesitante para Ralph que sorriu e deu umas palmadinhas no tronco. Jack sentou-se. Porquinho tirou os óculos e piscou para o grupo, enquanto esfregava as lentes na camisa.
— Vocês interromperam Ralph. Não o deixaram falar da coisa mais importante.
Fez uma pausa dramática.
— Quem sabe onde estamos? Hein?
— Sabiam no aeroporto.
— O homem com a corneta...
— Meu pai.
Porquinho pôs os óculos.
— Ninguém sabe onde estamos — disse Porquinho. Estava mais pálido do que antes e sem fôlego. — Talvez soubessem para onde iríamos, talvez não. Mas não sabem onde estamos, pois nunca chegamos aonde íamos. — Olhou-os por um instante, enquanto ganhava fôlego, depois balançou-se e sentou. Ralph pegou a concha das suas mãos.
— Isto é o que eu iria dizer — continuou —, quando vocês todos, vocês... — Olhou para os rostos atentos. — O avião caiu em chamas. Ninguém sabe onde estamos. Poderemos ficar aqui muito tempo ainda.
O silêncio era total, a ponto de poderem ouvir a respiração entrecortada de Porquinho. O sol, com seus raios oblíquos, espalhava ouro por metade da plataforma. A brisa que, na lagoa, parecia seguir docilmente os passos dos meninos, cruzava agora a plataforma e internava-se floresta adentro. Ralph puxou para trás a mecha de cabelo louro que caíra na testa.
— Pois é, poderemos ficar aqui muito tempo.
Ninguém disse nada. Ele, de repente, deu um sorriso.
— Mas é uma boa ilha. Nós, Jack, Simon e eu, subimos a montanha. É incrível. Tem comida e bebida e...
— Rochas...
— Flores azuis...
Porquinho, já recuperado em parte, apontou para a concha nas mãos de Ralph; Jack e Simon ficaram quietos. Ralph continuou.
— Enquanto esperamos, podemo-nos divertir nesta ilha.
Fez gestos largos.
— É como num livro.
Imediatamente houve um clamor.
— A Ilha do Tesouro...
— Ao longo do Amazonas...
— A Ilha de Coral...
Ralph sacudiu a concha.
— Esta é nossa ilha. É uma boa ilha. Até os adultos chegarem para nos buscar, vamo-nos divertir.