Jack esticou a mão para a concha.
— Há porcos — disse ele. — Temos comida e água para tomar banho naquele riacho ali... e tudo. Ninguém achou mais nada?
Devolveu a concha a Ralph e se sentou. Aparentemente, ninguém achara nada.
Os meninos maiores só notaram o garoto quando ele começou a resistir: um grupo de meninos pequenos insistia para que ele avançasse, mas ele não queria ir. Era um menininho pequeno, com uns seis anos e, num dos lados do rosto, tinha um sinal de nascença cor de amora. Levantou-se, mas perdeu o equilíbrio: estava ofuscado com a súbita notoriedade. Enfiou um dedão na grama dura. Balbuciava, à beira do choro.
Os outros menininhos, cochichando, mas sérios, empurraram-no até Ralph.
— Muito bem — disse Ralph —, venha cá.
O garoto olhou em volta, aterrorizado.
— Fale!
O menino estendeu as mãos para a concha e o grupo explodiu numa risada; imediatamente, ele abaixou as mãos e começou a chorar.
— Deixem-no pegar a concha! — gritou Porquinho. — Deixem-no pegar!
Afinal, Ralph convenceu-o a pegar a concha, mas daí as gargalhadas haviam levado a voz do garoto. Porquinho ajoelhou-se ao lado dele, uma das mãos na grande concha, ouvindo e transmitindo para os outros.
— Ele quer saber o que vamos fazer com a coisa-serpente.
Ralph riu e os outros riram com ele. O menino retorceu-se, ficando mais tímido.
— Conte-nos sobre a coisa-serpente.
— Agora ele diz que era um bicho.
— Bicho?
— Uma coisa-serpente. Muito grande. Ele viu.
— Onde?
— No mato.
As brisas errantes ou talvez o sol declinando espalharam um sopro frio sob as árvores. Os meninos sentiram-no e se agitaram.
— Não pode haver um bicho, uma coisa-serpente, numa ilha deste tamanho — explicou Ralph, gentilmente. — Só há coisas assim em lugares grandes como a África ou a Índia.
Um murmúrio. E graves cabeças afirmando.
— Ele diz que o bicho veio no escuro.
— Então ele não pôde vê-lo!
Risos e gritos.
— Ouviram só? Ele disse que viu a coisa... no escuro!
— Ele ainda diz que viu o bicho. Ele veio e foi embora, voltou e queria comê-lo...
— Estava sonhando...
Rindo, Ralph buscou um apoio no círculo de rostos. Os meninos maiores concordaram; mas, aqui e ali, entre os meninos menores, havia dúvidas que precisavam de mais que garantias racionais.
— Deve ter tido um pesadelo. Metido entre todas essas plantas.
Novos gestos graves de afirmação; eles conheciam pesadelos.
— Ele diz que viu o bicho, a coisa-serpente, e que ele voltará hoje à noite!
— Mas não existe esse bicho!
Não houve risadas dessa vez, apenas olhares graves.
Ralph passou as duas mãos no cabelo e olhou para o menino, num misto de diversão e exasperação.
Jack pegou a concha.
— Ralph tem razão, claro. Não existe uma coisa-serpente. Mas se houver uma cobra, nós a caçaremos e mataremos. Vamos caçar porcos e trazer carne para todo mundo. E procuraremos a serpente também...
— Mas não existe a serpente?
— Teremos certeza quando formos caçar.
Ralph estava chateado e, nesse instante, derrotado. Sentiu-se ante algo inacessível. Os olhos que o fixavam atentamente não mostravam humor.
— Mas não existe esse bicho!
Algo desconhecido tomava-o e o levava a repetir sempre, bem alto.
— Mas não existe esse bicho!
A assembleia silenciou.
Ralph levantou a concha outra vez e seu bom humor voltou, enquanto pensava no que dizer em seguida.
— Agora, chegamos ao mais importante. Estive pensando. Pensei enquanto subíamos a montanha. — Disparou um sorriso conspiratório para os outros dois. — E na praia, agorinha mesmo. Foi isso o que eu pensei: queremos nos divertir. E queremos ser salvos.
O apaixonado ruído de concordância vindo dos outros atingiu-o como uma onda e ele perdeu o fio. Pensou de novo.
— Queremos ser salvos; e, sem dúvida, seremos salvos.
Vozes se misturaram. A simples afirmativa, despida de qualquer prova, além do peso da nova autoridade de Ralph, trouxe luz e felicidade. Ele teve de sacudir a concha antes de poder ser ouvido de novo.
— Meu pai é da Marinha. Ele disse que não há mais ilhas desconhecidas. Disse que a rainha tem uma sala grande cheia de mapas e todas as ilhas do mundo estão situadas ali. Logo, a rainha tem um mapa daqui.
Novamente voltaram os sons de alegria e de melhor disposição.
— E mais cedo ou mais tarde um navio chegará aqui. Pode ser até o navio do meu pai. Como vocês veem, cedo ou tarde, seremos salvos.
Fez uma pausa, tendo dito o que queria. O grupo orientara-se para a segurança através das suas palavras. Gostavam dele e agora o respeitavam. Espontaneamente, começaram a bater palmas e logo a plataforma estava tomada por aplausos. Ralph corou, olhando de lado para a franca admiração de Porquinho, depois para o outro lado, para Jack que sorria afetadamente e mostrava que também sabia aplaudir.
Ralph sacudiu a concha.
— Calem-se! Esperem! Ouçam!
Falou, no silêncio imediato que se fez, apoiado no próprio triunfo.
— Há outra coisa. Podemos ajudar aos que nos procurarem. Se um navio chegar perto da ilha, poderá não nos perceber. Precisamos fazer um sinal de fumaça no cimo da montanha. Precisamos fazer uma fogueira.
— Uma fogueira! Fazer uma fogueira!
Logo, metade dos meninos estava de pé. Jack gritava no meio deles, esquecido da concha.
— Vamos! Sigam-me!
O espaço sob as palmeiras enchia-se de barulho e movimento. Ralph também estava de pé, pedindo silêncio aos gritos, mas ninguém o ouvia. Imediatamente, o grupo dirigiu-se para a ilha e sumiu, seguindo Jack. Até os menores foram e seguiam o melhor possível entre as folhas e troncos partidos. Ralph ficara, segurando a concha, sozinho com Porquinho.
Porquinho já recuperara o fôlego.
— Como crianças! — disse, com desprezo. — Agiram como um bando de crianças!
Ralph olhou-o, hesitante, e largou a concha no tronco da árvore.
— Aposto que já é hora do chá — disse Porquinho. — Que pensam fazer naquela montanha?
Acariciava respeitosamente a concha, mas parou e olhou para cima.
— Ralph! Ei! Aonde vai?
Ralph já estava trepando pelas primeiras filas de galhos quebrados da escarpa. Bem à frente dele havia o som de coisas quebrando e risos.
Porquinho olhou-o, com desgosto.
— Como um bando de crianças...
Suspirou, inclinou-se e amarrou os sapatos. O barulho do grupo errante desapareceu montanha acima. Então, com a expressão martirizada de um pai que tem de suportar a insensata atividade dos filhos, Porquinho pegou a concha, virou-se para a floresta e começou a avançar pela escarpa pedregosa.
Além do outro lado do cimo da montanha havia uma plataforma de floresta. Mais uma vez, Ralph juntou as duas mãos em forma de concha.