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Mesaana aquiesceu.

— Então só sobra o que quer que esteja soterrado em antigas ruínas ou esquecido em algum sótão. Se querem contar com a sorte de encontrar alguma coisa, vão em frente. Eu não vou. A não ser que alguém saiba a localização de uma caixa de estase? — Havia certa aspereza na pergunta. Era possível que as caixas de estase tivessem sobrevivido à Ruptura do Mundo, mas, depois de todos os abalos, decerto estariam no fundo de algum oceano ou nas profundezas das montanhas. Restava muito pouco do mundo que tinham conhecido, além de alguns nomes e lendas.

O sorriso de Graendal era só doçura.

— Sempre achei que você devia ser professora. Ah. Desculpe. Esqueci.

O rosto de Mesaana assumiu uma expressão sombria. Sua trajetória até o Grande Senhor começara quando, todos aqueles anos antes, lhe fora negado um lugar em Collam Daan. Haviam-na declarado inadequada para a pesquisa, porém disseram que ainda poderia ensinar. Bem, e ela ensinara — até que descobriu como dar uma lição nos que a haviam desprezado!

— Ainda estou esperando para ouvir o que o Grande Senhor disse — murmurou Semirhage.

— Sim. Vamos matar al’Thor? — Mesaana percebeu que agarrava a saia com as duas mãos, então a soltou. Estranho. Nunca se deixava provocar. — Se tudo correr bem, em dois meses, no máximo três, ele estará em um lugar onde eu possa alcançá-lo sem problemas, além de indefeso.

— Onde é que você pode alcançá-lo sem problemas? — Graendal arqueou uma sobrancelha, intrigada. — Onde foi que você montou o seu covil? Pouco importa. Por mais simples que seja esse plano, é tão bom quanto os que eu tenho ouvido.

Demandred continuou em silêncio, analisando-as. Não, não analisava Graendal, e sim ela e Semirhage. E, quando enfim falou, meio que para si mesmo, dirigiu-se às duas.

— Quando penso em onde vocês duas se meteram, eu me pergunto… quanto será que o Grande Senhor sabe, e há quanto tempo? Quantos dos acontecimentos ocorreram por desígnio dele, todo esse tempo? — Não havia resposta. Por fim, ele completou: — Vocês querem saber o que o Grande Senhor me falou? Pois bem. Mas fica entre nós, e bem guardado. Já que Sammael escolheu se afastar, não vai saber de nada. Nem os outros, vivos ou mortos. A primeira parte da mensagem do Grande Senhor foi simples: “Deixe o Senhor do Caos reinar.” São as palavras exatas. — Os cantos de sua boca se contorceram no mais próximo de um sorriso que Mesaana já vira em seu rosto. Então, ele contou o resto.

Mesaana percebeu que tremia, mas não soube se de empolgação ou de medo. O plano poderia funcionar: eles poderiam ganhar tudo. Mas precisariam de sorte, e ela não gostava de apostas. Demandred é que era o jogador. Mas ele tinha razão a respeito de uma coisa: Lews Therin cunhara a própria sorte com a mesma imperiosidade que se cunha uma moeda. Ao que parecia, Rand al’Thor vinha fazendo o mesmo.

A menos… a menos que o Grande Senhor tivesse um plano maior do que o que fora revelado. E essa possibilidade a assustava mais do que qualquer outra.

O espelho de moldura dourada refletia o salão, as paredes repletas de mosaicos perturbadores, mobília dourada e carpetes refinados, além dos outros espelhos e das tapeçarias. Um salão de um palácio, mas sem janelas — nem portas. O espelho refletia uma mulher de vestido vermelho-sangue, bem escuro, andando de um lado a outro, o belo rosto contorcido em um misto de ira e incredulidade. Principalmente incredulidade. Refletia também o rosto dele, que lhe era muitíssimo mais interessante do que a mulher. Não conseguiu resistir a tocar o próprio nariz, boca e bochechas para certificar-se de que eram reais. Não era jovem, porém era mais jovem do que da primeira vez em que despertara do longo sono, com os infinitos pesadelos. Um rosto comum, e ele sempre odiara ser comum. Sentiu na garganta o princípio de uma gargalhada, uma risadinha, e a abafou. Não estava louco. Apesar de tudo, não estava.

Um nome lhe fora concedido durante o segundo sono, de longe muito mais terrível, antes que ele acordasse naquele rosto e corpo. Osan’gar. Um nome dado por uma voz que ele conhecia e não ousava desobedecer. Seu antigo nome, concedido com escárnio e adotado com orgulho, deixara de existir. A voz de seu mestre assim declarara, e assim foi. A mulher era Aran’gar. E já não era mais quem tinha sido.

Escolhas interessantes, esses nomes. Osan’gar e aran’gar: as adagas das mãos esquerda e direita em uma forma de duelo bastante popular durante um breve período logo no princípio daquele longo processo, desde o dia da criação da Fenda até o verdadeiro início da Guerra do Poder. Suas lembranças eram meio turvas — muito fora perdido no longo sono, assim como no curto —, mas disso ele recordava. A luta só fora popular por um breve período porque quase sempre culminava na morte dos dois duelistas. As lâminas das adagas eram revestidas com um veneno de efeito lento.

Algo formou um borrão no espelho, e ele se virou, mas não muito depressa. Tinha de se lembrar de quem era e se certificar de que os outros se lembrassem. Ainda não havia porta, mas um Myrddraal passara a dividir o recinto com ele. Nada daquilo era estranho no lugar onde estava, apesar de o Myrddraal ser mais alto que todos os que Osan’gar já vira.

Ele se demorou um pouco, deixando que o Meio-homem esperasse para ter sua presença reconhecida. Antes que pudesse abrir a boca, Aran’gar bradou:

— Por que fizeram isso comigo? Por que me colocaram neste corpo? Por quê? — A última pergunta saiu quase como um ganido.

Osan’gar pensou ter visto os lábios sem sangue do Myrddraal se contorcerem em um sorriso — algo impossível, ali ou em qualquer outro lugar. Até os Trollocs tinham senso de humor, ainda que vil e violento, mas não os Myrddraal.

— Vocês dois receberam o melhor que pudemos arranjar nas Terras da Fronteira. — Sua voz era um sibilo traiçoeiro em um relvado seco. — É um corpo excelente, forte e saudável. E melhor do que a outra opção.

As duas afirmações eram verdadeiras. Era um corpo excelente, adequado a uma dançarina daien dos tempos passados: bem-desenhado e longilíneo, com um rosto oval cor de marfim que combinava muito bem e olhos verdes, emoldurado por cabelos negros e brilhantes. E qualquer coisa era melhor do que a outra opção.

Talvez Aran’gar não fosse da mesma opinião. A ira manchava seu belo rosto. Acabaria se descontrolando. Osan’gar sabia: isso sempre fora um problema de Aran’gar. Lanfear, em contraste, sempre parecia cautelosa. Tentou tocar saidin. Canalizar ali seria perigoso, porém menos do que deixar que Aran’gar cometesse alguma estupidez. Se abriu para saidin… e nada encontrou. Não tinha sido blindado — teria sentido isso, e saberia como contornar a situação ou romper a blindagem, se não fosse muito forte. Parecia que tinha sido apartado. O choque o deixou petrificado.

O que não aconteceu com Aran’gar, que talvez tivesse feito a mesma descoberta, mas tivera uma reação diferente. Com um guincho alto, feito um gato, partiu para cima do Myrddraal, as mãos em garra.

Um ataque inútil, sem dúvida. O Myrddraal sequer se moveu. Em um movimento displicente, a criatura agarrou a mulher pela garganta, estendeu os braços e a suspendeu até os pés saírem do chão. O guincho tornou-se um murmúrio, e Aran’gar agarrou o punho do Meio-homem com ambas as mãos. Sustentando o corpo da mulher dependurado, ele voltou o olhar sem olhos para Osan’gar.

— Você não foi apartado, mas só vai canalizar quando receber permissão. E nunca vai me atacar. Eu sou Shaidar Haran.

Osan’gar tentou engolir em seco, mas sua boca parecia um deserto. Não era possível que a criatura tivesse alguma coisa a ver com o que fora feito a ele. Myrddraal tinham certos poderes, mas nada desse tipo. Ainda assim, o Meio-homem sabia. Nunca gostara dos Myrddraal. Havia ajudado na criação dos Trollocs, combinando raças humanas e animais — e se orgulhava disso, das habilidades necessárias, da dificuldade envolvida —, mas aquelas crias acidentais o deixavam incomodado, para dizer o mínimo.