De súbito, avançou, e os homens à sua volta logo se deslocaram para mantê-lo no centro. No exato instante em que esse equilíbrio ameaçou se romper, quando pelo menos dois dos cinco sujeitos já faziam menção de rompê-lo, Rand deu um giro ligeiro na metade de um passo e começou a correr no sentido oposto. Os outros tentaram reagir, mas era tarde demais. Com um estrépito, Rand aparou um golpe da espada de prática com a própria lâmina feita de ripas de madeira amarradas. Ao mesmo tempo, seu pé direito acertou a barriga do homem de cabelos grisalhos, ao seu lado. O sujeito se encolheu, gemendo. Lâmina contra lâmina, Rand forçou o oponente de nariz quebrado a se virar, chutando outra vez o homem grisalho encolhido enquanto girava. O grisalho caiu, arquejante, tentando respirar. O oponente de Rand tentou recuar para usar a espada, mas o movimento liberou Rand, que desferiu um golpe em espiral — As Tranças da Videira —, acertando em cheio no peitoral do sujeito, com força suficiente para derrubá-lo no chão.
Apenas alguns instantes haviam se passado, tão poucos que foi nesse momento que os outros homens começaram a se aproximar. O primeiro, um sujeitinho ligeiro, muito baixo e desproporcionalmente robusto, soltou um grito e, apesar da própria estatura, saltou por cima do sujeito do nariz quebrado, enquanto este desabava para a frente. A espada de prática de Rand o atingiu nas canelas, desestabilizando-o, depois outra vez nas costas, derrubando-o sobre as pedras do pavimento.
Com isso, restaram apenas dois, mas eram os melhores: um varapau, cuja espada serpenteava como a língua de uma cobra e um sujeito enorme de cabeça raspada, que não falhava nunca. No mesmo instante, os dois se separaram para atacar pelas laterais, mas Rand não esperou. Mais que depressa, aproximou-se do magrelo — tinha apenas um instante antes que o outro contornasse os sujeitos caídos no chão.
O magrelo era bom, além de ligeiro. Rand oferecera ouro em troca de prática com os melhores, e eles tinham comparecido. O sujeito era alto para um andoriano, embora Rand fosse um palmo mais comprido, mas a altura influenciava pouco o manejo da espada. Às vezes, a força também. Rand partiu com tudo para atacá-lo. O homem franziu o rosto comprido e recuou. O Javali Dispara Montanha Abaixo rompeu Cortando a Seda, desarmou Raio de Três Pontas, e as ripas de madeira atadas atingiram com força a lateral do pescoço do homem. Com um grito abafado, o quarto oponente caiu.
No mesmo instante, Rand se jogou para baixo e para a direita, fez um rolamento por sobre as pedras do pavimento e ergueu-se de joelhos, a espada já traçando O Rio Erode a Margem. O homem de cabeça raspada não era ligeiro, mas tinha conseguido se antecipar ao golpe. Ao mesmo tempo que a espada de madeira de Rand varreu o largo torso do sujeito, as ripas da lâmina do homem acertaram a cabeça do Dragão Renascido.
Por um momento, Rand vacilou, pontos negros borrando a visão. Sacudindo a cabeça com esforço, tentando clarear a visão, usou a espada de prática como apoio para se levantar. O sujeito da cabeça raspada o observava, ofegante e receoso.
— Pague a ele — declarou, e o receio sumiu do rosto do sujeito de cabeça raspada. — O receio era desnecessário. Como se Rand não tivesse prometido uma moeda extra por dia a qualquer um que conseguisse acertá-lo. E o triplo para quem o derrotasse sozinho. Era uma forma de garantir que ninguém recuasse para bajular o Dragão Renascido. Rand nunca perguntava seus nomes — se o interpretassem mal e lutassem com mais afinco, melhor. Queria oponentes para testá-lo, não amigos. Os amigos que já tinha um dia amaldiçoariam a hora em que o conheceram, isso se já não estivessem amaldiçoando. Os outros sujeitos já começavam a se mover — os “mortos” tinham de permanecer imóveis até o fim da luta, obstruindo a passagem como corpos de verdade, mas o baixinho atarracado teve que ajudar o grisalho a se levantar, além de enfrentar a dificuldade de erguer a si próprio sem auxílio. O sujeito ágil remexia a cabeça, fazendo careta. Não haveria mais treinamento naquele dia. — Pague a todos.
Uma onda de aplausos e vivas percorreu as estreitas colunas caneluradas. Vinha dos observadores: lordes e ladies vestidos em sedas coloridas, cheias de bordados e trançados elaborados. Rand franziu o cenho e jogou a espada de lado. Aquelas pessoas lambiam as botas de Lorde Gaebril quando a Rainha Morgase — a rainha deles — era pouco mais de uma prisioneira dentro do palácio. O palácio dela. Mas Rand precisava deles. Por ora. Se agarrar o espinho, vai sair espetado, pensou. Esperava que, ao menos, fosse seu próprio pensamento.
Sulin, uma Aiel esguia e grisalha, líder da escolta de Donzelas da Lança que o acompanhava deste lado da Espinha do Mundo, tirou um marco de ouro de Tar Valon da bolsa do cinto e atirou-o, fazendo uma careta que repuxava a cicatriz hedionda na lateral de seu rosto. As Donzelas não gostavam de ver Rand manejando espadas, mesmo de prática. Não aprovavam o uso de espada nenhuma. Assim como todos os Aiel.
O homem da cabeça raspada apanhou a moeda e dispensou uma mesura cautelosa em resposta ao olhar azul fixo de Sulin. Todos agiam com cautela perto das Donzelas, com seus casacos, suas calças e botas macias com cadarços marrons e cinza, a roupa inteira feita para se mesclar à desolada paisagem do Deserto. Algumas haviam começado a acrescentar tons de verde ao vestuário, para se adequarem ao que chamavam de terras aguacentas — apesar da seca. Em comparação ao Deserto, eram terras úmidas. Poucos Aiel tinham se deparado com águas intransponíveis antes de deixar o Deserto e já tinham disputado rixas amargas pelo controle de laguinhos de duas ou três passadas de largura.
Como qualquer guerreiro Aiel — como as outras vinte Donzelas de olhos claros espalhadas pelo pátio —, Sulin tinha cabelos curtos, a não ser por um rabo de cavalo na nuca. Portava três lanças curtas e um broquel redondo de couro de touro na mão esquerda, além de uma faca de lâmina robusta e pontuda no cinto. Como qualquer guerreiro Aiel — até os da idade de Jalani, com seus dezesseis anos e rosto redondo infantil —, Sulin sabia fazer excelente uso daquelas armas — e o faria à menor provocação, pelo menos do ponto de vista do povo daquele lado da Muralha do Dragão. As Donzelas, exceto Sulin, observavam todos os presentes, cada janela coberta de painéis vazados em desenhos intrincados, cada balcão de pedras claras, cada sombra. Algumas portavam arcos curtos e curvos feitos de chifres, com flechas já encaixadas, e mais flechas preparadas nas aljavas peludas da cintura. Far Dareis Mai, as Donzelas da Lança, carregavam a honra do profetizado Car’a’carn — ainda que às vezes de forma bem peculiar —, e nenhuma hesitaria em morrer para preservar a vida de Rand. A ideia fez o estômago dele se revirar.
Sulin arremessou mais moedas com um ar de desprezo — Rand gostava de usar ouro de Tar Valon para quitar esta dívida —, uma extra para o de cabeça raspada e uma para cada um dos outros. Os Aiel gostavam tanto dos aguacentos quanto de espadas, uma reprovação que se estendia a qualquer um que não fosse nascido e criado no Deserto. Para a maioria dos Aiel, esse sentimento pouco amistoso também incluiria Rand, apesar do sangue Aiel, mas ele ostentava os Dragões em seus braços. Um o marcava como chefe de clã por ter arriscado a vida com sua própria força de vontade, o segundo o marcava como Car’a’carn, chefe dos chefes, Aquele Que Vem Com a Aurora. E as Donzelas tinham outros motivos para aprová-lo.
Os homens recolheram as espadas de prática, camisas e casacos, curvaram-se em mesuras e partiram.
— Amanhã — gritou Rand, para eles. — Cedo.