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Dessa vez, o cavalo se aproximou e o homem girou e desceu para, a passos largos, percorrer as últimas passadas; um homem alto, as sombras do luar fazendo com que seu rosto anguloso desse a impressão de ter sido entalhado em pedra. Ali estava ele diante dela, olhando-a de cima, e, ao fitar os olhos frios de Lan Mandragoran, ela viu a morte. Que a Luz a ajudasse. Como ela conseguiria mantê-lo vivo por tempo suficiente?

CAPÍTULO 53

O Festival das Luzes

Perrin já estava ficando irritado com o povo dançando nas ruas de Cairhien, tão cheias que era quase impossível abrir caminho pela multidão. Uma fileira de pessoas passou por ele, serpenteando atrás de um sujeito narigudo e sem camisa tocando flauta. A última da fila era uma mulherzinha redonda e saltitante, gargalhando feliz, que soltou uma das mãos agarrada à cintura do homem à sua frente e tentou puxar Perrin para a fileira. Ele balançou a cabeça em negativa, e ou os olhos amarelos assustaram a mulher ou seu mau humor era visível, pois ela engoliu o sorriso e seguiu adiante, sem parar de olhá-lo por cima do ombro até sumir na multidão. Uma mulher grisalha e ainda vistosa, ostentando listras coloridas até a cintura no vestido de seda escura, agarrou o pescoço de Perrin com os braços esguios e foi com a boca ávida em direção à dele. Acabou levando um susto quando Perrin a agarrou com toda a delicadeza por debaixo dos braços e a tirou do caminho. Um grupo de homens e mulheres mais ou menos da sua idade que andava cabriolando ao som de tambores trombou com ele, rindo alegremente e puxando seu casaco. Eles ignoraram o balançar negativo da cabeça, até que Perrin empurrou um dos homens para longe com força e soltou um rosnado para os outros. Por um instante, o riso deu lugar a olhares embasbacados, mas o grupo logo voltou a berrar, tentando imitar o rosnado, antes de sair galhofando pela multidão.

Era o primeiro dia do Festival das Luzes, o dia mais curto e o último do ano, e a cidade celebrava de formas que Perrin jamais teria imaginado. Claro que o povo de Dois Rios gostava de dançar durante os festejos, mas aquilo era…! Os cairhienos pareciam determinados a compensar o ano inteiro de reserva e seriedade naqueles dois dias de festa. O decoro fora posto de lado, assim como todas as barreiras entre nobres e plebeus, ao menos publicamente. Mulheres transpirando sob a lã áspera e simples agarravam homens suados em roupas de seda escura com listras coloridas, puxando-os para a dança; homens usando casacos de condutor e coletes de cavalariço rodopiavam mulheres cujos vestidos exibiam listras coloridas às vezes até a cintura. Homens de torso desnudo derrubavam vinho no próprio corpo e em quem mais estivesse por perto. Ao que parecia, qualquer homem podia beijar qualquer mulher, e qualquer mulher podia beijar qualquer homem. E, em cada canto onde Perrin olhava, todos pareciam fazer exatamente aquilo. Tentava não ficar olhando muito tempo para uma só cena. Algumas das nobres que usavam os cabelos em torres de cachos elaboradas estavam nuas até a cintura, usando apenas capas leves, que faziam pouco esforço para manter fechadas. Entre os plebeus, poucas mulheres que tinham tirado as blusas se davam ao trabalho de usar qualquer cobertura além dos próprios cabelos, que eram quase sempre curtos demais para dar conta do recado — elas também jogavam vinho por cima do corpo, aliás, e espalhavam bebidas em todos por perto, no mesmo descontrole dos homens. Gargalhadas sonoras disputavam espaço com mil notas musicais diferentes, vindas de flautas, tambores, cornetas, cítaras, sabiolas e saltérios.

O Círculo das Mulheres de Campo de Emond teria tido um ataque com aquilo, e o Conselho da Aldeia também teria ficado sem palavras, mas aquela depravação era só mais um detalhe para se somar à irritação de Perrin. Quando Nandera foi procurá-lo, disse que Rand provavelmente sumiria por umas poucas horas, mas já tinham se passado seis dias desde seu desaparecimento. E ou Min tinha ido com ele ou estava com os Aiel, só que ninguém parecia saber de nada. Fora aquela tal de Sorilea, as Sábias eram tão evasivas quanto as Aes Sedai — isso quando Perrin conseguia botar alguma contra a parede. Sorilea mandou, sem rodeios, que cuidasse da própria esposa e mantivesse o bedelho fora de assuntos que não diziam respeito aos aguacentos. Perrin não fazia ideia de como Sorilea sabia do problema entre ele e Faile, mas não queria nem saber. Sentia o puxão de Rand feito uma comichão por sob toda a pele, e estava mais forte a cada dia. Estava voltando da escola, onde fora em uma última tentativa de encontrá-lo, mas todos por lá estavam ocupados com bebedeiras, dança e devassidão, feito o restante de Cairhien. Uma mulher chamada Idrien foi apontada como diretora da escola, mas quando ele enfim conseguiu — com alguma dificuldade e muito constrangimento — tirá-la dos beijos que dava em um rapaz com idade para ser filho dela por tempo suficiente para perguntar o que queria, a mulher só conseguiu responder que talvez um sujeito chamado Fel soubesse de alguma coisa. Bem, acabou que o tal Fel estava dançando com três jovens que poderiam ser suas netas. E com as três ao mesmo tempo! Fel mal conseguia lembrar o próprio nome — o que talvez, dadas as circunstâncias, não fosse muito surpreendente. Ah, que a Luz queimasse Rand! Tinha ido embora sem uma palavra, mesmo sabendo sobre a visão de Min, mesmo sabendo que precisaria de Perrin. Ao que parecia, até as Aes Sedai tinham ficado chocadas com aquilo. Naquela mesma manhã, Perrin ficara sabendo que elas tinham partido de volta para Tar Valon havia três dias, depois de afirmarem que não havia mais sentido em permanecer por ali. O que Rand estaria aprontando? Aquela comichão estava deixando Perrin desesperado.

Quando chegou ao Palácio do Sol, encontrou todas as lamparinas acesas e velas queimando em todos os cantos possíveis, fazendo os corredores brilharem feito pedras preciosas sob o sol. Em Dois Rios, todas as casas também estariam iluminadas com todos os lampiões e velas disponíveis pelos dois dias seguintes, até o amanhecer. A maioria dos serviçais do palácio estava pelas ruas, e os poucos que permaneciam lá dentro dançavam, cantavam e gargalhavam quase tanto quanto trabalhavam. Mesmo ali, viam-se mulheres nuas até a cintura, tanto garotas que mal teriam idade para trançar os cabelos em Dois Rios quanto avós de cabeça branca. Os Aiel nos corredores pareciam incomodados quando reparavam nas comemorações, embora na maioria das vezes não esboçassem reação. As Donzelas em particular pareciam furiosas, embora Perrin suspeitasse de que aquela raiva não tivesse a ver com o despudor das cairhienas — desde o sumiço de Rand, as Donzelas ficavam mais parecidas com gatas irritadas.

Ali dentro, pelo menos Perrin conseguiu avançar a passos largos pelos corredores. Quase desejou que Berelain o atacasse. Na imagem que lampejou em sua mente, cravava os dentes na nuca da mulher e a sacudia até que ela saísse correndo com o rabo entre as pernas. Talvez tenha sido a sorte que o fez chegar a seus aposentos sem avistar sequer um fio de cabelo dela.

Teve certeza de que Faile quase desviou os olhos do tabuleiro de pedras quando ele entrou. A mulher ainda exalava aquele cheiro de ciúmes, mas não era o mais forte no momento; a raiva estava mais aguçada, ainda que não estivesse no auge. Em vez disso, o odor mais poderoso era um cheiro insípido e embotado que ele identificou como decepção. Por que a mulher estava decepcionada com ele? Por que não queria conversar? Bastava uma palavra, uma só dica de que tudo voltaria a ser como era, que Perrin cairia de joelhos e aceitaria a culpa por qualquer coisa que Faile quisesse despejar sobre ele. Mas ela apenas moveu uma pedra preta e murmurou:

— É a sua vez, Loial. Loial?

As orelhas do Ogier se remexeram, incomodadas, e as compridas sobrancelhas desabaram. Loial podia ter um péssimo olfato — bem, tão ruim quanto o de Faile, por exemplo —, mas podia perceber mudanças de humor que nenhum humano percebia. Quando Perrin e Faile estavam no mesmo ambiente, o Ogier sempre parecia com vontade de chorar. Ele apenas suspirou, um som que pareceu uma ventania em uma caverna, e depositou uma pedra branca em um ponto em que prenderia grande parte das pedras de Faile, se ela não reparasse e tomasse uma providência. E Faile decerto faria algo a respeito. Ela e Loial eram oponentes do mesmo nível, jogadores muito melhores do que Perrin.