Sulin tratou de interrompê-la, irada:
— Você não está me reconhecendo com este vestido e o cabelo mais comprido. Se falar outra vez de mim como se eu não estivesse aqui, farei o que ouvi dizer que Rhuarc fez com você na Pedra de Tear, coisa que eu já devia ter feito há tempos.
Perrin trocou olhares confusos com Dobraine, Loial e até Faile, antes de a mulher desviar os olhos. Berelain, por outro lado, alternava-se entre o rubor e a palidez. Seu cheiro era pura mortificação, um odor trêmulo e encolhido.
Sulin avançou até a porta em passos firmes e abriu-a com vigor antes que qualquer um dos outros pudesse se mover — Dobraine até fez menção de impedi-la, mas não foi rápido o suficiente. Uma Donzela jovem e loura que passava a viu e escancarou um sorriso bem-humorado.
— Tire esse sorriso da cara, Luaine — vociferou a Aiel, o corpo bloqueando o movimento que fazia com as mãos. O sorriso escancarado de Luaine de fato sumiu no mesmo instante. — Diga a Nandera que venha aqui agora mesmo. E Rhuarc. E traga meu cadin’sor e tesouras para que eu corte o cabelo direito. Corra, mulher! Você é Far Dareis Mai ou Shae’en M’taal?
A Donzela saiu em disparada e Sulin voltou para o salão assentindo com a cabeça, satisfeita, e bateu a porta. Faile estava de queixo caído.
— A graça está conosco — disse Dobraine, aliviado. — Ela não disse nada à Aiel, a mulher deve estar louca. Podemos decidir o que contar a eles depois de prendê-la e amordaçá-la.
Ele avançou para fazer justamente aquilo, já puxando um lenço verde-escuro do bolso do casaco, mas Perrin agarrou seu braço.
— Ela é Aiel, Dobraine — avisou Berelain. — É uma Donzela da Lança. Só não entendi o uniforme…
Para surpresa de Perrin, Berelain foi alvo de um olhar de advertência de Sulin.
Perrin soltou um suspiro lento. E pensar que tentara proteger aquela velha grisalha de Dobraine. O cairhieno o encarou com um olhar inquisitivo, erguendo um pouco a mão que segurava o lenço — ao que parecia, ele ainda era a favor de atá-la e amordaçá-la. Perrin postou-se entre os dois e apanhou a espada de Rand.
— Quero ter certeza. — De súbito, percebeu que se aproximara bastante de Berelain. A mulher olhou para Sulin, aflita, e aproximou-se ainda mais dele, como se buscasse proteção. Mas ela exalava um odor de determinação, não de quem estava aflita. Era o cheiro de uma caçadora. — Não quero tirar conclusões precipitadas — continuou ele, caminhando para perto da cadeira de Faile. Sem se afoitar, apenas um homem indo postar-se ao lado da esposa. — Esta espada por si só não é prova de nada.
Faile levantou-se e contornou a mesa, com muita elegância, observando o tabuleiro por trás do ombro de Loial — ou melhor, por trás do cotovelo. Berelain também avançou, indo em direção a Perrin. Ela ainda lançava olhares temerosos a Sulin, mas não exalava o menor cheiro de medo. A mayenense ergueu a mão como se fosse tomar o braço de Perrin, que foi atrás de Faile, tentando parecer displicente.
— Rand disse que três Aes Sedai não poderiam lhe fazer mal algum, se ele tomasse cuidado — continuou. Faile deslizou pelo outro lado da mesa, de volta até a cadeira. — Duvido muito que ele tenha deixado mais de três se aproximarem. — Berelain o seguiu, lançando olhares comoventes para ele e claramente temerosos na direção de Sulin. — Fui informado de que apenas três estiveram aqui, no dia em que ele sumiu.
Perrin foi atrás de Faile, um pouco mais depressa. A mulher se levantou da cadeira de um pulo, voltando para o lado de Loial. O Ogier gemia, apoiando a cabeça nas mãos — um gemido que era baixo para um Ogier. Berelain seguiu Perrin outra vez, arregalando os olhos já grandes, a personificação de uma mulher buscando proteção. Luz, ela cheirava a determinação!
Perrin virou-se para encará-la, cravando o indicador no peito dela, o que bastou para fazê-la guinchar de susto.
— Pare aí mesmo! — mandou. Então percebeu onde o dedo estava aninhado e recolheu a mão, como se o contato tivesse queimado a pele. Ainda assim, conseguiu manter a voz dura. — Fique aí!
Afastou-se da mayenense, cravando os olhos com força suficiente para rachar uma muralha de pedras. Entendia por que o ciúme de Faile preenchia suas narinas, mas por que ela cheirava ainda mais a mágoa do que antes?
— Poucos homens conseguem minha obediência — comentou Berelain, com uma risadinha —, mas acho que você é um deles. — O rosto, o tom de voz e, mais importante, o odor assumiram um ar de seriedade. — Fui dar uma busca nos aposentos do Lorde Dragão porque estava com medo. Todos sabiam que as Aes Sedai tinham vindo para escoltá-lo até Tar Valon, e eu não estava entendendo por que elas de repente pareciam ter desistido. Eu mesma recebi pelo menos dez visitas de várias irmãs para me aconselhar a respeito do que eu deveria fazer quando ele voltasse à Torre. Pareciam todas muito confiantes de que era isso que ele faria. — Ela hesitou, e, embora a mulher não olhasse para Faile, Perrin teve a impressão de que estava avaliando se deveria dizer algo na frente dela. E na frente de Dobraine, mas o problema maior parecia ser Faile. O cheiro de caçadora voltou. — Dessas conversas, acabei com a forte impressão de que queriam que eu voltasse a Mayene, por bem ou por mal.
Sulin resmungou entredentes, mas as orelhas de Perrin ouviram com clareza.
— Rhuarc é um idiota. Se ela fosse mesmo filha dele, o homem não teria tempo de fazer nada além de dar umas surras nela.
— Dez? — perguntou Dobraine. — Eu só recebi uma visita. Acho que a mulher ficou bem decepcionada quando deixei claro que havia jurado lealdade ao Lorde Dragão. Mas, sejam dez ou uma, Colavaere é a chave. Ela sabe tanto quanto qualquer um que o Lorde Dragão pretende entregar o Trono do Sol a Elayne Trakand. — O homem fez uma careta. — Deveria ser Elayne Damodred. Taringail deveria ter insistido para que Morgase adotasse o Damodred dele, em vez de ter ele adotado o sobrenome Trakand. E ela teria concordado, porque precisava dele demais. Bom, Elayne Trakand ou Elayne Damodred, ela tem tanto direito ao trono quanto qualquer um, e de longe mais direito do que Colavaere. Ainda assim, estou convencido de que Colavaere mandou matar Maringil e Meilan para assegurar o direito ao trono. Ela jamais teria ousado fazer isso se pensasse que o Lorde Dragão fosse retornar.
— Então é por isso. — Berelain franziu o cenho de leve, deixando transparecer uma leve irritação. — Tenho provas de que ela mandou um serviçal envenenar o vinho de Maringil. Ela foi descuidada, e eu trouxe dois bons caçadores de ladrões… Mas não sabia o motivo. — Ela inclinou a cabeça um tantinho, reconhecendo o olhar de admiração de Dobraine. — Ela será enforcada por isso. Se houver alguma forma de trazer o Lorde Dragão de volta. Se não houver, temo que seja melhor descobrirmos uma maneira de preservar nossas próprias vidas.
Perrin apertou a bainha de couro de javali.
— Eu vou resgatar Rand — declarou, com um rosnado. Dannil e os outros homens de Dois Rios ainda deviam estar na metade do caminho até Cairhien, com o peso dos carroções. Mas ele tinha os lobos. — Nem que eu tenha que ir sozinho, vou trazê-lo de volta.
— Sozinho, não — retrucou Loial, a voz dura e inflexível feito uma pedreira. — Você nunca ficará sozinho enquanto eu estiver aqui, Perrin. — Ele remexeu as orelhas, constrangido. Sempre ficava envergonhado quando testemunhavam sua bravura. — Afinal de contas, meu livro não vai acabar bem se Rand for aprisionado na Torre. E eu não vou poder escrever sobre o resgate se não estiver presente.
— Você não vai sozinho, Ogier — acrescentou Dobraine. — Posso arranjar quinhentos homens de confiança até amanhã. Bem, não sei o que poderemos fazer contra seis Aes Sedai, mas mantenho minha palavra. — Olhando para Sulin, ele dedilhou o lenço ainda em sua mão. — Mas até onde podemos confiar nos selvagens?