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— Vou mantê-lo longe de Saldaea. — Ou Taim fora até lá para se submeter a ele, ou seria necessário matá-lo. Em um gesto inconsciente, Rand tocou o bolso, comprimindo o homenzinho gordo por baixo da lã. — Vamos recebê-lo aqui.

Tumad encarou Bashere, mas o breve aceno de cabeça do Marechal-General veio tão ligeiro que a mesura do barbudo ficou parecendo resposta à ordem verbalizada. Um lampejo de irritação passou pelo rosto de Rand, mas ele nada disse, e Tumad se afastou depressa, naquele caminhar meio gingado. Bashere cruzou os braços diante do peito e permaneceu parado com um dos joelhos dobrado, a imagem de um homem à vontade. Aqueles olhos escuros e oblíquos, fixos na direção pela qual Tumad saíra, exibiam o retrato de um homem com o desejo de matar.

O roçar de pés recomeçou entre os andorianos, meias passadas hesitantes se afastando, depois retornando. Pelo modo como respiravam, o grupo parecia ter corrido milhas.

— Vocês podem partir — anunciou Rand.

— Eu, de minha parte, continuarei ao seu lado — começou Lir, ao mesmo tempo que Naean dizia, rispidamente:

— Não vou fugir de…

Rand cortou os dois:

— Vão!

Os nobres queriam demonstrar que não tinham medo, ainda que estivessem prestes a borrar as calças. Queriam fugir, abandonando o que lhes restava de dignidade que ainda não haviam atirado aos pés de Rand. Era uma escolha simples. Ele era o Dragão Renascido, e ganhar sua aprovação significava demonstrar obediência. E obediência, nesse caso, significava fazer o que eles realmente queriam. Com uma onda de mesuras profundas, reverências com saias completamente estendidas e murmúrios apressados de “Com sua permissão, milorde Dragão” e “Às suas ordens, milorde Dragão”, os nobres saíram… não exatamente correndo, mas andando o mais depressa que podiam sem parecer que estavam correndo. E na direção oposta à de Tumad: sem dúvida não queriam arriscar um encontro fortuito com Mazrim Taim, que se dirigia para o pátio.

A espera alongou-se no calor — demorava para conduzir um homem pelos amplos corredores desde os portões do Palácio —, mas, assim que os andorianos saíram, ninguém se mexeu. Bashere manteve o olhar fixo no ponto onde Taim surgiria. As Donzelas vigiavam tudo, mas era sempre assim; e, ainda que parecessem prontas para velar o rosto em um instante, também era sempre assim. Exceto pelos olhos, aquelas mulheres poderiam muito bem ser estátuas.

Enfim o som de botas ecoou pelo pátio. Rand quase tentou agarrar saidin, mas se conteve. O homem perceberia que ele estava de posse do Poder no instante em que adentrasse o recinto, e Rand não podia se permitir parecer temê-lo.

Tumad emergiu primeiro sob a luz do sol que invadia o ambiente, logo seguido de um homem de cabelos pretos e altura bem acima da média ostentando o rosto escuro, os olhos oblíquos, o nariz adunco e as maçãs do rosto proeminentes bem característicos do povo de Saldaea, embora estivesse de barba feita e se vestisse como um mercador andoriano que já fora próspero, mas estivesse enfrentando dificuldades. O casaco azul-escuro era de lã fina urdida com veludo mais escuro, mas o uso deixara os punhos puídos. As calças estavam esgarçadas nos joelhos e as botas rachadas exibiam uma camada de poeira. Ainda assim, o sujeito caminhava empertigado, um feito impressionante considerando os quatro homens do exército de Bashere atrás de si, empunhando as lâminas quase retas, mas levemente curvas, as pontas a pouquíssima distância de suas costelas. O calor não parecia incomodá-lo. Os olhos das Donzelas acompanhavam seus passos.

Rand observou Taim enquanto o homem e sua escolta cruzavam o pátio. O sujeito era pelo menos quinze anos mais velho do que ele, devia ter trinta e cinco, no máximo alguns a mais. Pouco se sabia e menos ainda se encontrava nos livros a respeito de homens capazes de canalizar — era um assunto evitado por grande parte das pessoas com um pingo de decência —, mas Rand aprendera tudo o que pudera. Eram relativamente poucos os que de fato procuravam saber mais sobre o assunto, e este era um dos problemas. Desde a Ruptura, a maioria dos homens que canalizavam nascia com a habilidade, com potencial para ativá-la ao chegar à idade adulta. Alguns conseguiam controlar a loucura durante anos antes de serem encontrados e amansados por Aes Sedai; outros já eram encontrados irremediavelmente loucos, por vezes menos de um ano depois de tocar saidin pela primeira vez. Rand se mantivera agarrado à sanidade — ao menos até então — por quase dois anos. Ainda assim, diante dele estava um homem que talvez tivesse conseguido manter esse feito durante dez ou quinze anos. Só isso já valia de algo.

A um gesto de Tumad, o grupo parou a alguns passos de Rand. Ele abriu a boca, mas, antes que pudesse se pronunciar, Lews Therin irrompeu em sua mente em um frenesi. Sammael e Demandred me odiavam, por mais honrarias que eu lhes concedesse. Quanto mais honrarias, mais ódio, até que venderam a alma e se afastaram. Principalmente Demandred. Eu deveria tê-lo matado! Deveria ter matado todos eles! Arrasado a terra para matá-los! Arrase a terra!

Com o rosto paralisado, Rand lutou para controlar a própria mente. Eu sou Rand al’Thor. Rand al’Thor! Nunca conheci Sammael, Demandred ou nenhum deles! Que a Luz me queime, sou Rand al’Thor! Como um eco débil, outro pensamento surgiu, vindo de algum lugar. Que a luz me queime. Parecia uma súplica. Então Lews Therin desapareceu, de volta a fossem quais fossem as sombras onde vivia.

Bashere tirou vantagem do silêncio.

— Você alega ser Mazrim Taim? — Ele soou descrente, e Rand o encarou, confuso. Era ou não era Taim? Só um louco alegaria ser aquele falso Dragão, se fosse mentira.

A boca do prisioneiro se contorceu no que poderia ser o esboço de um sorriso, e ele esfregou o queixo.

— Eu fiz a barba, Bashere. — A voz trazia mais do que um toque de deboche. — É meio quente aqui tão ao sul, você não percebeu? Mais quente do que deveria estar, mesmo por aqui. Quer alguma prova? Devo canalizar para você? — Os olhos escuros do homem desviaram de relance para Rand, depois retornaram a Bashere, cujo rosto ficava mais sombrio a cada instante. — Talvez não, não agora. Eu me lembro de você. Eu o derrotei em Irinjavar, até que aquelas visões surgiram no céu. Mas todo mundo sabe disso. O que ninguém sabe além de você e Mazrim Taim? — Com a atenção voltada para Bashere, o homem parecia ignorar os guardas, todos ainda segurando as espadas perto de suas costelas. — Ouvi dizer que você abafou o que aconteceu com Musar, Hachari e suas esposas. — O deboche desaparecera. Ele simplesmente relatava o ocorrido. — Eles não deveriam ter tentado me matar debaixo de uma bandeira de negociação. Creio que você tenha arrumado boas posições para eles, como serviçais? Tudo o que vão querer agora é servir e obedecer, não conseguirão ser felizes de outra forma. Eu poderia tê-los matado. Todos os quatro empunharam as adagas.

— Taim — rosnou Bashere, levando a mão depressa ao cabo da espada —, seu…!

Rand se pôs entre os dois, agarrando o punho da mão que tentava erguer a espada. As espadas dos guardas e a de Tumad já estavam encostando em Taim, decerto tocando a carne, pela forma como estavam cravadas em seu casaco, mas ele não esboçou reação.

— Você veio me ver — inquiriu Rand — ou insultar Lorde Bashere? Se fizer isso de novo, vou deixar que ele o mate. Minha anistia perdoa o que você fez, mas não permite que fique se gabando de seus crimes.

Taim analisou Rand por um instante, antes de falar. Apesar do calor, o sujeito quase não suava.

— Vim ver você. Foi você que eu vi no céu. Dizem que enfrentou o Tenebroso em pessoa.

— Não era o Tenebroso — respondeu Rand. Bashere não estava exatamente lutando contra seu gesto de contenção, mas sentia o braço tensionado do homem. Se o soltasse, aquela lâmina estaria cravada em Taim em um piscar de olhos. A menos que usasse o Poder. Ou que Taim usasse. Era preciso evitar isso, se possível. Continuou segurando o punho de Bashere. — Ele se autodenominava Ba’alzamon, mas acho que era Ishamael. Eu o matei depois, na Pedra de Tear.