Выбрать главу

Assim que se aproximou, a Verde virou-se para ela. Erian sempre fora muito bonita, com o rosto claro, refinado e oval, mas suas bochechas estavam vermelhas desde a noite anterior, e os encantadores olhos escuros estavam injetados.

— Ele tentou vencer a blindagem outra vez, Galina. — A ira se mesclava ao desprezo pela insensatez do homem, tornando sua voz dura e áspera. — Ele deve ser punido de novo, no caso. Quero cuidar disso eu mesma.

Galina hesitou. Seria melhor punir Min — aquilo sim deixaria al’Thor quietinho. Ele ficara furioso ao vê-la ser punida na noite anterior — punição essa que, por sua vez, fora suscitada pela atitude da jovem ao vê-lo sendo punido. O incidente todo se dera logo depois que al’Thor descobriu que Min estava no acampamento, quando um dos Guardiões tivera o descuido de deixá-la sair andando noite adentro, em vez de mantê-la confinada na tenda. Quem teria imaginado que al’Thor, blindado e cercado, ficaria transtornado daquele jeito? Além de tentar destruir a blindagem, ele matara um Guardião com as próprias mãos e ferira outro com a espada do morto — um ferimento tão grave que o homem acabou morrendo durante a Cura. E isso tudo durante os poucos instantes que as irmãs levaram para se recuperar do choque e refreá-lo com o Poder.

Se dependesse de Galina, já teria reunido as outras Vermelhas e amansado al’Thor dias antes. Como aquilo estava proibido, melhor entregá-lo à Torre ileso — desde que ele demonstrasse o mínimo de educação, claro. Mesmo naquela situação, Galina prezava pela eficácia, e o mais eficaz seria levar Min até ali e deixar que al’Thor a ouvisse chorar e soluçar, sabendo que era o responsável pela dor que a mulher sofria. Porém, por acaso, os dois Guardiões mortos eram de Erian. A maioria das irmãs consideraria a punição direito dela, e a própria Galina queria que a Verde, uma illianense com cara de boneca, extravasasse a ira de uma vez. Seria muito melhor percorrer o restante do trajeto podendo admirar aquele rostinho de porcelana com uma expressão serena.

Galina assentiu.

Rand piscou com a claridade quando a luz inundou o baú de repente. Também foi inevitável se encolher — ele sabia o que estava por vir. Lews Therin jazia no Vazio, imóvel e silencioso — era por pouco que ele ainda sustentava o Vazio, mas tinha plena consciência dos próprios músculos, que urraram em câimbras quando ele foi posto de pé. Travou a mandíbula e tentou não estreitar os olhos para se proteger do que parecia o brilho do meio-dia. O ar estava fresco e maravilhoso, e a camisa ensopada grudou no corpo, empapado de suor. Nenhuma corda o prendia, mas não podia dar um passo sequer, nem que fosse para salvar a própria vida. Se não estivesse sendo sustentado pelo Poder, teria desabado no chão. Só percebeu quanto tempo passara preso quando notou como o sol estava baixo no céu — todo aquele tempo preso com a cabeça entre os joelhos, banhado em uma poça de seu próprio suor.

Ainda assim, mal prestou atenção ao sol. Seus olhos se voltaram para Erian antes mesmo que a Aes Sedai se posicionasse diante dele. A mulher pequena e esguia ergueu a cabeça para encará-lo, os olhos escuros cheios de fúria, e ele quase se encolheu outra vez. Ao contrário da noite anterior, ela não falou. Simplesmente começou.

O primeiro golpe invisível o atingiu entre os ombros; o segundo, no peito; e o terceiro bateu atrás das coxas. O Vazio se despedaçou. Ar. Era apenas Ar. Pensando assim, parecia menos dolorido. Só que cada golpe era uma chibatada desferida por um braço mais forte que o de qualquer homem. Já estava com hematomas por conta da última surra, manchas roxas que iam dos ombros aos joelhos. Tinha consciência daquelas marcas no corpo — e mais consciência do que gostaria; sentira vontade de chorar mesmo dentro do Vazio. Quando o Vazio se foi, ele quis berrar.

Mas, em vez disso, cerrou o maxilar. Às vezes um grunhido escapava entre os dentes e Erian redobrava os esforços quando isso acontecia, como se quisesse mais. Rand se recusava a dar o que ela queria. Não podia impedir os tremores a cada golpe daquela chibata invisível, porém não lhe daria mais do que isso. Encarava-a nos olhos, recusando-se a desviar o olhar e a piscar.

Eu matei minha Ilyena, gemia Lews Therin a cada golpe.

Rand tinha sua própria ladainha. A dor lhe fustigava o peito. Isso é por confiar nas Aes Sedai. O fogo assolava as costas. Nunca mais, nem um pouquinho, nem por um instante. Era como a lâmina de uma navalha. Isso é por confiar nas Aes Sedai.

Elas achavam que podiam subjugá-lo. Achavam que podiam fazê-lo rastejar até Elaida! Obrigou-se a fazer a coisa mais difícil que já fizera na vida: sorriu. Claro que o sorriso não chegava aos olhos, mas encarou Erian e sorriu. A mulher arregalou os olhos e sibilou. As chibatadas começaram a vir de todos os lugares ao mesmo tempo.

O mundo era dor e fogo. Rand não conseguia ver, apenas sentir. Por algum motivo, tinha ciência das mãos tremendo incontrolavelmente dentro das algemas invisíveis, mas concentrava-se em manter os dentes cerrados. Isso é por — Não vou gritar! Não vou grit — Nunca mais, nem um pouqu — Nem um pouquinho, nem por um instante! Nunca ma — Eu não vou! Nunca ma — Nunca! Nunca! NUNCA!

A primeira coisa que reparou foi que respirava. Ar, tragado avidamente pelas narinas. Seu corpo latejava, era uma chama pulsante, mas as pancadas tinham cessado. Reparar nisso foi quase um choque. O cessar de algo que uma parte dele se convencera de que jamais chegaria ao fim. Sentiu gosto de sangue e percebeu que a mandíbula doía quase tanto quanto o resto do corpo. Bom. Não tinha gritado. Os músculos do rosto estavam travados em uma câimbra dolorosa e seria um esforço abrir a boca, mesmo se quisesse muito.

A visão foi a última a voltar, e então ele se perguntou se estava alucinando por conta da dor. Viu um grupo de Sábias entre as Aes Sedai, todas remexendo os xales e encarando as mulheres com a maior arrogância possível. Quando concluiu que a visão era real — a menos que Galina estivesse conversando com um produto da imaginação de Rand —, seu primeiro pensamento foi de que estava sendo resgatado. De algum jeito, as Sábias tinham… era impossível, mas elas… então reconheceu a mulher que conversava com Galina.

Sevanna andou até ele com um sorriso nos lábios carnudos e vorazes. Os olhos verde-claros daquele rosto lindo emoldurado por cachos dourados o perscrutaram. Rand preferia estar diante de um lobo raivoso. Havia uma estranheza na postura da mulher, que avançava meio inclinada para a frente, os ombros para trás. Por mais ferido que estivesse, de repente teve vontade de rir — e teria rido, se tivesse certeza do som que produziria caso abrisse a boca. Lá estava ele, prisioneiro, apanhando quase até a morte, as pancadas ainda ardendo e o suor aguilhoando, e aquela mulher que o odiava — tinha certeza disso — e que provavelmente o culpava pela morte do homem que ela amava estava achando que ele olharia seu decote!

A mulher passou a unha lentamente por sua garganta — na verdade, ela envolveu seu pescoço o mais que pôde com as pontas das garras —, como se imaginasse sua decapitação. O que seria apropriado, considerando o fim de Couladin.

— Pronto, já o vi — declarou a mulher, com um suspiro satisfeito e um pequeno arrepio de prazer. — Você honrou sua parte no acordo, e eu honrei a minha.

A Aes Sedai então o obrigou a se dobrar de volta e o enfiou de novo no baú, a cabeça mais uma vez entre os joelhos, agachado naquela pequena poça de suor. A tampa se fechou, e a escuridão o envolveu.

Ele só então remexeu o maxilar até conseguir abrir a boca e soltou um suspiro longo e trêmulo. Não tinha certeza se, mesmo agora, conseguiria emitir qualquer som. Luz, estava pegando fogo!

O que Sevanna estava fazendo ali? Que acordo? Não. Muito bem, tinha descoberto que havia algum acordo entre a Torre e os Shaido, mas depois se preocuparia com aquilo. Tinha que se concentrar em Min. Precisava escapar. Aquelas mulheres tinham machucado Min — um pensamento tão terrível que quase abafava a dor. Quase.