— Eu falei que ele estava ferido — interveio Alanna, meio chorosa. Perrin conhecia aquele cheiro bem o bastante: era dor. — Eu falei.
Verin permaneceu em silêncio, mas cheirava a fúria… e a medo.
Kiruna encarou o grupo de Perrin com um olhar sombrio e desdenhoso.
— E o senhor pretende impedir as Aes Sedai com isso, meu jovem? Verin não nos contou que o senhor era um tolo.
— Tem um pouco mais ainda avançando pela Estrada de Tar Valon — retrucou Perrin, em um tom seco.
— Então vocês podem se juntar a nós — respondeu Kiruna, como se fizesse uma concessão. — Isso será bom, Bera, não será? — A outra assentiu.
Não conseguia entender por que a atitude de Kiruna o irritava tanto, mas não era hora de tentar descobrir.
— Também tenho trezentos arqueiros de Dois Rios que pretendo levar comigo. — Como Alanna podia saber se Rand estava ferido? — Vocês Aes Sedai são bem-vindas a nos acompanhar.
As mulheres não gostaram nada de ouvir aquilo. Elas se afastaram um tanto para debater — nem mesmo Perrin conseguia ouvir, deviam estar usando o Poder —, e ele achou que seguiriam cavalgando sozinhas.
No fim das contas, as mulheres se juntaram a ele. Bera e Kiruna foram o caminho todo até a estrada junto dele, uma de cada lado, alternando-se em repetir que a situação era perigosa e delicada demais e que ele não devia fazer nada que colocasse al’Thor em perigo. Bera, pelo menos, lembrou-se de chamar Rand de Dragão Renascido algumas vezes. Bem, as duas deixaram uma coisa bem clara: Perrin não deveria dar um passo sequer sem consultá-las. Bera começou a demonstrar certa irritação por ele não repetir tudo o que ela dizia, mas Kiruna parecia achar que ele já repetira. Perrin começou a se perguntar se chamá-las para ir junto tinha sido um erro.
Se as Aes Sedai ficaram impressionadas com o grupo de Aiel, mayenenses e cairhienos que avançavam pela estrada, não deram sinais, nem no olhar e nem no odor. Ainda assim, acrescentaram seu bocadinho de borbulhas ao caldeirão. Os mayenenses e os cairhienos pareciam bastante encorajados com a chagada de nove Aes Sedai e dezesseis Guardiões e se curvavam em reverências quase até o chão sempre que uma das mulheres se aproximava. Donzelas e siswai’aman olhavam as mulheres como se esperassem ser pisoteados por elas, mas as Sábias, por mais que tivessem a expressão tão plácida quanto as das Aes Sedai, exalavam ondas de pura fúria. No começo, as Aes Sedai ignoraram as Sábias por completo, exceto por uma Marrom chamada Masuri. Mas, depois de Masuri ser rejeitada pelo menos duas dezenas de vezes nos poucos dias seguintes — ela era persistente, mas as Sábias eram tão rápidas em evitar as Aes Sedai que Perrin achava que já virara instintivo —, Bera, Kiruna e as outras passaram a encarar as Sábias e conversar entre si por detrás de alguma barreira invisível e inacessível a seus ouvidos de lobo.
Teria bisbilhotado, se pudesse, já que as mulheres tinham mais segredos do que sua conversa sobre as Aiel. Para começar, Alanna recusava-se a revelar como sabia onde Rand estava e sequer admitia ter afirmado que ele estava ferido. “Alguns conhecimentos acabariam com a mente de qualquer pessoa que não seja Aes Sedai”, retrucara, fria e misteriosa, mas exalando um cheiro forte e pungente de dor e ansiedade. Verin mal dirigia a palavra a ele, limitando-se a observar tudo com aqueles escuros olhos de ave e um sorrisinho misterioso, embora exalasse ondas de raiva e frustração. Pelo cheiro, achava que a líder do grupo era Bera ou Kiruna — Bera, talvez, embora fosse por um triz e às vezes a outra parecia assumir o controle por um tempo. Todos os dias, uma ou a outra vinha cavalgar do lado dele durante cerca de uma hora, repetindo variações dos “conselhos” originais e basicamente pressupondo que estavam no comando. Nurelle parecia concordar, seguindo as ordens delas sem sequer olhar para Perrin, e Dobraine só se dava ao trabalho de olhá-lo antes de aquiescer. Perrin passou um dia e meio achando que Merana tinha permanecido em Caemlyn, e foi um choque ouvir quando chamaram a mulher esguia de olhos cor de mel daquele nome. Rand tinha dito que ela estava à frente da missão diplomática de Salidar, mas Perrin a identificou como o lobo de mais baixo status da matilha — por mais que as Aes Sedai parecessem iguais a quem olhasse de fora. Ela cheirava a ansiedade, resignação e desilusão. Não era surpresa que as Aes Sedai guardassem segredos, claro, mas pretendia resgatar Rand das mãos de Coiren e do bando mais à frente. E gostaria de poder saber se também precisaria resgatá-lo das mãos de Kiruna e suas companheiras.
Pelo menos era bom estar de volta com Dannil e os outros, ainda que eles fossem quase tão servis em relação às Aes Sedai quanto os mayenenses e os cairhienos. Os homens de Dois Rios ficaram tão felizes em vê-lo que poucos resmungaram quando ele os mandou baixar a Águia Vermelha — seria erguida de novo, Perrin tinha certeza. Ainda assim, Tell, irmão quase idêntico de Dannil, exceto pelo nariz adunco e o bigode comprido à moda domanesa, dobrou o estandarte com todo o cuidado e o guardou nos alforjes. Naturalmente, o grupo ainda ostentava flâmulas. Primeiro ia a Cabeça de Lobo Vermelha dele — os homens teriam apenas ignorado se ele os mandasse guardá-la, e o olhar frio e desdenhoso de Kiruna o fazia querer exibir seu estandarte. Dobraine e Nurelle também estenderam seus estandartes, posto que já havia um à mostra. Não era o Sol Nascente de Cairhien nem o Gavião Dourado em voo de Mayene: cada um trouxera um par dos emblemas de Rand — o Dragão vermelho e dourado no fundo branco e o disco branco e preto no fundo carmesim. Os Aiel não pareciam se importar, fosse como fosse. As Aes Sedai encararam aquilo com bastante frieza, mas as insígnias pareciam apropriadas a Perrin.
No décimo dia, com o sol já quase a meio caminho do meio do céu, Perrin sentia-se taciturno, a despeito dos estandartes, dos homens de Dois Rios e da garupa de Galope. O grupo alcançaria os carroções das Aes Sedai logo depois do meio-dia, mas ele ainda não sabia o que faria. Foi quando veio o chamado dos lobos. Venha agora. Muitos duas-pernas. Muitos, muitos, muitos! Venha agora!
CAPÍTULO 55
Poços de Dumai
Cavalgando à frente da coluna, Gawyn tentava se concentrar na paisagem. Com seus amontoados de árvores esparsas, aquele tipo de terreno com colinas suaves era plano o bastante para fazer qualquer um pensar que era capaz de enxergar a uma distância bem longa, quando, na verdade, alguns daqueles morros baixos e espinhaços longos não eram assim tão baixos quanto pareciam. Naquele dia, o vento vinha levantando ondas de poeira, e a poeira também podia esconder muita coisa. Os Poços de Dumai se localizavam à direita dele junto da estrada, três poços de pedra num pequeno bosque. Os barris de água precisavam ser enchidos, e faltavam ao menos quatro dias para verem água de novo, isso se a Fonte Alianelle não tivesse secado, mas Galina dera ordens para que não parassem. Gawyn tentava manter a atenção onde deveria, mas não conseguia.
De tempos em tempos, ele se virava na sela, olhando para trás para aquela longa fila de carroções serpenteando a estrada, com Aes Sedai e Guardiões cavalgando lado a lado, e serviçais que não estavam nos carroções vindo a pé. A maior parte da Jovem Guarda estava no fim da fila, onde Galina ordenara que ficassem. Gawyn não conseguia ver o único carroção descoberto no centro da coluna, sempre acompanhado de perto por seis Aes Sedai a cavalo. Se pudesse, Gawyn teria matado al’Thor, mas o que aquelas mulheres vinham fazendo o enojava. Até Erian se recusara a participar depois do segundo dia, e a Luz sabia que ela tinha seus motivos para odiar al’Thor. Galina, porém, estava irredutível.
Ele firmou o olhar à frente e tocou na carta de Egwene no bolso do casaco, onde ela se encontrava cuidadosamente envolta em camadas e camadas de seda. Só umas poucas palavras para dizer que o amava, mas que precisava partir de repente. Nada mais. Ele a lia cinco ou seis vezes por dia. Ela não citou a promessa dele. Bem, Gawyn nunca levantara a mão contra al’Thor. Ele ficara em choque ao descobrir que o homem estava preso e que já estava aprisionado havia vários dias quando ficou sabendo. Ele precisaria dar um jeito de fazer Egwene entender. Havia lhe prometido que não tocaria em um fio de cabelo do homem, e pretendia manter a promessa mesmo se isso lhe custasse a vida, mas tampouco moveria uma palha para ajudá-lo. Egwene tinha que entender. Luz, esperava que ela entendesse.