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Rastejando pelo aclive, Perrin espiou por cima do pico e viu uma cena digna dos sonhos do Tenebroso. Os lobos haviam lhe dado certa noção do que esperar, mas noções empalideciam diante da realidade. A talvez uma milha de onde ele se encontrava deitado sob o sol do meio-dia, uma imensa montanha de Shaido cercava inteiramente o que parecia ser um círculo de carroções e homens reunidos em um pequeno grupo de árvores não muito longe da estrada. Vários carroções já tinham sido incendiados, as chamas dançando ao longe. Bolas de fogo, algumas pequenas como um punho e outras grandes como pedregulhos, alvejavam os Aiel e explodiam em bolhas de fogo, transformando dezenas deles em tochas vivas de uma só vez. Relâmpagos irrompiam de um céu sem nuvens, fazendo voar terra e figuras indistintas trajando o cadin’sor. Entretanto, os raios prateados dos relâmpagos também atingiam os carroções, e os Aiel também atiravam suas bolas de fogo. Boa parte das chamas se dissipava de repente ou explodia antes de atingir o alvo, muitos dos raios se interrompiam de repente, mas, embora a batalha parecesse pender ligeiramente a favor das Aes Sedai, a mera quantidade de Shaido acabaria se provando devastadora.

— Deve haver umas duzentas ou trezentas mulheres canalizando ali embaixo, se não mais. — Kiruna, deitada ao lado dele, soava impressionada. Sorilea, ao lado da irmã Verde, com certeza parecia estar. A Sábia cheirava a preocupação. Não medo, mas uma espécie de apreensão. — Nunca vi tantas tessituras juntas — prosseguiu a Aes Sedai. — Acho que há pelo menos trinta irmãs no acampamento. Você nos trouxe para um caldeirão fervendo, jovem Aybara.

— Quarenta mil Shaido — resmungou um emburrado Rhuarc do outro lado de Perrin. Tinha até cheiro de emburrado. — Pelo menos quarenta mil, o que explica, tarde demais, por que eles não mandaram mais para o sul.

— O Lorde Dragão está lá embaixo? — perguntou Dobraine, olhando por cima de Rhuarc. Perrin assentiu. — E você pretende ir até lá e trazê-lo para cá? — Perrin tornou a fazer que sim com a cabeça, e Dobraine suspirou. Cheirava a resignação, não medo. — Nós vamos entrar na batalha, Lorde Aybara, mas não acredito que vamos sair. — Rhuarc aquiesceu ao ouvir o comentário.

Kiruna olhou para os homens.

— Vocês estão vendo que não estamos em número suficiente. Nove. Mesmo que suas Sábias sejam capazes de canalizar alguma coisa, não somos o bastante para fazer frente àquilo. — Sorilea bufou alto com desdém, mas Kiruna manteve os olhos onde estavam.

— Então dê meia-volta e cavalgue para o sul — disse-lhe Perrin. — Não vou deixar Rand cair nas garras de Elaida.

— Ótimo — retrucou Kiruna, sorrindo. — Porque eu também não vou. — Perrin gostaria que o sorriso dela não lhe desse arrepios. Claro que, tivesse ela visto o olhar malévolo que Sorilea direcionou às suas costas, ela própria também poderia ter ficado arrepiada.

Perrin apontou para as pessoas que se encontravam na base do espinhaço, e Sorilea e a Verde escorregaram colina abaixo até que pudessem voltar a se levantar, para dispararem em direções opostas.

O que eles tinham não era bem um plano. Em resumo, a ideia era dar um jeito de alcançar Rand, libertá-lo de alguma forma e depois torcer para que ele não estivesse ferido demais para abrir um portão para quem pudesse escapar com ele antes que os Shaido e as Aes Sedai no acampamento conseguissem matá-los. Sem dúvida, não passavam de pequenos obstáculos para o herói de uma história ou um caso contado por um menestrel, mas Perrin gostaria de ter tido tempo para um plano de verdade, não só o que ele, Dobraine e Rhuarc haviam formulado com o chefe de clã correndo o mais rápido que podia em meio aos cavalos dos três. Entretanto, tempo era uma das muitas coisas que eles não tinham. Não havia como afirmar se as Aes Sedai da Torre seriam capazes de conter os Shaido nem mesmo por mais uma hora.

Divididos em duas companhias, os primeiros a se deslocar foram os homens de Dois Rios e a Guarda Alada, uns cercando a pé as Sábias, e os outros, as Aes Sedai e os Guardiões a cavalo. Atravessaram o espinhaço pela direita e pela esquerda. Dannil permitiu que voltassem a carregar o estandarte da Águia Vermelha, além da Cabeça de Lobo Vermelha. Rhuarc nem olhava na direção em que Amys caminhava não muito longe do capão escuro de Kiruna, mas Perrin escutou o homem murmurar “Que possamos ver o sol nascer juntos, sombra do meu coração”.

Os homens de Dois Rios e os mayenenses dariam cobertura às Sábias e às Aes Sedai caso batessem em retirada, ou talvez fosse o contrário. Em todo caso, Bera e Kiruna não pareceram gostar do plano e queriam muito estar junto de Rand.

— Tem certeza de que não vai a cavalo, Lorde Aybara? — perguntou Dobraine do alto de sua sela. Para ele, o pensamento de lutar a pé era quase ofensivo.

Perrin deu um tapinha no machado pendurado em sua cintura.

— Isto aqui não tem muita serventia em cima de um cavalo. — Tinha, na verdade, mas ele não queria expor nem Galope nem Tenaz ao que vinha pela frente. Homens podiam escolher se queriam ou não se lançar no meio de armas e da morte e, como era ele que decidia pelos seus cavalos, naquele dia escolheu não os expor ao perigo. — Quem sabe você não me empresta um estribo quando chegar a hora. — Como cairhienos faziam pouco uso de infantaria, Dobraine ficou chocado, mas logo pareceu entender e fez que sim com a cabeça.

— Está na hora de os flautistas tocarem — avisou Rhuarc, levantando o véu negro, embora ali não fosse haver nenhum flautista tocando, o que desagradou alguns dos Aiel. Muitas das Donzelas não gostavam das tiras de pano que foram obrigadas a amarrar em torno do braço para que os aguacentos as distinguissem das Donzelas Shaido. Elas pareciam achar que qualquer pessoa deveria saber só de olhar.

Formando uma coluna compacta, siswai’aman e Donzelas com véus negros começaram a correr encosta acima, e Perrin desceu com Dobraine para onde Loial já se encontrava de pé à frente dos cairhienos, as duas mãos agarradas com firmeza ao machado e as orelhas apontadas para trás. Aram também estava lá, a pé e armado com a espada. O antigo Latoeiro exibia um sorriso ansioso. Por detrás dos estandartes gêmeos de Rand, Dobraine acenou com os braços para que eles avançassem, e as selas rangeram quando uma pequena floresta de quinhentas lanças foi escalando ao lado dos Aiel.

Nada mudara na batalha, o que foi uma surpresa para Perrin, até ele se dar conta de que só alguns momentos haviam se passado desde a vez anterior que a observara. O intervalo parecera bem maior. A grande massa de Shaido ainda pressionava as forças encurraladas, carroções ainda eram queimados, talvez mais do que antes, os relâmpagos continuavam caindo do céu, e o fogo voava em bolas e vagalhões.

Os homens de Dois Rios estavam quase em posição, com os mayenenses, as Aes Sedai e as Sábias, deslocando-se praticamente sem pressa pela planície de colinas suaves. Perrin os teria mantido mais para trás para dar a eles mais chance de escaparem quando chegasse a hora, mas Dannil continuou insistindo que eles precisavam se aproximar e se posicionar a pelo menos trezentas passadas para que seus arcos fossem eficazes, e Nurelle se mostrara igualmente ansioso para não ficar para trás. Até as Aes Sedai, que Perrin estava convencido de que só precisavam estar perto o bastante para enxergar com clareza, haviam insistido em se aproximar mais. Nenhum dos Shaido notara a presença deles. Ou pelo menos ninguém apontava para a ameaça que se aproximava devagar por trás deles. Ninguém virara o corpo para encará-los. Todos pareciam concentrados em investir contra o círculo de carroções, recuando momentaneamente diante do fogo e dos relâmpagos, mas logo voltando a atacar. Bastaria que um deles olhasse para trás, mas o inferno à frente prendia a atenção deles.