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Oitocentas passadas. Setecentas. Os homens de Dois Rios desmontaram e empunharam os arcos. Seiscentas. Quinhentas. Quatrocentas.

Dobraine sacou sua espada e ergueu-a bem alto.

— Ao Lorde Dragão, a Taborwin e à vitória! — bradou, e o grito ecoou de quinhentas gargantas no momento em que as lanças se posicionaram.

Perrin só teve tempo de agarrar o estribo de Dobraine antes que o cairhieno avançasse com toda a fúria. As longas pernas de Loial acompanhavam os cavalos passada a passada. Deixando o cavalo puxá-lo com passos e saltos compridos, Perrin enviou a mensagem mental. Venham.

Um solo coberto com vegetação marrom, à primeira vista vazio, de repente revelou cerca de mil lobos, grande parte deles esguios lobos marrons da planície, mas também seus primos mais escuros e mais pesados da floresta, correndo rente ao chão para, com os dentes arreganhados, pular nas costas dos Shaido assim que as primeiras flechas compridas de Dois Rios começaram a chover sobre os inimigos mais adiante. Uma segunda leva logo já se arqueava bem alto. Mais relâmpagos caíam junto com as flechas, e novas bolas de fogo surgiram. Os Shaido velados que se viravam para enfrentar os lobos só tiveram alguns instantes para perceber que os animais não eram a única ameaça antes que uma lança Aiel robusta e o machado dos lanceiros cairhienos lhes perfurassem.

Sacando seu machado, Perrin investiu contra um Shaido que vinha em sua direção e, enquanto o homem caía, saltou por cima dele. Eles tinham que alcançar Rand. Tudo dependia daquilo. Ao lado de Perrin, o grande machado de Loial se ergueu, desceu e girou, abrindo caminho com violência. Aram parecia dançar com sua espada, gargalhando ao sair cortando todos os que se punham à sua frente. Não havia tempo para pensar em mais ninguém. Perrin manejava o machado de forma metódica, e era como se derrubasse madeira, não carne. Ele tentava não ver o sangue que jorrava, mesmo quando seu rosto ficou molhado pelos respingos resultantes de seus golpes. Precisava alcançar Rand. Ele estava abrindo um caminho entre arbustos espinhosos, só isso.

Perrin só pensava no próximo homem à sua frente. Escolhia sempre pensar neles como homens mesmo quando a altura indicava que podia se tratar de uma Donzela. Não estava convencido de que poderia girar aquela lâmina em meia-lua que gotejava em vermelho caso se permitisse pensar que estava atacando uma mulher. Apesar do esforço para não ver além, outras coisas acabavam chamando a atenção enquanto ele abria caminho à frente. O golpe prateado de um relâmpago lançou vultos de cadin’sor pelos ares, alguns usando o lenço escarlate, outros não. Um outro raio arremessou Dobraine de cima do cavalo. O cairhieno se pôs de pé com dificuldade, golpeando com a espada em todas as direções. O fogo envolveu um grupo de cairhienos e Aiel, homens e cavalos transformados em tochas a berrar, no caso dos que ainda conseguiam fazê-lo.

Tudo isso se passava diante dos olhos de Perrin, mas ele não se permitia ver nada. Diante dele só havia os homens, os arbustos que deveriam ser podados com os machados dele e de Loial e com a espada de Aram. Foi quando ele avistou algo que lhe tirou a concentração: um cavalo empinando e um cavaleiro caindo, sendo puxado da sela enquanto lanças Aiel o perfuravam. Um cavaleiro com uma armadura peitoral vermelha. E havia mais um das Guardas Aladas, além de um punhado deles, investindo suas lanças, com a pluma de Nurelle tremulando acima do elmo. No momento seguinte, ele viu Kiruna, o rosto sereno e despreocupado, andando feito uma rainha das batalhas por um caminho aberto para ela por três Guardiões e pelos fogos que lhe saltavam das próprias mãos. E lá estava Bera e, um pouco mais além, Faeldrin, Masuri e… O que, sob a Luz, todas elas estavam fazendo ali? O que qualquer uma delas fazia ali? Elas deviam estar com as Sábias!

De algum lugar à frente ouviu-se o reverberar de uma explosão, como o estampido de um trovão rasgando o alarido de gritos e berros. Logo depois, um feixe de luz apareceu a menos de vinte passadas dele, fatiando vários homens e um cavalo feito uma imensa navalha que foi se alargando até virar um portão. Um homem de casaco preto empunhando uma espada saltou de dentro dele e caiu no chão com uma lança Shaido atravessada no peito, mas, no momento seguinte, mais oito ou nove e, armados com espadas, brotaram lá de dentro enquanto o portão se dissipava, formando um círculo ao redor do homem morto. Com mais do que espadas, na verdade. Alguns dos Shaido que vinham em disparada até eles sucumbiam diante das lâminas, mas outros explodiam em chamas. Cabeças estouravam feito melões arremessados de certa altura contra uma pedra. A talvez cem passadas à frente, Perrin achou ter visto um outro círculo de homens de casaco preto cercados por fogo e morte, mas não teve tempo de investigar. Shaido também já o cercavam.

Colocando-se costas com costas com Loial e Aram, ele retalhava e golpeava desesperadamente. Àquela altura, não havia como avançar. Tudo o que ele podia fazer era permanecer ali de pé onde estava. O sangue pulsava em seus ouvidos, e ele era capaz de escutar a si mesmo lutando para respirar. Também conseguia escutar Loial, que resfolegava feito um imenso fole. Com seu machado, Perrin tratou de desviar para o lado a investida de uma lança, rasgou um outro Aiel com o cravo quando girou o machado de volta, segurou a ponta de uma lança com a mão sem nem se preocupar com o corte sangrento que ela abriu, e partiu um rosto coberto pelo véu negro. Achava que eles não iriam resistir por tanto tempo. Cada polegada do seu corpo só se concentrava em permanecer vivo por mais um piscar de olhos. Praticamente cada polegada. Um cantinho da sua mente guardava uma imagem de Faile e o pensamento triste de que ele não seria capaz de se desculpar por não voltar para ela.

Curvado dolorosamente dentro do baú, Rand tateava, ofegante, a blindagem entre ele e a Fonte. Gemidos flutuavam pelo Vazio, uma fúria sinistra e um medo pulsante deslizando por seu limiar. Ele já não tinha mais certeza absoluta do que era dele e o que era de Lews Therin. De repente, sua respiração congelou. Seis pontos, mas um deles tinha ficado rígido. Não macio. Rígido. E, a seguir, um segundo. E um terceiro. Uma gargalhada áspera lhe preencheu os ouvidos. Era dele, percebeu após alguns momentos. Um quarto nó se enrijeceu. Ele esperou, tentando conter o que soava desconfortavelmente como uma risadinha demente. Os dois últimos pontos permaneceram macios. A gargalhada abafada desapareceu.

Elas vão sentir, gemeu Lews Therin, desesperado. Elas vão sentir e chamar as outras de volta.

Rand percorreu os lábios rachados com a língua quase igualmente seca. Toda a água em seu corpo parecia ter ido para o suor que deslizava pelo seu corpo e fazia arder as marcas do açoite. Se ele falhasse, não haveria uma segunda chance. Ele não podia esperar. Talvez nem houvesse uma segunda chance, afinal.

Com toda a cautela, ele tateou às cegas os quatro pontos rígidos. Não havia nada concreto ali, assim como a própria blindagem não era algo que ele pudesse sentir ou enxergar, mas, de alguma forma, ele foi capaz de sentir o contorno daquele nada, sentir sua forma. Como se fossem nós. Em um nó, independentemente de quão apertado ele estivesse, sempre havia espaço entre as cordas, espaços mais finos que um fio de cabelo por onde apenas o ar poderia passar. Devagar, muitíssimo devagar, e meio desajeitado, ele tateou um daqueles espaços e se espremeu pelas frestas infinitesimais entre o que nem parecia estar ali. Devagar. Faltava quanto tempo para as outras voltarem? Se elas começassem tudo de novo antes que ele encontrasse uma maneira de escapar por aquele labirinto tortuoso… Devagar. E, de repente, Rand foi capaz de sentir a Fonte, como se a roçasse com a unha, a pontinha da unha. Saidin ainda estava além dele — a blindagem ainda estava lá, aquela barreira invisível —, mas ele conseguia sentir Lews Therin se enchendo de esperança. Esperança e trepidações. Duas Aes Sedai continuavam segurando suas partes da blindagem, ainda conscientes do que prendiam ali.