Dentro da redoma, o último confronto se encerrou. Sob o olhar de um pequeno punhado de Donzelas e homens identificados com a cor vermelha, Shaido desarmados removiam as roupas com semblantes estoicos. Capturados em batalha, usariam o branco dos gai’shain por um ano e um dia mesmo que os Shaido, de alguma forma, acabassem conseguindo invadir o acampamento. Em número quase igual ao de prisioneiros, cairhienos e mayenenses funcionavam como guardas de um grande grupo de integrantes da Jovem Guarda e Guardiões enfurecidos misturados com serviçais temerosos. Uma dúzia de Aes Sedai estava sendo blindada por um número igual de Asha’man usando a espada e o Dragão. As Aes Sedai tinham um aspecto combalido e amedrontado. Rand reconheceu três, embora Nesune fosse a única de cujo nome ele se lembrava. Não reconheceu nenhum dos captores Asha’man. Várias das mulheres que Rand blindara e deixara inconscientes estavam entre as prisioneiras, algumas delas começando a acordar, enquanto soldados de casaco preto e Dedicados com a espada prateada nos colarinhos usavam saidin para arrastar outras pelo chão e juntá-las à fileira. Alguns deles estavam trazendo as duas Aes Sedai inconscientes e a mulher magra do bosque. Ela ainda gritava. Quando foram levadas para perto do grupo, algumas das Aes Sedai vomitaram.
Havia outras Aes Sedai presentes, essas cercadas por Guardiões e vigiadas por homens de casaco preto, ainda que não blindadas, e elas observavam os Asha’man com o mesmo desconforto com que o faziam as mulheres já presas. Também fitavam Rand e, não fosse pelos Asha’man, claramente teriam ido até ele. Rand as encarava de volta. Alanna estava entre elas. Ele não estivera alucinando. Rand não reconheceu todas as que a acompanhavam, mas um número suficiente delas. Eram nove no total. Nove. Uma fúria súbita arremeteu contra o Vazio, e o zumbido de mosca de Lews Therin foi ficando mais intenso.
Àquela altura, Rand mal ficou surpreso ao ver Perrin se levantar cambaleante, o rosto e a barba ensanguentados, seguido por um Loial mancando com seu enorme machado e por um sujeito de olhos brilhantes que, com seu casaco de listras vermelhas, aparentava ser um Latoeiro, apesar da espada que carregava, a lâmina completamente ensanguentada. Rand quase olhou em volta para ver se Mat, de alguma forma, também não estaria ali. Avistou Dobraine, a pé com uma espada numa mão e o mastro do estandarte carmesim de Rand na outra. Nandera se juntou a Perrin, deixando seu véu cair, além de uma outra Donzela que Rand, de início, quase não reconheceu. Foi bom ver Sulin usando o cadin’sor outra vez.
— Rand — disse Perrin, sem fôlego —, graças à Luz você ainda está vivo. Nossa ideia era você abrir um portão para escaparmos daqui, mas não podemos. Rhuarc e a maioria dos Aiel ainda estão entre os Shaido, a maior parte dos mayenenses e cairhienos também, e eu não sei o que aconteceu com o pessoal de Dois Rios nem com as Sábias. As Aes Sedai deveriam ter ficado com eles, mas… — Ele colocou a cunha do machado no solo e, com uma careta de dor, se apoiou no cabo. Dava a impressão de que, sem aquele suporte, poderia desabar no chão.
Ao longo da barreira, surgiam homens a cavalo, bem como Aiel com lenços vermelhos e Donzelas também com tiras vermelhas amarradas nos braços. A barreira também os isolava. Onde quer que aparecessem, os Shaido os atacavam feito um enxame e os engoliam.
— Desfaçam essa redoma — ordenou Rand.
Surpreendentemente, Perrin suspirou aliviado. Será que ele tinha achado que Rand deixaria seu próprio povo ser trucidado? Mas Loial também suspirou. Luz, o que eles pensavam a respeito dele? Min começou a lhe esfregar as costas, murmurando baixinho em um tom tranquilizador. Por alguma razão, Perrin dirigiu a ela um olhar bastante surpreso.
Taim poderia estar surpreso, mas com certeza não estava aliviado.
— Milorde Dragão — disse ele com a voz tensa —, eu diria que ainda há várias centenas de mulheres Shaido lá fora, algumas, ao que parece, nada fracas no Poder. E isso sem falar nos milhares de Shaido com suas lanças. A menos que você realmente queira descobrir se é imortal, sugiro esperar algumas horas até conhecermos este lugar bem o bastante para abrir portões com relativa certeza de onde eles vão dar, e então irmos embora. Batalhas geram baixas. Perdi vários soldados hoje, nove homens que vão ser mais difíceis de serem substituídos do que qualquer quantidade de renegados Aiel. Quem quer que morra aí fora está morrendo pelo Dragão Renascido. — Se o homem estivesse prestando a mínima atenção a Nandera e Sulin, poderia ter moderado seu tom de voz e escolhido as palavras com mais cuidado. Rápidos gestos na linguagem de sinais foram trocados entre as duas, que pareciam prontas para matá-lo ali mesmo.
Perrin forçou-se a se endireitar, os olhos amarelos cravados em Rand, firmes e ansiosos ao mesmo tempo.
— Rand, mesmo que Dannil e as Sábias tenham ficado para trás conforme o plano, eles não vão embora enquanto virem isto. — Ele gesticulou para a redoma acima deles, onde o fogo e os relâmpagos criavam uma explosão de luz constante. — Se ficarmos horas e horas aqui parados, os Shaido, mais cedo ou mais tarde, vão atrás deles, isso se já não tiverem ido. Luz, Rand! Dannil, Ban, Wil, Tell… Amys está lá, e Sorilea, e…! Que o queime, Rand, mais gente já morreu por você do que imagina! — Perrin respirou fundo. — Pelo menos me deixe sair. Se eu conseguir chegar até lá, vou poder contar que você está vivo e eles vão poder bater em retirada antes de serem mortos.
— Dois de nós podem escapulir — opinou Loial com calma, erguendo aquele machado imenso. — Se formos nós dois, teremos mais chances de conseguir. — O Latoeiro apenas sorriu, mas parecia mal poder esperar pela batalha.
— Eu vou abrir um buraco na barreira — começou a dizer Taim, mas Rand o interrompeu com contundência.
— Não! — Não pelo povo de Dois Rios. Ele não podia parecer se preocupar nem um pouco a mais com eles que com as Sábias. Verdade seja dita, tinha que parecer se preocupar ainda menos. Amys estava lá? As Sábias nunca participavam de confrontos, permaneciam intocadas em meio a batalhas e rixas de sangue. Vindo atrás dele, elas haviam quebrado os costumes ou até mesmo as leis. Seria mais fácil deixar Perrin voltar para aquele banho de sangue do que abandoná-las. Mas não podia ser pelas Sábias nem pelo povo de Dois Rios. — Sevanna quer a minha cabeça, Taim. Ao que parece, ela achava que podia conseguir isso hoje. — O tom distante que o Vazio conferia à voz dele era apropriado. Porém, aquilo pareceu preocupar Min, que lhe esfregava as costas como que para acalmá-lo. — Quero que ela se dê conta do erro que cometeu. Eu falei para você criar armas, Taim. Mostre para mim como elas são mortais. Disperse os Shaido. Acabe com eles.
— Como ordenar. — Se antes Taim estivera rígido, agora virara uma pedra.
— Ponham meu estandarte no alto de modo que eles consigam enxergar — ordenou Rand. Pelo menos isso mostraria para todos lá fora quem comandava o acampamento. Talvez as Sábias e o povo de Dois Rios recuassem quando o vissem.