— Então esqueça as honras e lembre-se da Última Batalha. Tudo o que eu faço é pensando em Tarmon Gai’don. Tudo o que eu mandar você fazer será com isso em mente. Você deve pensar sempre em Tarmon Gai’don!
— É claro. — Taim estendeu as mãos. — Você é o Dragão Renascido. Não tenho dúvidas, reconheço isso publicamente. Nós marchamos para Tarmon Gai’don. E as Profecias afirmam que você sairá vitorioso. E as histórias vão lembrar que Mazrim Taim foi seu braço direito.
— Talvez — respondeu Rand, em um tom rude. Vivera profecias demais para acreditar que qualquer uma delas se realizava exatamente do jeito que prometia. Ou que eram garantia de alguma coisa. Acreditava que as profecias estabeleciam as condições necessárias para determinado acontecimento. Só que satisfazer as condições não era garantia de que tal coisa fosse ocorrer, apenas de que poderia ocorrer. Algumas condições fixadas pelas Profecias do Dragão eram mais do que indicativos de que ele teria de morrer para ter qualquer chance de vitória. Pensar nisso não o ajudava a manter o temperamento sob controle. — Queira a Luz que essa sua oportunidade não chegue tão cedo. Agora… que conhecimentos você tem de que eu possa fazer uso? Consegue ensinar homens a canalizar? Consegue testar um homem para saber se ele tem condições de aprender? — Ao contrário das mulheres, um homem capaz de canalizar não conseguia simplesmente sentir a habilidade de outro. As diferenças entre homens e mulheres em relação ao Poder Único eram quase tantas quanto as que havia entre homens e mulheres no geral. Às vezes, essas diferenças eram sutis feito um fio de cabelo, outras, eram tão opostas quanto pedra e seda.
— E a sua anistia? Quer dizer que realmente apareceram alguns imbecis querendo aprender a ser como eu e você?
Bashere apenas encarava Taim, cheio de desprezo, os braços cruzados e os pés bem afastados, mas Tumad e os guardas se remexiam, incomodados. As Donzelas, não. Rand não fazia ideia de como as Donzelas se sentiam em relação ao número de homens que havia respondido ao seu chamado, elas nunca demonstravam coisa alguma. Com a lembrança de Taim como falso Dragão ainda pulsando forte, poucos saldaeanos conseguiam esconder a inquietação.
— Só me responda, Taim. Se puder fazer o que eu quero, então diga. Se não puder… — Era a raiva dentro dele que falava. Não podia mandar o homem embora, não com uma nova luta a cada dia. Taim, no entanto, parecia crer que Rand faria isso.
— Consigo fazer as duas coisas — respondeu, mais do que depressa. — Encontrei cinco ao longo dos anos… não que eu estivesse procurando… mas apenas um teve coragem de prosseguir, depois de ser testado. — Ele hesitou, então acrescentou: — Ele enlouqueceu dois anos depois. Tive que matá-lo antes que ele me matasse.
Dois anos.
— Você consegue refrear a loucura há muito mais tempo. Como?
— Está preocupado? — murmurou Taim, então deu de ombros. — Não posso ajudar. Não sei como, eu simplesmente consigo e pronto. Estou lúcido como… — Ele voltou os olhos na direção de Bashere, ignorando o olhar impassível do homem. — Como Lorde Bashere.
De repente, Rand foi tomado por dúvidas. Metade das Donzelas voltara a observar o pátio. Elas nunca se mantinham tão atentas a uma possível ameaça a ponto de ignorar outras. A possível ameaça era Taim, e a segunda metade das Donzelas ainda tinha os olhos cravados nele e em Rand, querendo captar o menor indício de que a ameaça se tornasse real. Qualquer homem estaria atento àquilo, àquelas mulheres com uma ameaça de morte súbita nos olhos, nas mãos. Rand estava ciente, e elas estavam ali para protegê-lo. Tumad e os outros guardas ainda mantinham as mãos nos cabos das espadas, prontos para empunhá-las outra vez. Se os homens de Bashere e os Aiel decidissem matar Taim, seria bem difícil que ele escapasse daquele pátio, por mais que canalizasse, a não ser que Rand o ajudasse. Ainda assim, Taim dispensava aos soldados e às Donzelas a mesma atenção que à colunata e às pedras do pavimento. Seria coragem, genuína ou fingida, ou algo mais? Uma espécie de loucura?
Depois de um instante de silêncio, Taim prosseguiu.
— Você ainda não confia em mim. Não há motivos para isso. Ainda. Com o tempo, você vai confiar. Em consideração a essa futura confiança, eu lhe trouxe um presente.
Ele puxou um embrulho surrado de debaixo do casaco, um pouco maior do que dois punhos de um homem.
Franzindo o cenho, Rand apanhou o embrulho e prendeu a respiração ao sentir a forma rígida envolta em pano. Puxou depressa os trapos multicoloridos, revelando um disco do tamanho de sua palma — um disco igual ao do estandarte escarlate pendurado no alto do palácio, metade branco e metade negro: o antigo símbolo dos Aes Sedai, de antes da Ruptura do Mundo. Passou os dedos pelas duas lágrimas gêmeas.
Apenas sete daqueles haviam sido fabricados, todos de cuendillar. Selos da prisão do Tenebroso, selos que mantinham o Senhor das Trevas apartado do mundo. Rand estava de posse de outros dois, ambos muito bem escondidos. Muito bem protegidos. Nada era capaz de destruir cuendillar, nem mesmo o Poder Único — a borda de uma taça delicada feita de pedra-do-coração era capaz de riscar aço e diamante —, mas três dos sete tinham sido destruídos. Ele os vira estilhaçados. E vira Moiraine arrancar uma lasca da borda de um deles. Os selos estavam se enfraquecendo, só a Luz sabia como ou por quê. O disco em suas mãos ainda apresentava a rigidez lustrosa de cuendillar, parecia uma mistura da mais fina porcelana com metal polido… mas ele tinha certeza de que se quebraria, se o deixasse cair nas pedras a seus pés.
Três quebrados. Estava de posse de outros três. Onde estaria o sétimo? Restavam apenas quatro selos entre a humanidade e o Tenebroso. Quatro, se o último ainda estivesse inteiro. Apenas quatro separavam a humanidade da Última Batalha. Enfraquecidos como estavam, será que ainda continham bem a prisão?
A voz de Lews Therin irrompeu como um trovão. Quebre quebre todos você precisa quebrar todos precisa precisa precisa quebrar todos quebre e ataque você precisa atacar depressa precisa atacar agora quebre quebre quebre…
Rand estremeceu com o esforço de lutar contra aquela voz, repelindo um nevoeiro que se grudava à sua mente feito teias de aranha. Seus músculos doíam, como se ele lutasse contra um gigante de carne e osso. Aos poucos, foi empurrando o nevoeiro de Lews Therin para as entranhas mais profundas, as sombras mais ocultas que podia encontrar dentro da própria mente.
De súbito, ouviu as palavras que murmurava, com a voz rouca.
— Precisa quebrar agora quebre tudo quebre quebre quebre.
Percebeu que segurava o selo acima da cabeça, prestes a esmagá-lo no pavimento branco. A única coisa que o impedia era Bashere, nas pontas dos pés, as mãos erguidas agarrando seus braços.
— Eu não sei o que é isso — murmurou o Marechal-General —, mas você não acha melhor esperar um pouco antes de quebrar?
Tumad e os outros já não olhavam para Taim: encaravam Rand, embasbacados. Até as Donzelas o observavam, os olhos cheios de preocupação. Sulin fez menção de dar um passo em direção aos homens, e Jalani, sem nem perceber, estendeu a mão para Rand.
— Realmente. — Rand engoliu em seco. A garganta doía. — É melhor não.
Bashere deu um passo atrás, hesitante, e Rand baixou a mão que segurava o selo, também hesitante. Se Rand considerara Taim imperturbável, agora tinha uma prova do contrário. O rosto do falso Dragão estava tomado pelo choque.
— Você sabe o que é isso, Taim? — inquiriu. — Deve saber, ou não teria trazido para mim. Onde foi que encontrou isso? Tem outro? Sabe onde está?
— Não — respondeu Taim, a voz instável. Não exatamente de medo, parecia mais um homem que presenciara um despenhadeiro se desintegrar sob seus pés e de repente, de alguma forma, se vira de volta em solo firme. — Esse é o único que eu… Ouvi toda sorte de rumores desde que fugi das Aes Sedai. Monstros surgindo do meio do nada. Feras estranhas. Homens falando com animais, e os animais respondendo. Aes Sedai enlouquecendo como deveria acontecer conosco. Aldeias inteiras enlouquecendo, matando umas às outras. Alguns podem ser verdade. Metade do que eu sei ser verdade é igualmente doido. Ouvi dizer que alguns dos selos tinham sido destruídos. Um martelo poderia quebrar esse aí.