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CAPÍTULO 3

Os olhos de uma mulher

Contendo a própria irritação — e os murmúrios de Lews Therin —, Rand tentou tocar saidin, lançando-se à já familiar batalha por controle e sobrevivência em meio ao vazio. A mácula vinha em uma torrente enquanto ele canalizava. Mesmo no vazio dava para senti-la se embrenhando em seus ossos, talvez até em sua alma. Não havia outra forma de descrever o que estava fazendo, além de dizer que era um vinco no Padrão, um buraco. Aprendera isso sozinho, já que seu professor não tivera muito êxito em explicar nem mesmo o que jazia por detrás das coisas que ensinava. Uma linha vertical brilhante surgiu no ar, expandindo-se depressa até virar uma abertura do tamanho de uma porta larga. O que se via através dela parecia distorcida, uma clareira iluminada pelo sol em meio a árvores afetadas pela seca, tudo girando até parar.

Enaila e mais duas Donzelas ergueram os véus e saltaram pouco antes que a abertura se firmasse. Meia dúzia de outras as seguiram, algumas com os arcos de chifre a postos. Rand não esperava que houvesse nada ali contra o qual fosse preciso proteção. Fizera com que o outro extremo da abertura — isso se houvesse outro extremo: Rand não entendia como funcionava, mas parecia existir apenas um lado da coisa — fosse no meio da clareira porque talvez abrir um portal entre as pessoas fosse perigoso, mas dizer às Donzelas — ou a qualquer Aiel — que não era preciso manter-se alerta era como dizer a um peixe que não era preciso nadar.

— Isso é um portão — explicou a Taim. — Posso mostrar a você como fazer, se não tiver entendido.

O homem o encarava. Se tivesse prestado atenção, teria visto a tessitura de saidin sendo feita. Qualquer homem capaz de canalizar poderia vê-la.

Taim juntou-se a Rand para adentrar a clareira, com Sulin e as outras Donzelas trás. Algumas lançaram um olhar de desdém à espada na cintura de Rand, ao passar por ele em fila, gesticulando rápida e silenciosamente na língua de sinais das Donzelas. Indignadas, decerto. Enaila e a vigia à frente já haviam se separado, cautelosas, por entre as árvores esquálidas e sem cor. Seus casacos e calças, o cadin’sor, mesclavam seus corpos às sombras, mesmo sem terem acrescentado verde ao cinza e marrom. Com o Poder dentro de si, Rand conseguia ver cada agulha dos pinheiros, a maioria morta. Sentia o odor azedo da seiva das folhas-de-couro. O próprio ar tinha um cheiro quente, seco e empoeirado. Não havia perigo para ele ali.

— Espere, Rand al’Thor — chamou uma voz insistente de mulher, do outro lado da abertura. A voz de Aviendha.

Na mesma hora, Rand soltou saidin e a trama. A abertura fechou-se em um piscar de olhos, do mesmo modo que se abrira. Havia perigos e perigos. Taim o encarou, curioso. Algumas das Donzelas, veladas e desveladas, também lhe lançaram olhares ligeiros. Olhares reprovadores. Gesticularam na linguagem das Donzelas. Contudo, tinham o bom senso de manter a boca fechada — Rand se fizera muito claro a respeito disso.

Ignorando tanto a curiosidade quanto a desaprovação, Rand avançou pelas árvores com Taim a seu lado, folhas e galhos mortos se partindo sob seus pés. As Donzelas, avançando em um largo círculo ao redor deles, não emitiam qualquer som sob as botas macias e amarradas até os joelhos. Algumas já tinham feito essa jornada com Rand, sempre sem nenhum incidente, mas nada jamais as convenceria de que aquelas matas não eram um bom local para uma emboscada. Antes de Rand, a vida no Deserto amargara quase três mil anos de ataques, escaramuças, rixas e guerras que tempo nenhum poderia mitigar.

Sem dúvida havia coisas que ele poderia aprender com Taim — mesmo que não tantas quanto o sujeito pensara que poderia ensinar —, mas o aprendizado era uma via de mão dupla, e estava na hora de ele começar a instruir o mais velho.

— Ao meu lado, cedo ou tarde você terá que enfrentar os Abandonados. Talvez antes da Última Batalha. Provavelmente antes. Você não parece surpreso.

— Ouvi rumores. Alguma hora eles iam se libertar.

Então as notícias estavam se espalhando. Sem querer, Rand abriu um sorriso. As Aes Sedai não iam gostar. Além de tudo o mais, havia um certo prazer em lhes dar uma cutucada.

— Você precisa estar pronto para qualquer coisa, a qualquer momento. Trollocs, Myrddraal, Draghkar, Homens Cinza, gholam

Ele hesitou, acariciando o longo punho da espada com a palma da mão marcada pela garça. Não fazia ideia do que era um gholam. Lews Therin não tinha se pronunciado, mas ele sabia que era de lá que vinha o nome. Às vezes alguns pensamentos fragmentados penetravam a fina barreira entre ele e aquela voz e se tornavam parte das lembranças de Rand, em geral sem qualquer explicação. Nos últimos tempos, vinha acontecendo com mais frequência. Não era algo contra o qual ele pudesse lutar, como a voz. A hesitação durou apenas um instante.

— Não só no norte, perto da Praga. Mas também aqui ou em qualquer lugar. Eles estão usando os Caminhos.

Era outra coisa que precisava resolver. Mas como? Criados a partir de saidin, os Caminhos tinham se perdido nas trevas, tão maculados quanto saidin. As Crias da Sombra não conseguiam evitar todos os perigos dos Caminhos — a maioria, na melhor das hipóteses, fatal para os homens —, mas, de alguma maneira, ainda eram capazes de viajar por eles. Mesmo que percorrer os Caminhos não fosse tão rápido quanto cruzar um portão, era possível avançar centenas de milhas em um só dia viajando por eles. Esse problema teria que ficar para depois. Deixara muitos problemas para depois. Tinha muitos problemas para agora. Irritado, golpeou uma folha-de-couro com o Cetro do Dragão; fragmentos de folhas largas e resistentes caíram pelo chão, quase todos marrons.

— Se a criatura já foi mencionada em alguma lenda, pode ter certeza de que virá nos atacar. Até mesmo Cães das Trevas, embora, nesse caso, se eles fazem mesmo parte da Caçada Selvagem, pelo menos o Tenebroso não está livre para vir cavalgando atrás deles. Os Cães sozinhos já são bem ruins. Tem como matar algumas dessas Crias da Sombra do modo como as lendas instruem, mas outros só morrem com fogo devastador, disso eu tenho certeza. Você conhece o fogo devastador? Se não, é uma coisa que não vou ensinar. Se conhece, não use em nada, só nas Crias da Sombra. E não ensine a ninguém.

“A origem de alguns desses rumores que você ouviu pode ser… não sei bem como chamá-las, uso a expressão ‘bolhas de mal’. São como aquelas bolhas que às vezes despontam em algum pântano, só que essas emergem do Tenebroso à medida que os selos se enfraquecem. Em vez de odores pútridos, são cheias de… de mal. Ficam pairando pelo Padrão até estourar, então, quando estouram, qualquer coisa pode acontecer. Qualquer coisa. Seu próprio reflexo pode pular para fora do espelho e tentar matá-lo. Pode acreditar.”

Se a ladainha estava deixando Taim preocupado, ele não demonstrou. Apenas respondeu:

— Eu já estive na Praga, já matei Trollocs e Myrddraal. — Ele afastou um galho baixo do caminho e segurou-o para que Rand passasse. — Nunca ouvi falar nesse tal de fogo devastador, mas se um Cão das Trevas vier atrás de mim, darei um jeito de matá-lo.

— Bom — respondeu Rand, tanto sobre a ignorância de Taim quanto à autoconfiança. O fogo devastador era um fragmento de conhecimento que Rand não se importaria de ver desaparecer do mundo. — Com sorte, você não vai encontrar nada disso por aqui, mas nunca dá para ter certeza.

A mata de súbito terminou e deu lugar a uma fazenda, com uma ampla casa de dois andares e telhado de palha, a construção desgastada pelo tempo, fumaça subindo de uma das chaminés e um grande celeiro meio inclinado. O dia ali não estava mais fresco do que na cidade a algumas milhas de distância, o sol, não menos escaldante. Galinhas ciscavam, duas vacas pardas ruminavam em um cercadinho de ripas, um rebanho de cabras pretas amarradas se ocupava em arrancar as folhas dos arbustos ao alcance e uma carroça de rodas altas jazia à sombra do celeiro, mas o lugar não parecia uma fazenda. Não havia campo à vista: o entorno era todo ocupado por florestas, cortadas apenas pelo sinuoso caminho de terra batida que se estendia para o norte, usado para as raras excursões até a cidade. E havia gente demais.