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O homem não tira a mão de dentro do seu paletó. E neste instante, Maureen teve a idéia que talvez mudasse um pequeno incidente em uma grande possibilidade.

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— Posso ajudar? Posso ir até ele?

A mão parece relaxar um pouco, mas os olhos continuam prestando atenção a cada movimento que ela fazia.

— Vou com vocês. Conheço Javits Wild. Sou sua amiga.

No que pareceu uma eternidade, mas que não deve ter durado mais que uma fração de segundo, o homem virou-se e saiu andando a passos rápidos em direção à Croisette, sem dizer uma só palavra.

A cabeça de Maureen funcionava a todo vapor. Por que ele havia dito que ela sabia o que tinha acontecido? E por que, subitamente, havia perdido por completo o interesse nela?

Os outros convidados não notam absolutamente nada — exceto o barulho da sirene, que possivelmente atribuem a algo que tinha acontecido na rua. Mas sirenes não combinam com alegria, sol, bebidas, contatos, belas mulheres, belos homens, gente pálida e gente bronzeada. Sirenes pertencem a outro mundo, onde existem acidentes, ataques cardíacos, doenças, crimes. Sirenes não interessavam nem um pouco a nenhuma das pessoas que estava ali.

A cabeça de Maureen pára de girar. Algo tinha acontecido com Javits, e isso era um presente dos céus. Corre até a porta, vê uma ambulância a toda velocidade na pista interditada, de novo com as sirenes ligadas.

— É meu amigo! — diz para um dos guarda-costas na entrada.

— Para onde foi levado?

O homem dá o nome de um hospital. Sem refl etir um só instante, Maureen começa a correr em busca de um táxi. Dez minutos depois entende que não há táxis na cidade, exceto aqueles chamados pelos porteiros de hotel, graças a generosas gorjetas. Como está sem dinheiro no bolso, entra em uma pizzaria, mostra o mapa que carrega consigo, aprende que deve continuar a correr pelo menos durante meia hora em direção ao seu objetivo.

Tinha corrido a vida inteira, isso não faria muita diferença.

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1:00 PM

— Bom dia.

— Boa tarde — uma delas responde. — Já passou do meio-dia.

Exatamente como tinha imaginado. Cinco moças parecidas fi sicamente com ela. Todas maquiadas, de pernas de fora, decotes provocantes, ocupadas com seus telefones e seus SMS.

Nenhuma conversa, porque já se reconhecem como almas gê-

meas, tendo passado pelas mesmas difi culdades, aceitado sem reclamar os nocautes, enfrentado os mesmos desafi os. Todas procurando acreditar que um sonho não tinha data para terminar, a vida pode mudar de uma hora para a outra, o momento certo está esperando, a vontade está sendo testada.

Todas possivelmente tinham brigado com suas famílias, que acreditavam que a fi lha terminaria na prostituição.

Todas tinham já subido no palco, experimentado a agonia e o êxtase de ver o público, saber que as pessoas tinham os olhos cravados na cena diante delas, sentido a eletricidade no ar e aplausos no fi -

nal. Todas imaginaram centenas de vezes que alguém da Superclasse estivesse na platéia, e um dia seriam procuradas no camarim depois do espetáculo com algo mais concreto além de propostas para jantar, pedidos de telefone, cumprimentos pelo excelente trabalho.

Todas já tinham aceito três ou quatro desses convites, até entenderem que aquilo não levava a lugar nenhum além da cama de um homem normalmente mais velho, poderoso, mas interessado apenas na conquista. E geralmente casado, como todo homem interessante.

Todas tinham um namorado jovem, mas quando alguém perguntava o estado civil, diziam: “Livre e desimpedida.” Todas achavam que conseguiam dominar bem a situação. Todas escutaram centenas de vezes que tinham talento, faltava uma oportunidade, e ali, diante delas, estava a pessoa que iria transformar por completo suas vidas.

Todas acreditaram algumas vezes. Todas caíram na armadilha do 8 7

excesso de confi ança e se julgaram donas da situação, até se darem conta no dia seguinte de que o telefone que haviam recebido caía no ramal de uma secretária mal-humorada, que não passava, de jeito nenhum, a chamada para o patrão.

Todas já tinham ameaçado contar que foram enganadas, dizendo que venderiam a história para os jornais de escândalo. Nenhuma delas fez isso, porque ainda estavam na fase do “não posso me quei-mar no meio artístico”.

Possivelmente, uma ou duas delas haviam passado pela prova de Alice no País das Maravilhas, e agora queriam provar à família que eram mais capazes do que pensavam. Por sinal, as famílias já haviam visto suas fi lhas em comerciais, pôsteres ou outdoors espalhados pela cidade e, depois das brigas iniciais, estavam absolutamente convencidas de que o destino de suas meninas era um só: Brilho e glamour.

Todas pensaram que o sonho era possível, que um dia iriam reconhecer seu talento, até compreenderem que só existe uma única palavra mágica naquele ramo:

“Contatos.”

Todas haviam distribuído seus books assim que chegaram a Cannes. E fi cavam vigiando o celular, freqüentando os lugares possíveis, tentando entrar nos lugares impossíveis, sonhando que alguém as convidasse para as festas durante a noite, e para o maior de todos os prêmios: o tapete vermelho do Palácio do Congresso. Mas aquele era talvez o sonho mais difícil de realizar — tão difícil que sequer confessavam a si mesmas, para evitar que os sentimentos de rejeição e de frustração terminassem por destruir a alegria que precisavam mostrar de qualquer jeito, mesmo que não estivessem contentes.

Contatos.

Através de muitos encontros errados, conseguiram um ou outro que as levou a algum lugar. Por isso estavam ali. Porque tinham contatos, e através deles um produtor da Nova Zelândia as havia 8 8

chamado. Nenhuma perguntava para quê; sabiam apenas que precisavam ser pontuais, já que ninguém tinha tempo a perder, muito menos as pessoas da indústria. Só quem tinha mesmo tempo disponível eram elas, as cinco moças na sala de espera, ocupadas com seus celulares e suas revistas, enviando compulsivamente SMS para ver se tinham sido convidadas para alguma coisa naquele dia, tentando falar com os amigos, e jamais se esquecendo de dizer que no momento não estavam disponíveis, tinham um encontro muito importante com um produtor de cinema.

Gabriela foi a quarta pessoa a ser chamada. Tentara ler o que dizia os olhos das três primeiras que saíram da sala sem dizer palavra, mas todas eram... atrizes. Capazes de esconder qualquer sentimento de alegria ou tristeza. Caminhavam decididas para a porta de saída, desejavam “boa sorte” com uma voz fi rme, como se dissessem: “Não precisam fi car nervosas, meninas, vocês não têm mais nada a perder.

O papel já é meu.”

Uma das paredes do apartamento estava coberta por um pano negro. No chão, cabos elétricos de todos os tipos, luzes cobertas por uma armação de arame, onde haviam montado uma espécie de guarda-chuva com um pano branco estendido adiante. Equipamento de som, monitores, e uma câmera de vídeo. Pelos cantos estavam garrafas de água mineral, maletas de metal, tripés, folhas espalhadas, e um computador. Sentada no chão, uma mulher de óculos, de aproximadamente 35 anos, folheava seu book.

— Horrível — diz, sem olhar para ela. — Horrível — repetia.

Gabriela não sabe exatamente o que fazer. Talvez fi ngir que não está escutando, ir para o canto onde o grupo de técnicos conversa animadamente enquanto acende um cigarro atrás do outro, ou simplesmente fi car parada.

— Detesto essa — continuou a mulher.

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— Sou eu.

Era impossível controlar a língua. Tinha saído correndo por metade de Cannes, fi cado quase duas horas em uma sala de espera, sonhado mais uma vez que sua vida ia mudar para sempre (embora estes delírios estivessem cada vez mais sob controle, e já não se deixava excitar tanto como antigamente), e não precisava de mais nada para deprimi-la.

— Sei disso — disse a mulher, sem tirar os olhos das fotos. — Devem ter custado uma fortuna. Tem gente que vive de fazer books, escrever currículos, dar cursos de teatro, enfi m, ganhar dinheiro por causa da vaidade de gente como você.