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“Pode ser. Mas quanto tempo demorará? Você sabe a sua idade, não sabe?”

Sim, claro. Vinte e cinco anos, em uma carreira que as atrizes, mesmo as mais esforçadas... etc.

Não precisa repetir isso. Paga o sanduíche e o café, caminha até o cais — desta vez tentando controlar seu otimismo, policiando-se para não chamar as pessoas de aventureiras, recitando mentalmente as regras de pensamento positivo de que consegue se lembrar —

assim evita pensar no encontro.

“Se você acredita na vitória, a vitória acreditará em você.”

“Arrisque tudo em nome da oportunidade, e afaste-se de tudo que lhe ofereça um mundo de conforto.”

“Talento é um dom universal. Mas é preciso muita coragem para usá-lo; não tenha medo de ser a melhor.”

Não basta concentrar-se naquilo que dizem os grandes mestres, é preciso pedir ajuda dos céus. Começa a rezar, como faz sempre que está angustiada. Sente que precisa fazer uma promessa, e decide ir andando de Cannes até o Vaticano, se conseguir o papel.

Se o fi lme for realmente feito.

“Se tiver um grande sucesso mundial.”

Não, bastava participar de um fi lme com Gibson, porque isso chamaria a atenção de outros diretores e produtores. Se isso acontecer, fará a peregrinação prometida.

Chega no lugar indicado, olha o mar, verifi ca de novo a mensagem que recebera da agente; se ela já sabia, é porque o compromisso devia ser realmente sério. Mas o que signifi cava aceitar qualquer coisa? Dormir com o diretor? Com o ator principal?

Nunca fi zera isso antes, mas agora está disposta a tudo. E, no fundo, quem não sonha dormir com uma das grandes celebridades do cinema?

Volta a concentrar-se no mar. Podia ter passado em casa para mudar de roupa, mas é supersticiosa: se chegara até aquele cais com um 1 4 4

jeans e uma camiseta branca, devia pelo menos esperar até o fi nal do dia para qualquer mudança no fi gurino. Afrouxa o cinto, senta-se em posição de lótus, e começa a praticar ioga. Respira lentamente, e seu corpo, seu coração, seu pensamento, tudo parece voltar ao lugar.

Vê a lancha se aproximando, um homem que salta e se dirige até ela:

— Gabriela Sheery?

Ela faz sinal afi rmativo com a cabeça, o homem pede que o acompanhe. Entram na lancha, começam a navegar por um mar congestionado de iates de todos os tipos e tamanhos. Não lhe dirige qualquer palavra, como se estivesse longe dali, talvez também sonhando com o que se passa nas cabines desses pequenos navios, e como seria bom ser proprietário de um. Gabriela hesita: sua cabeça está cheia de perguntas, de dúvidas, e qualquer palavra simpática pode fazer com que o desconhecido se transforme em um aliado, ajudando-a com preciosas informações sobre a maneira de se comportar neste momento. Mas quem é ele? Será que tem alguma infl uência junto a Gibson, ou é apenas um funcionário de quinta categoria, que se encarrega de trabalhos como pegar atrizes desconhecidas e levá-las até o patrão?

Melhor fi car quieta.

Cinco minutos depois param ao lado de um gigantesco barco todo pintado de branco. Pode ler o nome escrito na proa: Santiago.

Um marinheiro desce uma escada, e a ajuda a subir a bordo. Passou pelo amplo salão central onde, pelo visto, estão preparando uma grande festa para aquela noite. Vão até a popa, onde há uma pequena piscina, duas mesas com guarda-sóis, algumas espreguiçadeiras.

Desfrutando o sol daquele início de tarde, ali estão Gibson e a Celebridade!

“Não me incomodaria de dormir com nenhum dos dois”, diz, sorrindo para si mesma. Sente-se mais confi ante, embora seu coração esteja mais acelerado que de costume.

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A Celebridade a olha de alto a baixo, e dá um sorriso simpático, tranqüilizador. Gibson aperta sua mão de maneira fi rme e decidida, levanta-se, pega uma das cadeiras que estava em torno da mesa mais próxima, e pede que se sente.

Telefona para alguém, e pede o número de um quarto de hotel.

Repete alto, olhando para ela.

Era o que imaginava. Quarto de hotel.

Desliga o telefone.

— Saindo daqui, vá até esta suíte no Hilton. Ali estão expostos os vestidos de Hamid Hussein. Esta noite você está convidada para a festa em Cap d’Antibes.

Não era o que imaginava. O papel era seu! E a festa em Cap d’Antibes, a festa em CAP D’ANTIBES!

Ele se vira para a Celebridade.

— Que lhe parece?

— Melhor escutar um pouco o que ela tem a dizer.

Gibson acena positivamente com a cabeça, fazendo sinal com a mão que sugere “Conte um pouco de você mesma”. Gabriela co-meça com o curso de teatro, os anúncios de que havia participado.

Repara que os dois já não estão mais prestando atenção, devem ter escutado esta mesma história milhares de vezes. Mesmo assim, não consegue parar, fala cada vez mais rápido, achando que não tem mais nada a dizer, a oportunidade de sua vida depende de uma palavra certa que não consegue achar. Respira fundo, procura demonstrar que está à vontade, quer ser original, graceja um pouco, mas é incapaz de sair do roteiro que sua agente ensinou a seguir em um momento como esses.

Dois minutos depois é interrompida por Gibson.

— Perfeito, isso tudo nós sabemos através do seu currículo. Por que não fala sobre você?

Alguma barreira interior se estraçalha sem qualquer aviso. Em vez de entrar em pânico, sua voz agora é mais calma e mais fi rme.

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— Sou apenas mais uma das milhões de pessoas no mundo que sempre sonharam em estar aqui neste iate, olhando o mar, conversando sobre a possibilidade de trabalhar com pelo menos um de vocês dois. E ambos estão conscientes disso. Fora isso, acho que nada que possa dizer irá mudar alguma coisa. Se sou solteira? Sim.

Como toda mulher solteira, tenho um homem apaixonado, que neste momento me espera em Chicago, e está torcendo para que tudo dê errado comigo.

Os dois riem. Ela relaxa um pouco mais.

— Quero lutar até onde for possível, embora saiba que estou quase no limite de minhas possibilidades, já que minha idade começa a ser um problema para os padrões de cinema. Sei que há muitas pessoas com tanto ou mais talento que eu. Fui escolhida, não sei direito para quê, mas resolvi aceitar seja o que for. Talvez esta seja minha última chance, e talvez o fato de estar dizendo isso agora irá diminuir meu valor, entretanto não tenho escolha. Durante a minha vida inteira imaginei um momento como esse: participar de um teste, ser escolhida, e poder trabalhar com profi ssionais de verdade. Este momento aconteceu. Se não for além deste encontro, se voltar para casa de mãos vazias, pelo menos sei que cheguei até aqui por causa da coisa que julgo possuir: integridade e perseverança.

“Sou minha melhor amiga, e minha pior inimiga. Antes de vir para cá pensava que não merecia nada disso, era incapaz de corresponder ao que esperam de mim, e com toda certeza haviam errado no momento de selecionarem a candidata. Enquanto isso, a outra parte do meu coração me dizia que estava sendo recompensada porque não desisti, fi z uma escolha, e fui até o fi nal da luta.”

Desviou os olhos dos dois — de repente sentiu uma imensa vontade de chorar, mas controlou-se porque aquilo podia ser entendido como uma chantagem emocional. A voz bonita da Celebridade in-terrompeu o silêncio.

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— Como em qualquer outra indústria, aqui também temos pessoas honestas, que valorizam o trabalho profi ssional. Foi por isso que cheguei onde estou hoje. E o mesmo aconteceu com nosso diretor.

Já passei pela mesma situação em que você está agora. Sabemos o que sente.

Sua vida inteira até aquele momento desfi lou diante de seus olhos.

Todos os anos em que procurou sem encontrar, em que bateu sem que a porta se abrisse, em que pediu sem sequer ouvir uma palavra como resposta — apenas a indiferença, como se não existisse para o mundo. Todos os “nãos” que escutara quando alguém se dera conta de que, sim, ela estava viva, e merecia pelo menos saber algo.