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“Não posso chorar.”

Todas as pessoas que tinham lhe dito que perseguia um sonho inalcançável e que, se tudo agora terminasse dando certo, diriam

“Eu sabia que você tinha talento!”. Seu lábios começaram a tremer: era como se tudo aquilo estivesse saindo de repente do seu coração.

Estava contente por ter a coragem de mostrar-se humana, frágil, e aquilo fazia uma imensa diferença em sua alma. Se Gibson agora se arrependesse da escolha, poderia tomar a lancha de volta sem nenhum arrependimento; no momento da luta, mostrara coragem.

Dependia dos outros. Custara muito para aprender esta lição, mas fi nalmente entendera que dependia dos outros. Conhecia pessoas que se orgulhavam de sua independência emocional, embora na verdade fossem tão frágeis como ela, choravam escondidos, jamais pediam ajuda. Acreditavam em uma regra não escrita, afi rmando que

“o mundo é dos fortes”, em que “sobrevive apenas o mais apto”. Se assim fosse, os seres humanos jamais existiriam, porque fazem parte de uma espécie que precisa ser protegida por um longo período. Seu pai lhe contara certa vez que só atingimos uma certa capacidade de sobreviver depois dos 9 anos de idade, enquanto uma girafa leva apenas cinco horas, e uma abelha já é independente em menos de cinco minutos.

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— Em que está pensando? — pergunta a Celebridade.

— Que não preciso fi ngir que sou forte, e isso me traz um grande alívio. Durante uma parte da minha vida, tive problemas constantes de relacionamento, porque julgava que conhecia mais que todos como chegar onde desejo. Meus namorados me detestavam, e eu não entendia a razão. Certa vez, durante uma turnê de uma peça, pe-guei uma gripe que não me deixou sair do quarto, por mais que me apavorasse a idéia de outra pessoa representando meu papel. Não comia, delirava de febre, chamaram um médico — que me mandou de volta para casa. Achei que tinha perdido o emprego e o respeito dos meus colegas. Mas não aconteceu nada disso: recebia fl ores e telefonemas. Queriam saber como eu estava. De repente, aquelas pessoas que eu julgava meus adversários, que competiam pelo mesmo lugar debaixo dos refl etores, estavam se preocupando comigo!

Uma delas me enviou um cartão com o texto de um médico que foi trabalhar em um país distante:

“‘Todos nós conhecemos uma doença na África Central chamada de doença do sono. O que precisamos saber é que existe uma doen-

ça semelhante que ataca a alma — e que é muito perigosa, porque se instala sem ser percebida. Quando você notar o menor sinal de indiferença e de falta de entusiasmo com relação ao seu semelhante, fi que alerta! A única maneira de prevenir-se contra essa doença é entendendo que a alma sofre, e sofre muito, quando a obrigamos a viver superfi cialmente. A alma gosta de coisas belas e profundas.’”

Frases. A Celebridade lembrou de seu verso preferido, um poema que aprendera ainda na escola, e que o assustava à medida que via o tempo passar: “Teriam que abrir mão de tudo mais, tendo eu a pretensão de ser seu padrão único e exclusivo. ” Escolher algo era talvez a coisa mais difícil na vida de um ser humano; à medida que a atriz contava sua história, ele via seus próprios passos sendo refl etidos.

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A primeira grande oportunidade — também graças ao seu talento como ator de teatro. A vida que mudava de uma hora para a outra, a fama que crescia com mais velocidade do que sua capacidade de adaptar-se a ela, de modo que terminava aceitando convites para lugares onde não devia estar, e rejeitando encontros que teriam lhe ajudado a ir muito além em sua carreira. O dinheiro que, embora não fosse muito, lhe dava a sensação de que tudo podia. Os presentes caros, as viagens para um mundo desconhecido, os aviões privados, restaurantes de luxo, suítes de hotéis que pareciam com os quartos de reis e rainhas que costumava imaginar na infância. As primeiras críticas: respeito, elogios, palavras que tocavam sua alma e seu coração. As cartas que chegavam de todo o mundo, e que no início começara a responder uma por uma, marcar encontro com as mulheres que enviavam fotos, até descobrir que era impossível manter esse ritmo — e o agente não apenas desaconselhava, mas o amedrontava dizendo que podia estar caindo em armadilhas. Mesmo assim, até hoje tinha um especial prazer quando se encontrava com os fãs que seguiam cada passo de sua carreira, abriam páginas na internet dedicadas ao seu trabalho, distribuíam pequenos jornais contando tudo que se passava na sua vida — melhor dizendo, as coisas positivas — e o defendendo de qualquer ataque da imprensa, quando o papel escolhido não era celebrado como devia.

E os anos passando. O que antes era um milagre ou uma chance do destino pela qual prometera jamais deixar-se escravizar começava a se transformar na única razão para continuar vivendo. Até que olha um pouco adiante, e o coração aperta: isso pode acabar um dia. Surgem outros atores mais jovens, aceitando menos dinheiro em troca de mais trabalho e visibilidade. Passa a escutar sempre comentários do grande fi lme que o projetou, que todos citam, embora tenha feito mais outros 99 fi lmes e ninguém realmente se lembre direito.

As condições fi nanceiras já não são mais as mesmas — porque achou que aquilo era um trabalho que jamais terminaria, e forçou 1 5 0

o agente a manter seu preço nas alturas. Resultado: está sendo cada vez menos convidado, embora agora cobre a metade para participar de um fi lme. O desespero começa a dar seus primeiros sinais de vida em um mundo que até então era feito apenas da esperança de chegar cada vez mais longe, mais alto, mais rápido. Não pode desvalorizar-se de uma hora para outra; quando aparece um contrato qualquer, é preciso dizer que “gostou muito do papel, e resolveu fazer de qualquer maneira, mesmo que o salário não seja compatível com o que costuma ganhar”. Os produtores fi ngem que acreditam. O agente fi nge que conseguiu enganá-los, mas sabe que seu “produto” precisa continuar sendo visto em festivais como este, sempre ocupado, sempre gentil, sempre distante — como é importante para os mitos.

O assessor de imprensa sugere que seja fotografado beijando alguma atriz famosa; isso pode render alguma capa em revistas de escândalos. Já entraram em contato com a pessoa escolhida, que também está precisando de publicidade extra — agora é tudo uma questão de escolher o momento adequado durante o jantar de gala desta noite.

A cena deve parecer espontânea, precisam ter certeza de que existe algum fotógrafo por perto — embora ambos não possam, de jeito nenhum, “perceber” que estão sendo vigiados. Mais adiante, quando as fotos forem publicadas, voltarão às manchetes negando o acontecido, dizendo que aquilo é uma invasão da vida privada, advogados abrirão processos contra as revistas, e assessores de imprensa dos dois procurarão manter o assunto vivo o maior intervalo de tempo possível.

No fundo, apesar dos anos de trabalho e da fama mundial, não estava em uma situação muito diferente daquela moça à sua frente.

Você terá que desistir de tudo, eu serei seu único e exclusivo padrão.

Gibson interrompe o silêncio que se instalara por trinta segundos naquele cenário perfeito: o iate, o sol, as bebidas geladas, o barulho das gaivotas, a brisa soprando e afastando o calor.

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— Em primeiro lugar, acho que gostaria de saber que papel irá fazer, já que o nome do fi lme pode mudar daqui até sua estréia. A resposta é a seguinte: você irá contracenar com ele.

E aponta para a Celebridade.

— Ou seja, um dos papéis principais. E sua próxima pergunta, lo-gicamente, deve ser: por que eu, e não uma celebridade feminina?

— Exatamente.

— Explicação: preço. No caso do roteiro que fui encarregado de dirigir, e que será o primeiro fi lme produzido por Hamid Hussein, temos um orçamento limitado. E metade dele vai para a promoção, não para o produto fi nal. Portanto, necessitamos de uma celebridade para chamar a audiência, e de alguém desconhecido, barato, mas que estará ganhando a projeção que merece. Isso não acontece apenas hoje: desde que a indústria do cinema passou a mandar no mundo, os estúdios fazem a mesma coisa para manter acesa a idéia de que fama e dinheiro são sinônimos. Eu me lembro, quando pequeno, de ver aquelas grandes mansões em Hollywood, e achar que os atores ganhavam uma fortuna.