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ricas, milionárias, poderosas. E todas elas trabalhavam de manhã até a noite, sempre querendo ir mais longe, jamais mudando de assunto — aquisições, bolsas de valores, tendências de mercado, dinheiro, dinheiro. Trabalhar não porque se está precisando de algo, mas porque se julgavam necessários — precisavam alimentar milhares de famílias, acreditavam ter uma gigantesca responsabilidade com seus governos e com seus associados. Trabalhavam pensando honesta-mente que estavam ajudando o mundo — o que podia ser verdade, mas que exigia como pagamento suas próprias vidas.

No dia seguinte, fez algo que sempre detestou na vida: procurou um psiquiatra — alguma coisa devia estar errada. Descobriu então que sofria de uma doença bastante comum entre aqueles que atingiram algo que parecia além dos limites de uma pessoa comum. Era um trabalhador compulsivo, ou um workaholic, expressão mundialmente conhecida para designar este tipo de desordem. Trabalhadores compulsivos, disse o psiquiatra, quando não estão envolvidos com os desafi os e problemas de sua companhia, correm o risco de entrar em depressão profunda.

— Uma desordem cujo motivo ainda não conhecemos, mas que está associada à insegurança, a certos medos infantis, a uma realidade que se quer negar. É algo tão sério como a escravidão às drogas, por exemplo.

“Mas ao contrário destas, que diminuem a produtividade, o trabalhador compulsivo termina dando uma grande contribuição à riqueza do seu país. Portanto, não interessa a ninguém fazer com que seja curado.”

— E quais são as conseqüências?

— Você deve saber, porque foi por isso que me procurou. A mais grave é a destruição da vida familiar. No Japão, um dos países onde a doença se manifesta com mais freqüência e às vezes com conseqüências fatais, existem vários processos para controlar a obsessão.

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Nos dois anos mais recentes de sua vida, não se lembrava de escutar alguém com o mesmo respeito que dedicava ao homem de óculos e bigode na sua frente.

— Então, posso acreditar que existe uma saída para esse distúrbio.

— Quando um trabalhador compulsivo chega a procurar ajuda de um psiquiatra, é porque ele está preparado para a cura. De cada mil casos, apenas um se dá conta de que está precisando de ajuda.

— Estou precisando de ajuda. Tenho dinheiro sufi ciente...

— Essas são palavras típicas de um trabalhador compulsivo. Sim, sei que tem dinheiro sufi ciente, como todos eles. Sei quem é você; já vi suas fotos em festas de caridade, em congressos, e em uma audiência privada com o nosso presidente — ele também com os mesmos sintomas dessa desordem, diga-se de passagem.

“Dinheiro não basta. Quero saber se tem vontade sufi ciente.”

Igor pensou em Ewa, na casa nas montanhas, na família que gostaria de constituir, nas centenas de milhões de dólares que tinha no banco. Pensou em seu prestígio e em seu poder naquele momento, e como seria difícil abandonar tudo isso.

— Não estou sugerindo que abandone o que está fazendo — comentou o psiquiatra, como se pudesse ler seu pensamento. — Estou sugerindo que use o trabalho como uma fonte de alegria, e não como uma obsessão compulsiva.

— Sim, estou preparado.

— E qual o seu grande motivo para isso? Afi nal de contas, todos os trabalhadores compulsivos acham que estão satisfeitos com o que fazem; nenhum de seus amigos que se encontram na mesma posição reconhecerá que precisa de ajuda.

Igor abaixou os olhos.

— Qual seu grande motivo? Quer que eu responda para você?

Pois farei isso. Como disse antes, sua família está sendo destruída.

— Pior que isso. Minha mulher apresenta os mesmos sintomas.

Começou a distanciar-se de mim desde uma viagem que fi zemos ao 1 8 8

lago Baikal. E se existe alguém no mundo por quem eu seria capaz de matar de novo...

Igor se deu conta que havia falado além do necessário. Mas o psiquiatra parecia impassível do outro lado da mesa.

— Se existe alguém no mundo por quem eu seria capaz de fazer tudo, absolutamente tudo, é minha mulher.

O psiquiatra chamou sua assistente e pediu que marcasse uma série de consultas. Não perguntou se seu cliente estaria disponível naquelas datas: fazia parte do tratamento deixar claro que todo e qualquer compromisso, por mais importante que fosse, podia ser adiado.

— Posso lhe fazer mais uma pergunta?

O médico assentiu com a cabeça.

— O fato de eu ser levado a trabalhar mais do que devo não pode ser também considerado como algo nobre? Um respeito profundo às oportunidades que Deus me concedeu nesta vida? Uma maneira de corrigir a sociedade, mesmo que às vezes eu seja obrigado a usar métodos um pouco...

Silêncio.

— ...um pouco o quê?

— Nada.

Igor saiu do consultório confuso e aliviado ao mesmo tempo. Talvez o médico não compreendesse a essência de tudo que fazia: a vida tem sempre uma razão, todas as pessoas estão unidas, e muitas vezes é necessário extirpar os tumores malignos para que o corpo continue sadio. As pessoas se trancam em seus mundos egoístas, fazem planos que não incluem o próximo, acreditam que o planeta é apenas mais um terreno a ser explorado, seguem seus instintos e desejos sem dedicar absolutamente nada ao bem-estar coletivo.

Não estava destruindo sua família, estava simplesmente querendo deixar um mundo melhor para os fi lhos que sonhava ter. Um mundo sem drogas, sem guerras, sem o escandaloso mercado de sexo, onde 1 8 9

o amor fosse a grande força que unisse todos os casais, povos, nações e religiões. Ewa entenderia — mesmo que no momento o casamento estivesse passando por uma crise, com toda certeza enviada pelo espírito Maligno.

No dia seguinte, pediu à sua secretária que desmarcasse as consultas — tinha outras coisas importantes para fazer. Estava organizando um grande plano para purifi car o mundo, precisava de ajuda, e já havia entrado em contato com um grupo que se dispunha a trabalhar para ele.

Dois meses depois, era abandonado pela mulher que amava. Por causa do Mal que a havia possuído. Porque não pudera explicar exatamente as razões de certas atitudes suas.

Voltou à realidade de Cannes com o ruído bruto do arrastar de uma cadeira. Diante dele está uma mulher com um copo de uísque em uma das mãos, e um cigarro na outra. Bem vestida, mas visivelmente embriagada.

— Posso sentar aqui? Todas as mesas estão ocupadas.

— A senhora acaba de sentar-se.

— Não é possível — disse a mulher, como se o conhecesse de longa data. — Simplesmente não é possível. A polícia me expulsou do hospital. E o homem que me fez viajar quase um dia inteiro, alugar um quarto de hotel pagando o dobro do preço, está agora entre a vida e a morte. Droga!

Alguém da polícia?

Ou será que nada do que ela dizia tinha relação com o que estava pensando?

— O que o senhor — ou melhor, você está fazendo aqui? Não está com calor? Não acha melhor tirar o paletó, ou quer impressionar os outros com sua elegância?

Como sempre, as pessoas escolhiam seu próprio destino. Aquela mulher estava fazendo isso.

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— Sempre uso paletó, independente da temperatura. A senhora é atriz?

A mulher deu uma risada, próxima da histeria.

— Digamos que eu seja uma atriz. Sim, sou uma atriz. Estou representando o papel de alguém que tem um sonho ainda adolescente, cresce com ele, luta sete miseráveis anos de sua vida para transformá-lo em realidade, hipoteca sua casa, trabalha sem parar...

— Sei o que é isso.

— Não, não sabe. É pensar dia e noite em uma única coisa. Ir a lugares onde não foi convidada. Apertar mãos de gente que despreza. Telefonar uma, duas, dez vezes até conseguir alguma atenção de gente que não tem nem a metade do seu valor ou da sua coragem, mas está em uma determinada posição e resolve vingar-se de todas as frustrações em sua vida familiar, tornando impossível a vida dos outros.