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— Entende?

— Entendo. Mas gostaria de ter os confl itos que você tem, e sei que ainda falta muito.

Mais quatro limusines, e chegarão ao destino. O chofer avisa que se preparem. A Celebridade abaixa um pequeno espelho do teto, ajeita sua gravata, e ela faz a mesma coisa com o cabelo. Gabriela já pode notar um pedaço do tapete vermelho, embora os degraus ainda estejam fora do seu campo de visão. A histeria desapareceu por encanto, a multidão agora é constituída de pessoas que usam um colar de identifi cação no pescoço, conversam uns com os outros e não prestam a menor atenção em quem está dentro dos carros, porque já estão cansados de ver a mesma cena.

Faltam dois carros. Do seu lado esquerdo, aparecem alguns degraus da passarela. Homens vestidos de terno e gravata estão abrindo as portas, e as agressivas barreiras de metal foram substituídas por cordas de veludo que se apóiam em pilares de madeira e bronze.

— Droga!

A Celebridade dá um grito. Gabriela leva um susto.

— Droga! Olha quem está ali! Olha quem está saindo do carro neste momento!

Gabriela vê uma Super-Celebridade feminina, também vestida por Hamid Hussein, que acaba de colocar seus pés no início do tapete vermelho. A Celebridade volta a cabeça na direção oposta do Palá-

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cio do Congresso, ela acompanha seu olhar, vê algo completamente inesperado. Uma parede humana, de quase três metros de altura, com fl ashes disparando sem cessar.

— Está olhando para o lugar errado — consola-se a Celebridade, que parece ter perdido todo o seu charme, gentileza, e problemas existenciais. — Esses daí não foram credenciados. São da imprensa secundária.

— Por que “droga”?

A Celebridade não consegue esconder sua irritação. Ainda falta um carro para que cheguem.

— Você não está vendo? De que mundo você é, menina? Quando entrarmos no tapete vermelho, as câmeras dos fotógrafos escolhidos, que estão exatamente no meio do percurso, vão estar com suas lentes apontadas para ela!

E voltando-se para o chofer:

— Ande mais devagar!

O chofer aponta para um homem vestido à paisana, também com identifi cação no pescoço, fazendo sinal com as mãos para que sigam adiante e não atrapalhem o trânsito.

A Celebridade respira fundo; aquele não é o seu dia de sorte. Por que resolvera dizer tudo aquilo à atriz principiante ao seu lado? Sim, era verdade, estava farto da vida que levava, e mesmo assim não podia imaginar algo diferente.

— Não saia correndo — diz. — Vamos fazer o possível para demorar o máximo aqui embaixo. Deixamos um bom espaço entre a moça e a gente.

A “moça” era a Super-Celebridade.

O casal que estava no carro anterior não parece atrair tanta aten-

ção — embora deva ser importante porque ninguém chega até o iní-

cio dos degraus sem antes ter escalado muitas montanhas na vida.

Seu companheiro parece relaxar um pouco, mas é a vez de Gabriela fi car tensa, sem saber exatamente como se comportar. Suas 2 7 5

mãos estão suando. Ela agarra a bolsa cheia de papel dentro, respira fundo e faz uma prece.

— Ande devagar — diz a Celebridade. — E não fi que muito perto de mim.

A limusine chega. Ambas as portas são abertas.

De repente, um barulho imenso parece tomar conta do universo inteiro, gritos vindos de todos os lados — até aquele momento ela não havia se dado conta de que estava em um carro à prova de som e não podia escutar nada. A Celebridade desce sorridente, como se nada tivesse acontecido dois minutos atrás e ele continuasse a ser o centro do universo — independente das confi ssões que fi zera no carro, e que pareciam ser verdadeiras. Um homem em confl ito consigo mesmo, com seu mundo, com sua história — que não pode mais dar nenhum passo atrás.

“Em que estou pensando? Devo concentrar-me, viver o presente!

Subir os degraus!”

Os dois acenam para a imprensa “secundária”, e gastam bons momentos ali. Pessoas lhe estendem papéis, ele dá autógrafos e agradece aos fãs. Gabriela não sabe exatamente se deve colocar-se ao seu lado, ou se deve seguir em direção ao tapete vermelho e à entrada do Palácio do Congresso — mas é salva por alguém que lhe estende um papel, uma caneta, e pede que autografe.

Não é o primeiro autógrafo de sua vida, mas é o mais importante até agora. Ela olha para a senhora que conseguiu esgueirar-se até a área reservada, dá um sorriso, pergunta seu nome — mas não consegue escutar nada por causa dos gritos dos fotógrafos.

Ah, como gostaria que esta cerimônia estivesse sendo transmitida ao vivo para o mundo inteiro, que sua mãe a estivesse vendo chegar em um vestido deslumbrante, acompanhada de um ator famosíssimo (embora ela agora começasse a ter dúvidas, mas era melhor afastar rapidamente aquelas vibrações negativas da cabeça), dando o mais 2 7 6

importante autógrafo dos seus 25 anos de vida! Não consegue entender o nome da mulher, sorri, e escreve algo como “com amor”.

A Celebridade se aproxima dela:

— Vamos. O caminho está livre.

A mulher para quem acabara de escrever palavras de carinho lê o que está escrito e reclama:

— Não é um autógrafo! Preciso de seu nome para poder identifi car na foto!

Gabriela fi nge não escutar — nada no mundo pode destruir este momento mágico.

Começam a subir a suprema passarela européia, com policiais fazendo uma espécie de cordão de segurança, embora o público esteja longe dali. Em ambos os lados, na fachada do edifício, gigantescas telas de plasma mostram aos pobres mortais do lado de fora o que está acontecendo naquele santuário ao ar livre. De longe vêm os gritos histéricos e o som de palmas. Quando chegam em uma espécie de degrau mais extenso, como se tivessem atingido o primeiro andar, nota outra multidão de fotógrafos, só que desta vez vestidos a rigor, berrando o nome da Celebridade, pedindo que se vire para aqui, para ali, só mais uma, por favor chegue mais perto, olhe para cima, olhe para baixo! Outras pessoas passam por eles e continuam subindo os degraus, mas os fotógrafos não estão interessados nelas; a Celebridade ainda mantém intacto o seu glamour, fi nge uma certa displicência, brinca um pouco para mostrar que está relaxado e acostumado com aquilo.

Gabriela nota que também está chamando a atenção; embora não gritem seu nome (não têm a menor idéia de quem é) imaginam que seja o novo romance do famoso ator, pedem para que se aproximem um do outro e tirem fotos juntos (o que a Celebridade faz por alguns segundos, sempre a uma prudente distância, evitando qualquer contato físico com ela).

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Sim, haviam conseguido escapar da Super-Celebridade! Que a esta altura já está na porta do Palácio dos Festivais, cumprimentando o presidente do Festival de Cinema e o prefeito de Cannes.

A Celebridade faz um sinal com a mão para que continuem subindo os degraus. Ela obedece.

Olha adiante, vê outra tela gigante colocada estrategicamente de modo que as pessoas possam ver a si mesmas. Uma voz anuncia pelo alto-falante instalado no locaclass="underline"

— Neste momento, está chegando...

E diz o nome da Celebridade e do seu fi lme mais famoso. Mais tarde, alguém irá lhe contar que todos os que já estão dentro da sala estão assistindo por um circuito interno à mesma cena que o monitor de plasma mostra do lado de fora.

Sobem os degraus restantes, chegam até a porta, cumprimentam o presidente do Festival, o prefeito da cidade, e entram no recinto pro-priamente dito. Tudo aquilo havia durado menos de três minutos.

A esta altura, a Celebridade está cercada de gente que quer falar um pouco, admirar um pouco, tirar fotos (mesmo os eleitos fazem isso, tiram fotos com gente famosa). Faz um calor sufocante ali dentro, Gabriela teme que a maquiagem vá ser afetada, e...