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oportunidades fantásticas, sonhou por dias e semanas com a possibilidade de mudar sua vida para sempre, para no fi nal descobrir que o telefone não tocara, o currículo tinha sido esquecido em um canto, o diretor telefonava desculpando-se e dizendo que havia encontrado outra pessoa mais adequada para o papel, “embora você tenha muito talento, e não deve deixar-se desencorajar por isso”. A vida tem muitas maneiras de testar a vontade de uma pessoa; ou fazendo com que não aconteça nada, ou fazendo com que tudo aconteça ao mesmo tempo.

O homem que entrou sozinho mantém os olhos fi xos nela, e na segunda taça de champagne. Gostaria tanto que se aproximasse!

Desde manhã não tivera possibilidade de conversar com ninguém sobre o que estava acontecendo. Havia pensado em telefonar várias vezes para sua família — mas o telefone estava dentro da bolsa de verdade, possivelmente a esta hora entupido de mensagens das amigas do quarto, querendo saber onde estava, se tinha algum convite, se gostaria de acompanhá-las a algum evento de segunda classe, em que “tal pessoa pode aparecer”.

Não pode dividir nada com ninguém. Deu um grande passo na sua vida, está sozinha em um bar de hotel, aterrorizada com a possibilidade de o sonho acabar, e ao mesmo tempo sabendo que nunca mais poderá voltar a ser quem era. Chegou perto do topo da montanha: ou faz um esforço extra, ou é derrubada pelo vento.

O homem de cabelos grisalhos, aproximadamente 40 anos, bebendo um suco de laranja, continua ali. Em dado momento seus olhos se cruzam, e ele sorri. Ela fi nge que não viu.

Por que está com tanto medo? Porque não sabe exatamente como se comportar a cada passo novo que está dando. Ninguém a ajuda; tudo que fazem é dar ordens, esperando que sejam cumpridas com rigor. Sente-se como uma menina trancada em um quarto escuro, precisando encontrar seu próprio caminho até a porta, porque al-guém muito poderoso está chamando e espera ser obedecido.

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É interrompida pelo andrógino que acaba de entrar.

— Vamos esperar mais um pouco. Estão começando a entrar neste momento.

O homem bonito se levanta, deixa paga a conta, e dirige-se para a saída. Parece decepcionado; talvez estivesse esperando o momento certo para aproximar-se, dizer seu nome e...

— ...conversar um pouco.

— O quê?

Deixara escapar algo. Duas taças de champagne e a língua já estava mais solta do que devia.

— Nada.

— Sim, você disse que precisa conversar um pouco.

O quarto escuro e a menina que não tem ninguém para guiá-la.

Humildade. Faça o que prometeu a si mesma alguns minutos atrás.

— Sim. Gostaria de saber o que está fazendo aqui. Como veio parar neste universo que gira em torno de nós, e do qual eu não compreendo ainda quase nada. Tudo é diferente do que imaginei antes; acredite se quiser, quando você foi conversar com os fotógrafos, eu me senti abandonada e assustada. Conto com sua ajuda, e quero saber se é feliz no seu trabalho.

Algum anjo — que gosta de champagne, com certeza — está fazendo com que diga as palavras certas.

O andrógino a olha com surpresa; será que está tentando ser sua amiga? Por que faz perguntas que ninguém ousa fazer, quando o conhece há apenas algumas horas?

Ninguém confi a nele, porque não podem compará-lo com nada

— é único. Ao contrário do que pensam, não é homossexual, apenas perdeu o interesse no ser humano. Descoloriu o cabelo, veste-se como sempre sonhou, pesa exatamente o que deseja pesar, sabe que 3 0 7

causa uma impressão estranha nas pessoas mas não é obrigado a ser simpático com ninguém, desde que cumpra bem seu papel.

E agora esta mulher está querendo saber o que pensa? Como se sente? Estende a mão para o copo de champagne que estava ali esperando sua volta, e bebe todo o conteúdo de uma só vez.

Ela deve estar pensando que faz parte do grupo de Hamid Hussein, tem alguma infl uência, quer sua cooperação e sua ajuda para saber os passos que deve dar. Ele sabe os passos, mas foi contratado apenas para trabalhar durante o Festival, fazer determinadas coisas, e se limitará a cumprir com seu compromisso. Quando acabarem os dias de luxo e glamour voltará para seu apartamento em um dos subúrbios de Paris, onde é maltratado pelos vizinhos simplesmente porque sua aparência não se enquadra nos modelos estabelecidos por algum louco que um dia gritou: “Todos os seres humanos são iguais.” Não é verdade: todos os seres humanos são diferentes, e devem exercer esse direito até suas últimas conseqüências.

Ficará vendo televisão, indo ao supermercado ao lado de casa, comprando e lendo revistas, às vezes saindo para ir ao cinema.

Porque é considerado uma pessoa responsável, receberá de vez em quando um telefonema de agentes que selecionam auxiliares com

“muita experiência” na área de moda; que saibam vestir as modelos, escolher acessórios, acompanhar pessoas que ainda não aprenderam a se comportar direito, evitar erros de etiqueta, explicar o que deve ser feito e o que não pode ser tolerado de nenhuma maneira.

Sim, tem os seus sonhos. É único, repete para si mesmo. É feliz, porque não tem mais nada a esperar da vida; embora pareça muito mais jovem, já está com 40 anos. Sim, tentou seguir a carreira de estilista, não conseguiu nenhum emprego decente, brigou com as pessoas que podiam tê-lo ajudado, e hoje não espera mais nada da vida — embora tenha cultura, bom gosto, e disciplina de ferro. Já não acredita mais que alguém irá olhar a maneira como se veste e dizer “Que fantástico, gostaríamos que viesse conversar conosco”.

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Teve um ou dois convites para posar como modelo, mas isso faz muitos anos; não aceitou porque não fazia parte do seu projeto de vida, e não se arrepende.

Faz suas próprias roupas, com tecidos que são deixados como sobra nos ateliês de alta-costura. Em Cannes, está hospedado com mais duas pessoas no alto da montanha, talvez não muito longe da mulher ao seu lado. Mas ela está tendo sua chance, e por mais que ache que a vida é injusta, não deve deixar-se dominar pela frustração ou pela inveja — dará tudo de si, ou não será convidado de novo para ser

“assistente de produção”.

Claro que é feliz: uma pessoa que não deseja nada é feliz. Olha o relógio — talvez seja uma boa hora para entrarem.

— Vamos. Conversamos outra hora.

Paga as bebidas, pede a nota fi scal — para que possa prestar contas de cada centavo quando aqueles dias de luxo e glamour terminarem.

Algumas pessoas estão se levantando e fazendo a mesma coisa; devem se apressar, para que ela não seja confundida com a multidão que agora começa a chegar. Caminham pelo salão do hotel até o início do corredor; ele entrega as duas entradas, que guardara cuidadosamente no bolso: afi nal de contas, uma pessoa importante jamais se preocupa com esses detalhes, sempre tem um assistente para fazer isso.

Ele é o assistente. Ela é a mulher importante, e já começa a dar sinais de grandeza. Muito em breve, vai saber o que signifi ca este mundo: sugar o máximo de sua energia, encher sua cabeça de sonhos, manipular sua vaidade, para ser descartada quando justamente estiver achando que é capaz de tudo. Isso aconteceu com ele, e aconteceu com todos que vieram antes dele.

Descem as escadas. Param no pequeno hall antes do “corredor”; as pessoas andam devagar, porque logo depois da curva estão os fotógrafos e a possibilidade de aparecer em alguma revista, nem que seja no Uzbequistão.

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— Eu vou na sua frente para avisar alguns fotógrafos que conhe-

ço. Não se apresse; isso é diferente do tapete vermelho. Se alguém lhe chamar, vire-se e sorria. Neste caso, as chances são que todos os outros comecem também a tirar fotos, já que pelo menos um deles conhece o seu nome, e você deve ser alguém importante. Não de-more mais de dois minutos posando, porque isso é apenas a entrada de uma festa, embora pareça algo de outro mundo. Se você quer ser uma celebridade, comece a se comportar a altura.