Os homens que trouxeram o convite pareciam muito bem-educados. Disseram que havia uma limusine esperando do lado de fora; tinham certeza de que uma modelo experiente como ela não demo-raria mais de quinze minutos para estar pronta.
Um deles abriu a pasta, tirou um computador e uma impressora também portátil, e disse que estavam ali para fechar o grande contrato de Cannes. Agora era tudo uma questão de detalhes. Preenche-riam as condições, e sua agente — sabiam que a mulher ao seu lado era também sua agente — se encarregaria de assiná-los.
Prometeram à sua companheira todas as facilidades possíveis para sua próxima coleção. Sim, claro que seria possível manter o nome e a etiqueta. Evidente que podiam usar o serviço de imprensa deles!
Mais do que isso: HH gostaria de comprar a marca, e com isso in-jetar o dinheiro necessário para que tivesse uma boa visibilidade na imprensa italiana, francesa e inglesa.
Mas havia duas condições. A primeira, que o assunto fosse decidido imediatamente, de modo que pudessem enviar uma nota à imprensa antes que as redações dos jornais fechassem a edição do dia seguinte.
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A segunda: que terá que transferir o contrato de Jasmine Tiger, que passaria a trabalhar exclusivamente para Hamid Hussein. Não havia falta de modelos no mercado, de modo que a estilista belga logo conseguiria alguém para substituí-la. Além do mais, como também era sua agente, terminaria ganhando bastante dinheiro.
— Aceito transferir o contrato de Jasmine — respondeu imediatamente sua companheira. — Quanto ao resto, conversamos depois.
Aceitou assim tão rápido? Uma mulher que era responsável por tudo que tinha acontecido em sua vida, e que agora parecia contente em separar-se dela? Estava sendo apunhalada pelas costas pela pessoa que mais amava neste mundo.
O homem tira um blackberry do bolso.
— Mandaremos um comunicado de imprensa agora. Já está escrito: “Estou emocionada com a oportunidade...”
— Um momento. Eu não estou emocionada. Eu não sei exatamente do que estão falando.
Sua companheira, porém, começa a fazer a revisão do texto, trocando “emocionada” por “alegre”, e “oportunidade” por “convite”. Estuda cuidadosamente cada palavra e cada frase. Exige que mencionem um preço absurdo. Eles não estavam de acordo, podiam infl acionar o mercado se fi zessem isso. Então não há negócio, é a resposta. Os dois homens pedem licença, saem, usam seus celulares, e voltam em seguida. Diriam algo vago — um contrato de mais de seis dígitos, sem informar exatamente a quantia. Apertam as mãos das duas, teceram alguns elogios à coleção e à modelo, colocam o computador e a impressora na pasta, pedem que gravem no telefone celular de um deles um acordo formal, de modo que possam ter uma prova de que as negociações sobre Jasmine tinham sido aceitas. Saem com a mesma rapidez que entraram, com os telefones celulares em ação, pedindo que não se atrase mais de quinze minutos — a festa daquela noite fazia parte do contrato que acabavam de fechar.
— Prepare-se para a festa.
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— Você não tem o poder de decidir minha vida. Você sabe que não estou de acordo, e não tive sequer a possibilidade de manifestar minha opinião. Não estou interessada em trabalhar para os outros.
A mulher vai até os vestidos que estavam desordenadamente espalhados pelo quarto, escolhe o mais belo — um modelo branco com bordados de borboleta. Fica algum tempo pensando em que sapatos e bolsa devia usar, mas decide rapidamente — não há tempo a perder.
— Eles se esqueceram de pedir que usasse um HH esta noite. Teremos oportunidade de mostrar algo de minha coleção.
Jasmine não acredita no que estava escutando.
— Foi só por isso?
— Sim. Foi só por isso.
As duas estavam frente a frente, e nenhuma desviava os olhos.
— Você está mentindo.
— Sim. Estou mentindo.
Se abraçaram.
— Desde aquele fi nal de semana na praia, quando tiramos as primeiras fotos, eu sabia que esse dia ia chegar. Demorou um pouco, mas agora você já está com 19 anos, adulta o sufi ciente para aceitar o desafi o. Outras pessoas me procuraram antes. Eu sempre dizia “não”
e me perguntava se era por ciúmes de perdê-la, ou porque ainda não estava preparada. Hoje, quando vi Hamid Hussein na platéia, sabia que não estava ali apenas para prestar seu tributo a Ann Salens — devia ter outra coisa em mente, e só podia ser você.
“Recebi o recado de que queria conversar conosco. Não sabia exatamente o que fazer, mas dei o nome de nosso hotel. Não foi nenhuma surpresa quando chegaram aqui com a proposta.”
— Mas por que aceitou?
— Porque quem ama, liberta. Seu potencial é muitíssimo maior do que aquilo que posso lhe oferecer. Abençôo seus passos. Quero que tenha tudo que merece. Continuaremos juntas, porque você tem o meu coração, o meu corpo, a minha alma.
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“Mas eu vou manter minha independência — embora saiba que neste ramo os padrinhos são importantes. Se Hamid viesse até mim e propusesse comprar minha marca, não teria nenhum problema em vendê-la e ir trabalhar para ele. Entretanto, a negociação não foi em torno do meu talento, mas do seu trabalho. Eu não seria digna de mim mesma se aceitasse esta parte da proposta.”
Ela a beijou.
— Não posso aceitar. Quando a conheci, era apenas uma menina assustada, covarde por ter prestado falso testemunho, infeliz por deixar criminosos à solta, considerando seriamente a possibilidade de suicídio. Você é responsável por tudo que aconteceu em minha vida.
A companheira pediu que sentasse diante do espelho. Antes de começar o penteado, acariciou seus cabelos.
— Quando te conheci, também havia perdido o entusiasmo pela vida. Abandonada por um homem que encontrara uma jovem mais bela e mais rica, obrigada a fazer fotografi as para sobreviver, passando os fi nais de semana em casa lendo, conectada à internet, ou vendo fi lmes antigos na televisão. O grande sonho de tornar-me estilista parecia cada vez mais distante, porque não conseguia o fi nanciamento necessário, e já não agüentava mais fi car batendo em portas que não se abriam, ou conversando com pessoas que não escutavam o que dizia.
“Foi aí que você apareceu. Naquele fi nal de semana, preciso confessar, eu estava pensando apenas em mim mesma; tinha uma jóia rara nas mãos, poderia fazer uma fortuna se assinássemos um contrato exclusivo. Propus ser sua agente, lembra-se? Mas isso não veio da necessidade de protegê-la do mundo; meus pensamentos eram tão egoístas como os de HH neste momento. Saberia como explorar meu tesouro. Ficaria rica com as fotos.”
Deu um retoque fi nal no cabelo, e limpou o excesso de maquiagem no canto esquerdo da testa.
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— E você, apesar dos seus 16 anos, mostrou-me como o amor é capaz de transformar uma pessoa. Por sua causa, descobri quem eu era. Para poder mostrar ao mundo o seu talento, passei a desenhar as roupas que usava, e que sempre estavam ali, na minha cabeça, esperando uma oportunidade para se transformarem em tecidos, bordados, acessórios. Caminhamos juntas, aprendemos juntas, embora eu já tivesse mais que o dobro da sua idade. Graças a tudo isso as pessoas passaram a prestar atenção no que eu fazia, resolviam investir, e eu podia pela primeira vez realizar tudo aquilo que desejava. Chegamos juntas até Cannes; não é um contrato desses que irá nos separar.
Mudou de tom. Foi até o banheiro, trouxe o estojo de maquiagem, e começou o trabalho.
— Precisa estar deslumbrante esta noite. Nenhuma modelo até hoje saiu do completo anonimato para a glória súbita, de modo que a imprensa vai estar muito interessada no que aconteceu. Diga que não sabe os detalhes; é o sufi ciente. Vão insistir. Pior que isso: vão sugerir respostas como “Eu sempre sonhei em trabalhar para ele” ou “Estou dando um passo importante em minha carreira”.