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— O que estava escrito no papel? — foi a primeira pergunta.

O comissário explica que não pode revelar isso agora, ou correrá o risco de atrapalhar as investigações. Savoy começa a entender para onde está conduzindo a entrevista, e fi ca cada vez mais admirado

— realmente aquele homem merece o posto que ocupa.

— Pode ter sido crime passional? — foi a primeira pergunta.

— Todas as possibilidades estão sobre a mesa. Com licença senhores, precisamos voltar a trabalhar.

Entra no carro de polícia, liga a sirene e sai a toda velocidade.

Savoy se encaminha para seu veículo, orgulhoso do comissário.

Que maravilha! Já podia imaginar os noticiários que iriam ao ar dali a pouco:

“Acredita-se que tenha sido vítima de um crime passional.”

Nada mais poderia substituir o interesse que isso desperta. A for-

ça da Celebridade era tão grande que os outros crimes passaram despercebidos. Quem se importa com uma pobre menina, possivelmente 3 2 9

drogada, encontrada em um banco de praça? Qual a relevância de um distribuidor de cabelos acaju que pode ter tido um ataque cardía-co durante um almoço? O que comentar sobre um crime — também passional — envolvendo duas pessoas completamente desconhecidas, que jamais freqüentaram os holofotes, em um píer afastado de todo o movimento da cidade? Isso acontecia todos os dias, apareceu no noticiário das oito horas, e só continuariam especulando sobre o assunto se não houvesse...

…a Celebridade mundial! Um envelope! Um papel dentro com algo escrito!

Liga a sirene, e dirige na direção oposta da delegacia. Para não levantar suspeitas, usa o rádio do carro. Entra na freqüência do comissário.

— Parabéns!

O comissário também está orgulhoso de si mesmo. Ganharam algumas horas, talvez alguns dias, mas ambos sabem que existe um assassino em série, com armas sofi sticadas, do sexo masculino, cabelos fi cando grisalho, bem vestido, de aproximadamente 40 anos.

Experiente na arte de matar. Que pode estar satisfeito com os crimes já cometidos, ou que pode atacar de novo, a qualquer momento.

— Envie agentes para todas as festas — ordena o comissário. —

Procurem homens sozinhos que correspondam a essa descrição. Peça que os mantenham sob vigilância. Peçam reforços, quero policiais à paisana, discretos, vestidos de acordo com o ambiente; jeans ou traje a rigor. Em todas as festas, repito. Mesmo que tenhamos que mobilizar os guardas de trânsito.

Savoy faz imediatamente o que lhe é pedido. Nesse meio tempo, recebe uma mensagem em seu telefone portáticlass="underline" a Europol precisa de mais tempo para determinar os laboratórios solicitados. Três dias úteis, no mínimo.

— Por favor, me enviem isso por escrito. Não quero ser responsá-

vel se algo de errado continuar acontecendo aqui.

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Ri para si mesmo. Pede que também enviem uma cópia para o agente estrangeiro, já que para ele não tem a menor importância. Vai a toda velocidade até o hotel Martinez, deixa seu carro na entrada, atra-palhando os dos outros. O porteiro reclama, mas joga as chaves para que o estacione, mostra o distintivo de polícia e entra correndo.

Sobe até um salão privado no primeiro andar, onde um policial está ao lado da gerente do turno e de um garçom.

— Quanto tempo vamos fi car aqui? — pergunta a gerente. Ele a ignora, e se volta para o garçom:

— Tem certeza de que a mulher assassinada, que apareceu no noticiário, é a mesma que estava sentada aqui, hoje à tarde?

— Quase certeza, senhor. Na foto, ela parece mais jovem, os cabelos estão tingidos, mas estou acostumado a guardar o rosto dos meus clientes, caso algum deles resolva sair sem pagar.

— Tem certeza de que estava com o hóspede que reservara a mesa?

— Absoluta. Um homem de aproximadamente 40 anos, bem-apessoado, cabelos grisalhos.

O coração de Savoy parece saltar pela boca. Volta-se para a gerente e para o policiaclass="underline"

— Vamos até o seu quarto.

— O senhor tem algum mandado de busca? — pergunta a gerente.

Seus nervos não agüentam mais:

— NÃO TENHO! Não preencho papéis! Sabe qual é o problema do nosso país, minha senhora? Todos são muito obedientes! Aliás, não é apenas problema nosso, mas do mundo inteiro! A senhora não obedeceria se mandassem seu fi lho para uma guerra? Seu fi lho não obedeceria? Pois é! E já que a senhora é obediente, me acompanhe por favor, ou será presa por cumplicidade!

A mulher parece fi car assustada. Junto com o policial, vão até o elevador, que neste momento desce, parando de andar em andar, 3 3 1

sem entender que uma vida humana depende da rapidez com que puderem agir.

Decidem pelas escadas; a gerente reclama, está com saltos altos, mas ele pede que arranque os sapatos e os sigam. Sobem os degraus de mármore, passam pelas elegantes saletas de espera, as mãos segurando o corrimão de bronze. As pessoas que aguardam o elevador perguntam quem é aquela mulher sem sapatos, e o que um policial fardado está fazendo no hotel, correndo daquela maneira. Será que algo grave acaba de acontecer? E, se fosse o caso, porque não usam o elevador, que é mais rápido? Dizem para si mesmas: isso está virando um festival de quinta categoria, os hotéis já não selecionam seus hóspedes, e a polícia invade o local como se se tratasse de um bordel.

Assim que puderem vão reclamar com a gerente.

Não sabem que é ela a mulher sem sapatos, correndo escada acima.

Chegam fi nalmente perto da porta da suíte onde o assassino está hospedado. A esta altura, um membro do “departamento de vigilância de corredores” já mandou alguém para ver o que está acontecendo. Reconhece a gerente, e pergunta se pode ajudar.

Savoy pede que fale mais baixo mas sim, pode ajudar. Tem uma arma? O segurança diz que não.

— Mesmo assim, fi que por aqui.

Estão conversando em sussurros. A gerente é instruída a bater na porta, enquanto os três — Savoy, o policial, e o segurança — fi -

cam colados na parede ao lado. Savoy retira sua arma do coldre.

O policial faz o mesmo. A gerente bate várias vezes, sem qualquer resposta.

— Deve ter saído.

Savoy pede que use sua chave mestra. Ela explica que não estava preparada para isso — e mesmo que estivesse, só abriria aquela porta com autorização do diretor-geral.

Pela primeira vez ele é delicado:

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— Não tem importância. Quero agora descer e fi car na sala, junto com a equipe de segurança que vigia o local. Ele vai voltar mais cedo ou mais tarde, e gostaria de ser o primeiro a poder interrogá-lo.

— Temos uma fotocópia do seu passaporte e o número do seu cartão de crédito lá embaixo. Por que estão tão interessados nesse homem?

— Isso também não tem importância.

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9:02 PM

A meia hora de carro de Cannes, em um outro país que fala a mesma língua, usa a mesma moeda, não tem controle na fronteira, mas segue um sistema político completamente diferente da França

— o poder é ocupado por um príncipe, como nos velhos tempos —, um homem está sentado diante do computador. Um correio eletrô-

nico fora recebido quinze minutos antes, explicando que um famoso ator fora assassinado.

Morris olha a foto da vítima; não tem a menor idéia de quem seja, faz tempo que não vai ao cinema. Mas deve ser alguém importante, porque um portal de notícias está dando a informação.

Embora já estivesse aposentado, assuntos como esse eram o seu grande jogo de xadrez, em que raramente se deixava derrotar pelo adversário. Não era a sua carreira que estava em jogo, mas a sua auto-estima.

Existem algumas regras que sempre gostou de obedecer enquanto trabalhava na Scotland Yard: começar pensando em todas as possibilidades erradas, e a partir daí tudo é possível — porque não está condicionado a acertar. Nos encontros que tinha com os enfadonhos comitês de avaliação de trabalho, gostava de provocar os presentes: