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“Tudo aquilo que sabem vem da experiência acumulada ao longo de anos de trabalho. Mas essas soluções antigas só servem para problemas igualmente passados. Se desejam ser criativos, esqueçam um pouco que são experientes!”

Os mais graduados fi ngiam que tomavam notas, os jovens o olhavam com espanto, e a reunião continuava como se nenhuma daquelas palavras tivesse sido dita. Mas ele sabia que o recado fora enviado, e em pouco tempo — sem lhe darem o crédito merecido, claro

— os superiores começavam a exigir mais idéias novas.

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Imprime os dossiês que a polícia de Cannes tinha enviado; detestava usar papel, porque não queria ser acusado de assassino em série de fl orestas, mas, às vezes, isso era necessário.

Começa estudando o modus operandi, ou seja, a maneira como os crimes foram cometidos. Hora do dia (tanto de manhã, como à tarde e à noite), arma (mãos, veneno, estilete), tipo de vítima (homens e mulheres de idades distintas), aproximação da vítima (duas com contato físico direto, duas com absolutamente nenhum contato), reação das vítimas contra o agressor (inexistente em todos os casos).

Quando se sente diante de um túnel sem saída, a melhor coisa é deixar seu pensamento passear um pouco, enquanto o inconsciente trabalha. Abre uma nova tela no computador, com os gráfi cos da Bolsa de Valores em Nova York. Como não tem dinheiro aplicado em ações, aquilo não podia ser mais aborrecido, mas era assim que agia: a experiência de muitos anos analisa todas as informa-

ções que conseguiu até agora, e a intuição vai formulando respostas

— novas e criativas. Vinte minutos depois, volta a olhar os dossiês

— sua cabeça já estava vazia de novo.

O processo dera resultado: sim, havia algo em comum em todos os crimes.

O assassino tem uma grande cultura. Deve ter passado dias, semanas em uma biblioteca, estudando a melhor maneira de levar a cabo sua missão. Sabe como lidar com venenos sem correr riscos

— e não deve ter manipulado diretamente o cianureto. Conhece bastante de anatomia para enfi ar um estilete no local exato, sem encontrar um osso no caminho. Aplica golpes mortais sem muito esforço. Poucas pessoas no mundo conheciam o poder destrutivo do curare. Possivelmente, lera sobre crimes em série, e sabia que uma assinatura sempre leva ao agressor, de modo que cometia seus assassinatos de maneira completamente aleatória, não respeitando um modus operandi.

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Mas isso é impossíveclass="underline" sem dúvida nenhuma, o inconsciente do assassino estaria deixando uma assinatura — que ainda não conseguira decifrar.

Há algo mais importante ainda: tem dinheiro. O sufi ciente para fazer um curso de Sambo, e ter absoluta certeza dos pontos do corpo que precisa tocar para paralisar a vítima. Tem contatos: não comprou tais venenos na farmácia da esquina, nem sequer no submundo do crime local. São armas biológicas altamente sofi sticadas, que re-querem cuidados na manipulação e na aplicação. Devia ter utilizado outras pessoas para conseguir aquilo.

Finalmente, trabalha com rapidez. O que faz Morris concluir que o assassino não deve fi car ali por muito tempo. Talvez uma semana, talvez alguns dias mais.

Onde poderia chegar com isso?

Se ele não está conseguindo chegar a uma conclusão agora, é porque se acostumou com as regras do jogo. Perdeu a inocência que tanto exigia de seus subordinados. É isso que o mundo termina exigindo de um homem: que vá se transformando em medíocre à medida que a vida passa, de modo a não ser visto como alguém exótico, entusiasmado. A velhice para a sociedade é um estigma, e não um sinal de sabedoria. Todos acreditam que alguém que ultrapassou a barreira dos 50 anos já não tem mais condições de acompanhar a velocidade com que as coisas se passam no mundo de hoje.

Claro, já não consegue correr como antigamente, e precisa de óculos para ler. Entretanto, sua mente está mais afi ada que nunca

— pelo menos quer acreditar nisso.

Mas e o crime? Se é tão inteligente como pensa, por que não consegue resolver o que antes parecia tão fácil?

Não pode chegar a lugar nenhum, no momento. Precisava esperar mais algumas vítimas.

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9:11 PM

Um casal passa sorrindo, e diz que ele é um homem de sorte: duas belas mulheres ao seu lado!

Igor agradece; realmente precisa distrair-se. Daqui a pouco vai acontecer o tão esperando encontro, e mesmo que seja um homem acostumado a agüentar todo tipo de pressão, lembra-se das patrulhas nas cercanias de Kabuclass="underline" antes de qualquer missão mais perigosa, seus companheiros bebiam, falavam de mulheres e esporte, conversavam como se não estivessem ali, mas em suas cidades natais, em torno de uma mesa com a família e os amigos. Assim, afastavam o nervosismo, recuperavam suas verdadeiras identidades, e fi cavam mais conscientes e mais atentos para os desafi os que iriam se apresentar.

Como bom soldado, sabe que o combate nada tem a ver com a briga, mas com um objetivo a ser atingido. Como bom estrategista

— afi nal, saiu do nada e transformou sua pequena companhia em uma das mais respeitadas empresas da Rússia —, tem consciência de que esse objetivo deve sempre permanecer o mesmo, embora muitas vezes a razão que o leva até ele vá se modifi cando no decorrer do tempo. Isso aconteceu hoje: chegara a Cannes por um motivo, mas só quando começou a agir pôde entender as verdadeiras razões que o motivavam. Estivera cego durante todos esses anos, e agora podia ver a luz; a revelação acontecera fi nalmente.

E, justamente por isso, precisa ir até o fi nal. Suas decisões foram tomadas com coragem, desprendimento, e às vezes com uma certa dose de loucura — não aquela que destrói, mas a que leva o ser humano a dar passos além de seus próprios limites. Sempre fez isso na vida; venceu porque exerceu sua loucura controlada no momento de tomar decisões. Seus amigos iam do comentário “você está se arriscando demais” à conclusão “eu tinha certeza de que você estava dando o passo certo” com uma velocidade nunca vista. Era capaz de surpreender, inovar, e sobretudo correr riscos necessários.

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Mas ali em Cannes, talvez por causa do ambiente que lhe era completamente desconhecido, arriscou-se desnecessariamente. Porque estava confuso com a falta de sono, tudo podia ter acabado antes do que planejara. E se isso acontecesse, jamais teria chegado ao momento de lucidez que agora o faz ver com outros olhos a mulher por quem julgava estar apaixonado, que merecia sacrifícios e martí-

rio. Lembra-se do momento em que se aproximou do policial para confessar seus atos. Foi ali que começou a transição. Foi ali que o espírito da menina de sobrancelhas grossas o protegeu e lhe explicou que estava fazendo as coisas certas, mas por razões erradas. Acumular amor signifi ca sorte, acumular ódio signifi ca calamidade. Quem não reconhece a porta dos problemas, termina deixando-a aberta, e as tragédias conseguem entrar.

Ele aceitara o amor da menina. Tinha sido um instrumento de Deus, enviado para resgatá-la de um futuro sombrio; agora ela o ajudava a continuar adiante.

Está consciente de que, por mais precauções que tenha tomado, pode não ter pensado em tudo, e ainda pode ver sua missão interrompida antes que consiga chegar ao fi nal. Mas não há porque lamentar-se ou temer: fez o que podia, agiu de maneira impecável, e, se Deus não quiser que termine seu trabalho, deve aceitar Suas decisões.

Relaxe. Converse com as moças. Deixe que seus músculos descan-sem um pouco antes do golpe fi nal, assim eles estarão mais preparados. Gabriela — a jovem que estava sozinha no bar quando chegou à festa — parece extremamente excitada, e sempre que um garçom passa com um copo de bebida, devolve o seu, mesmo que ainda esteja pela metade, e pega um novo.

— Gelada, sempre gelada!

Sua alegria o contagia um pouco. Pelo que contou, acaba de ser contratada para um fi lme, embora não saiba o título e o papel que vai fazer, mas segundo suas palavras “será a atriz principal”. O dire-3 4 0