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Mas o escândalo com o famoso escritor não durou muito: na Europa, e

principalmente na França, a infidelidade não só é aceita, mas até mesmo é secretamente admirada. E ninguém gosta de ler matéria sobre algo que pode acontecer consigo mesmo.

O tema deixou as capas, mas as hipóteses continuavam: seqüestro,

abandono de lar por causa de maus-tratos (foto de um garçom dizendo que

discutíamos com muita freqüência: me lembro que realmente um dia discuti ali com Esther, furiosamente, sobre sua opinião de um escritor sul-americano, e que era completamente oposta à minha). Um tablóide inglês alegou - ainda bem que sem grandes repercussões - que minha mulher havia entrado na clandestinidade, apoiando uma organização terrorista islâmica.

Mas neste mundo repleto de traições, divórcios, assassinatos, atentados, um mês depois o assunto estava esquecido pelo grande público. Anos de experiência me ensinaram que este tipo de notícia jamais afetaria meu leitor fiel (já acontecera no passado, quando um programa de TV argentino mostrou um

jornalista dizendo ter “provas” que eu tivera um encontro secreto no Chile com a futura primeira-dama do país - e meus livros continuaram na lista dos mais vendidos). O sensacionalismo foi feito para durar apenas 15 minutos, como dizia um artista americano; minha grande preocupação era outra - reorganizar minha vida, encontrar um novo amor, voltar a escrever livros e guardar, na pequena gaveta que se encontra na fronteira entre o amor e o ódio, qualquer lembrança da minha mulher.

Ou melhor (eu precisava aceitar logo o termo): da minha ex-mulher.

Parte do que eu previra naquele quarto de hotel terminou acontecendo.

Passei um período sem sair de casa: não sabia como encarar meus amigos, olhá-

los nos olhos e dizer simplesmente: “Minha mulher me deixou por um homem

mais jovem.” Quando saía, ninguém me perguntava nada, mas depois de beber alguns copos de vinho eu me sentia obrigado a puxar o assunto - como se

pudesse ler os pensamentos de todos, como se achasse que não tivessem outra preocupação além de saber o que estava acontecendo em minha vida, mas fossem educados o suficiente para não dizer nada. Dependendo do meu humor no dia, Esther era realmente a santa que merecia um destino melhor, ou a mulher pérfida, traidora, que me envolvera em uma situação tão complicada, a ponto de ter sido considerado um criminoso.

Os amigos, os conhecidos, os editores, os que sentavam em minha mesa nos

muitos jantares de gala que era obrigado a freqüentar, me escutavam com alguma curiosidade no início. Mas, pouco a pouco, notei que tentavam mudar de assunto

- aquele tema já lhes tinha interessado em algum momento, mas não fazia mais parte de suas curiosidades cotidianas - mais interessante falar sobre a atriz assassinada pelo cantor, ou sobre a adolescente que escreveu um livro contando seus casos com políticos conhecidos. Um dia, em Madri, reparei que os convites para eventos e jantares começaram a escassear: embora me fizesse muito bem à alma descarregar meus sentimentos, culpar ou abençoar Esther, comecei a

entender que estava sendo pior do que um marido traído: estava sendo uma

pessoa aborrecida, que ninguém gosta de ter ao lado.

Resolvi a partir daí sofrer em silêncio, e os convites voltaram a inundar minha caixa de correio.

Mas o Zahir, no qual eu pensava com carinho ou irritação no início,

continuava crescendo em minha alma. Comecei a procurar Esther em cada

mulher que encontrava. Passei a vê-la em todos os bares, cinemas, pontos de ônibus. Mais de uma vez mandei o chofer de táxi parar no meio da rua, ou seguir alguém, até que eu me convencesse de que não era a pessoa que estava

procurando.

Com o Zahir começando a ocupar todo o meu pensamento, eu precisava de

um antídoto, algo que não me levasse ao desespero.

E só havia uma solução possíveclass="underline" arranjar uma namorada.

Encontrei três ou quatro mulheres que me atraíam, terminei me interessando por Marie, uma atriz francesa de 35 anos. Foi a única que não me disse bobagens do tipo “eu gosto de você como homem, não como uma pessoa que todos têm

curiosidade de conhecer”, ou “eu preferiria que você não fosse famoso”, ou - pior ainda - “dinheiro não me interessa”. Foi a única que ficava genuinamente

contente com o meu sucesso, já que também era famosa, e sabia que a

celebridade conta. A celebridade é um afrodisíaco. Estar com um homem

sabendo que ele a escolheu - embora pudesse ter escolhido muitas outras - era algo que fazia bem ao seu ego.

Passamos a ser vistos com freqüência em festas e recepções: especulou-se

sobre nossa relação, nem ela nem eu confirmamos ou afirmamos nada, o tema ficou no ar, e tudo que restava às revistas era esperar a foto do famoso beijo - que nunca veio, porque tanto eu como ela considerávamos vulgar este tipo de

espetáculo público. Ela ia para suas filmagens, eu tinha meu trabalho; quando podia, viajava até Milão, quando ela podia, me encontrava em Paris, nos

sentíamos próximos, mas não dependíamos um do outro.

Marie fingia que não sabia o que se passava na minha alma, eu fingia que

tampouco sabia o que se passava na dela (um amor impossível por seu vizinho casado, embora ela fosse uma mulher que pudesse arranjar absolutamente

qualquer homem que desejasse). Éramos amigos, companheiros, nos divertíamos com os mesmos programas, eu arriscaria dizer que até havia espaço para um determinado tipo de amor - diferente do que eu sentia por Esther, ou ela por seu vizinho.

Voltei a participar de minhas tardes de autógrafos, voltei a aceitar convites para conferências, artigos, jantares beneficentes, programas de televisão, projetos com artistas que estavam começando. Fazia tudo, menos aquilo que eu deveria estar fazendo: escrever um livro.

Mas isso não me importava, no fundo do meu coração eu achava que minha

carreira de escritor havia acabado, já que aquela que me fez começar não estava mais comigo. Vivera intensamente meu sonho enquanto ele durou, chegara aonde poucos tiveram a sorte de chegar, podia agora passar o resto da vida me

divertindo.

Pensava isso todas as manhãs. Durante a tarde, entendia que a única coisa que gostava de fazer era estar escrevendo. Quando chegava a noite, lá estava eu de novo tentando me convencer que já tinha realizado o meu sonho, e devia experimentar algo novo.

ano seguinte foi um ano santo compostelano - acontece sempre que o

dia de Santiago de Compostela, 25 de julho, cai em um domingo. Uma

O porta especial permanece aberta por 365 dias; segundo a tradição, quem entra na catedral de Santiago por esta porta, recebe uma série de bênçãos especiais.

Várias comemorações estavam acontecendo na Espanha, e como era

extremamente grato à peregrinação que fizera, resolvi participar de pelo menos um evento: uma palestra, no mês de janeiro, no País Basco. Para sair da rotina -

tentar escrever livro/ ir à festa/aeroporto/visitar Marie em Milão/ir a um jantar/hotel/aeroporto/Internet/aeroporto/entrevista/aeroporto - escolhi fazer os 1.400 km sozinho, de carro.

Cada lugar - mesmo aqueles que jamais tinha estado antes -me lembra o

meu Zahir particular. Penso que Esther adoraria conhecer isso, teria um grande prazer em comer neste restaurante, caminhar por esta margem do rio. Paro para dormir em Bayonne, e, antes de fechar os olhos, ligo a TV e descubro que há aproximadamente 5 mil caminhões parados na fronteira entre a França e a

Espanha, devido a uma violenta e inesperada tempestade de neve.

Acordo pensando em voltar para Paris: tenho uma excelente desculpa para

cancelar o compromisso, e os organizadores entenderão perfeitamente - o trânsito está uma confusão, existe gelo no asfalto, tanto o governo espanhol como o francês aconselham que ninguém saia de casa neste final de semana, pois os riscos de acidente são grandes. A situação está mais grave que ontem à noite: o jornal da manhã comenta que há 17 mil pessoas bloqueadas em outro trecho, a defesa civil está mobilizada para socorrê-los com alimento e abrigos