“Reenviam o elevador” e no início conseguem algum resultado - as pessoas
não querem correr o risco de criticar abertamente aquilo que não entendem. Mas logo se dão conta de que estão sendo enganadas, deixam de acreditar no que a crítica está dizendo.
A Internet e sua linguagem simples chegam para mudar o mundo. Surge um
mundo paralelo em Paris: novos escritores se esforçam para que suas palavras e suas almas sejam entendidas. Junto-me com estes novos escritores, em cafés que ninguém conhece, porque nem eles nem os cafés são famosos. Desenvolvo meu estilo sozinho, e aprendo com um editor o que preciso aprender sobre a
cumplicidade entre os homens.
que é o Banco de Favores?
- Você sabe. Todo ser humano vivo conhece.
- O - Pode ser, mas ainda não consegui entender o que está dizendo.
- Foi mencionado em um livro de um escritor americano. É o banco mais
poderoso do mundo. Está presente em todas as áreas.
- Venho de um país sem tradição literária. Não poderia fazer favor para
ninguém.
- Isso não tem a menor importância. Posso lhe dar um exemplo: eu sei que
você é alguém que vai crescer, terá muita influência um dia. Eu sei porque já fui como você, ambicioso, independente, honesto. Hoje estou sem a energia que tinha antes, mas pretendo ajudá-lo porque não posso ou não quero ficar parado, não sonho com a aposentadoria, sonho com esta luta interessante que é a vida, o poder, a glória.
“Começo a fazer depósitos na sua conta - estes depósitos não são em
dinheiro, mas em contactos. Apresento você a tal e tal pessoa, facilito certas negociações - desde que sejam lícitas. Você sabe que está me devendo alguma coisa, embora eu jamais cobre nada.”
- E um dia...
- Exatamente. Um dia, lhe peço algo, você pode dizer não, mas sabe que
está me devendo. Fará o que peço, eu continuarei ajudando, os outros saberão que você é uma pessoa leal, farão depósitos em sua conta - sempre contactos, porque este mundo é feito de contactos, e nada mais. Também lhe pedirão algo algum dia, você irá respeitar e apoiar quem o ajudou, com o passar do tempo terá sua teia espalhada por todo o mundo, conhecerá todos que precisa conhecer, e sua influência crescerá cada vez mais.
- Ou então me recuso a fazer o que você me pediu.
- Claro. O Banco de Favores é um investimento de risco, como qualquer
outro banco. Você se recusa a fazer o favor que lhe pedi, achando que o ajudei porque você merecia, você é o máximo, todos nós temos obrigação de reconhecer seu talento. Bem, eu agradeço, peço a outra pessoa onde fiz depósitos em sua conta, mas a partir deste momento todo mundo sabe, sem que seja preciso dizer nada, que você não merece confiança.
“Pode crescer até a metade, mas não crescerá tudo que pretende. Em um
dado momento, sua vida começa a declinar, você chegou à metade e não chegou até o final, está meio contente e meio triste, não é nem um homem frustrado nem um homem realizado. Não é frio nem quente, você é morno e, como diz algum evangelista em algum livro sagrado, coisas mornas não afetam o paladar.”
editor faz muitos depósitos - contactos - em minha conta no Banco de
Favores. Aprendo, sofro, os livros são traduzidos para o francês e,
O como manda a tradição do país, o estrangeiro é bem recebido. Não apenas isso: o estrangeiro faz sucesso! Dez anos depois tenho um grande
apartamento com vista para o Sena, sou amado pelos leitores, odiado pela crítica (que me adorava até vender meus primeiros cem mil exemplares, mas a partir daí deixei de ser um “gênio incompreendido”). Pago sempre em dia os depósitos feitos, e em breve estou emprestando - contactos. A minha influência aumenta.
Aprendo a pedir, e aprendo a fazer o que os outros me pedem.
Esther consegue permissão para trabalhar como jornalista. À parte os
conflitos normais em qualquer casamento, eu estou contente. Percebo pela
primeira vez que todas as minhas frustrações com os namoros e casamentos
anteriores nada tinham a ver com as mulheres que conheci - mas com minha
própria amargura. Esther, entretanto, foi a única que entendeu algo muito simples: para poder encontrar-me com ela, eu precisava primeiro encontrar-me comigo. Estamos há oito anos juntos, acho que ela é a mulher da minha vida, e embora de vez em quando (melhor dizendo, com bastante freqüência) termine me deixando apaixonar por outras mulheres que cruzam meu caminho, em nenhum
momento considero a possibilidade do divórcio.Nunca pergunto se ela sabe dos meus casos extraconjugais. Ela nunca faz qualquer comentário a respeito.
Por isso fico absolutamente surpreso quando, ao sair de um cinema, me diz que havia pedido à revista onde trabalha para fazer uma reportagem sobre uma guerra civil na África.
que você está me dizendo?
- Que quero ser correspondente de guerra.
- O - Você está louca, não precisa disso. Está empregada naquilo que deseja. Ganha bem, embora não precise deste dinheiro para viver. Tem todos os contactos necessários no Banco de Favores. Tem talento e respeito dos seus colegas.
- Digamos, então, que preciso estar sozinha.
- É por minha causa?
- Construímos juntos nossas vidas. Amo o meu homem, e ele me ama,
embora não seja o mais fiel dos maridos.
- É a primeira vez que você fala nisso.
- Porque não tem importância para mim. O que é a fidelidade? O sentimento de que possuo um corpo e uma alma que não são minhas? E você, acha que
jamais estive na cama com outro homem durante todos estes anos que estamos juntos?
- Não me interessa. Não quero saber.
- Pois eu tampouco.
- Então, que história é essa de guerra, em um lugar esquecido do mundo?
- Eu preciso. Já disse que preciso.
- Você não tem tudo?
- Tenho tudo que uma mulher pode desejar.
- O que está errado com sua vida?
- Justamente isso. Tenho tudo, mas estou infeliz. Não sou a única: no
decorrer de todos estes anos, convivi ou entrevistei todo tipo de pessoas: ricas, pobres, poderosas, acomodadas. Em todos os olhos que cruzaram com os meus, li uma amargura infinita. Uma tristeza que nem sempre era aceita, mas que estava ali, independentemente do que me diziam. Você está escutando?
- Estou escutando. Estou pensando. Na sua opinião, ninguém é feliz?
- Algumas pessoas parecem felizes: simplesmente não pensam no tema.
Outras fazem planos: vou ter um marido, uma casa, dois filhos, uma casa de campo. Enquanto estão ocupadas com isso, são como touros em busca do
toureiro: reagem instintivamente, seguem adiante sem saber onde está o alvo.
Conseguem seu carro, às vezes conseguem até sua Ferrari, acham que o sentido da vida está ali, e não fazem jamais a pergunta. Mas, apesar de tudo, os olhos demonstram uma tristeza que nem elas mesmas sabem que carregam na alma.
Você é feliz?
- Não sei.
- Não sei, todo mundo é infeliz. Sei que estão sempre ocupados:
trabalhando além da hora, cuidando dos filhos, do marido, da carreira, do diploma, do que fazer amanhã, o que falta comprar, o que é preciso ter para não se sentir inferior etc. Enfim, poucas pessoas me disseram: “sou infeliz.” A maioria me diz “estou ótimo, consegui tudo o que desejava”. Então pergunto: “O
que te faz feliz?” Resposta: “Tenho tudo que uma pessoa podia sonhar - família, casa, trabalho, saúde.” Pergunto de novo: “Já parou para pensar se isso é tudo na vida? “ Resposta: “Sim, isso é tudo.” Insisto: “Então o sentido da vida é trabalho, família, filhos que vão crescer e deixá-lo, mulher ou marido que se transformarão mais em amigos que em verdadeiros apaixonados. E o trabalho vai terminar um dia. O que fará quando isso acontecer?”