Выбрать главу

Valerius pensava em como o pai se parecia com certos generais sob cujas ordens tinha servido. Homens que faziam o trabalho que era preciso fazer sem quaisquer escrúpulos morais, sem quaisquer dúvidas quanto ao que era o seu dever. Setas que voavam para o alvo com velocidade e pontaria mortíferas.

Para Astorre era diferente. O Don sempre lhe demonstrara afeto e confiança. Mas era ele o único àquela mesa que sabia que a reputação de Don Aprile era justificada. O seu espírito recuou até três anos atrás, quando regressara do exílio. Nessa altura, o Don dera-lhe certas instruções.

― Um homem da minha idade ― dissera-lhe ― pode morrer por ter entalado um dedo numa porta, ou de um ponto negro nas costas, ou de uma paragem cardíaca. É estranho como as pessoas não se apercebem da sua própria mortalidade a cada segundo que passa. Bom, não importa. Até nem precisa de ter inimigos. Em todo o caso, convém planear. Nomeei-te principal herdeiro dos meus bancos. Controla-los-ás e partilharás os lucros com os meus filhos. Pela seguinte razão: há grupos interessados em comprar-mos, um deles encabeçado pelo cônsul-geral do Peru. O Governo Federal continua a investigar-me ao abrigo das leis Rico, para poder confiscá-los. Desejo-lhes sorte. Não encontrarão seja o que for. As minhas instruções são estas: nunca vendas os bancos. Hão de tornar-se mais lucrativos e poderosos com o passar dos anos. A seu tempo, o passado será esquecido.

“Se acontecer algo inesperado, chama o Sr. Pryor para te ajudar. Conhece-lo bem. É extremamente competente, e também ele lucra com os bancos. Deve-me lealdade. Além disso, vou apresentar-te a Benito Craxxi, de Chicago. É um homem infinitamente habilidoso, e também recebe dinheiro dos bancos. Podes confiar nele. Entretanto, vou dar-te um negócio de macarroni só para gerires e permitir-te uma boa vida. A troco de tudo isto, encarrego-te da segurança e da prosperidade dos meus filhos. Vivemos num mundo duro, e eu criei-os como inocentes.

Três anos volvidos, Astorre meditava nestas palavras. O tempo passara, e parecia agora que os seus serviços não seriam necessários. O mundo do Don era indestrutível.

Nicole, porém, ainda não esgotara os seus argumentos.

― E a virtude da misericórdia? ― perguntou ao pai ― Sabe, aquilo que os Cristãos pregam?

― A misericórdia é um vicio, uma pretensão a poderes que não temos ― respondeu o Don instantaneamente. ― Aqueles que concedem misericórdia praticam uma ofensa imperdoável para com a vítima. E não é esse o nosso dever neste mundo.

― Não aceitaria então misericórdia? ― inquiriu Nicole.

― Nunca. Não a procuro nem a desejo. Se tiver de ser, aceitarei o castigo por todos os meus pecados.

Foi durante este jantar que o coronel Valerius Aprile convidou a família para assistir ao crisma do seu filho de doze anos, em Nova Iorque, daí a dois meses. A mulher insistira numa grande festa na velha igreja familiar. O Dom consistente com a sua nova maneira de ser, aceitou o convite.

Foi assim que, numa fria tarde de Dezembro, sob um céu cor de limão, a família Aprile se dirigiu à igreja de Saint Patrick, na Quinta Avenida, onde a luz brilhante do Sol recortava os contornos dessa grande catedral contra um pano de fundo das ruas circundantes. Don Aprile, Valerius e a esposa, Marcantonio, ansioso por uma desculpa para se escapar, e Nicole, encantadora no seu vestido negro, viram o cardeal em pessoa, de mitra vermelha na cabeça, beber vinho, dar a comunhão e aplicar na face dos fiéis a cerimonial palmada admonitória.

Era um doce e misterioso prazer ver aqueles rapazes à beira da puberdade, aquelas raparigas que amadureciam para a nubilidade, avançarem pelas coxias da catedral, envoltos nas suas capas brancas com a faixa de seda vermelha à cintura, sob o olhar benevolente dos anjos e santos de pedra. A confirmarem que serviriam a Deus pelo resto das suas vidas. Nicole tinha lágrimas nos olhos, embora não acreditasse numa palavra do que o cardeal dizia. Riu-se consigo mesma.

Nos degraus do pórtico, as crianças despojaram-se das capas e mostraram as belas roupas que elas escondiam. As raparigas, diáfanos vestidos de renda branca; os rapazes, ternos escuros, camisas brancas e o tradicional laço vermelho ao pescoço, para afastar o Demônio.

Don Aprile saiu da igreja, ladeado por Astorre e Marcantonio. As crianças reuniram-se num círculo. Valerius e a esposa seguravam orgulhosamente a capa branca do filho enquanto um fotógrafo lhes tirava a fotografia. Don Aprile começou a descer a escadaria sozinho. Encheu os pulmões de ar. Estava um dia magnífico; sentia-se vivo e alerta. E quando o seu recém-crismado neto se aproximou para abraçá-lo, afagou-lhe afetuosamente a cabeça e meteu-lhe na mão uma grande moeda de ouro ― a oferta tradicional que se faz às crianças no dia do crisma. Então, com mão generosa, meteu a mão no bolso do casaco e tirou um punhado de moedas de ouro menores, para distribuir pelos outros rapazes e raparigas. Gostou de ouvir os seus gritos de alegria, gostou de estar ali na cidade, onde os altos edifícios cinzentos lhe pareciam acolhedores como árvores. Estava completamente sozinho, com Astorre alguns passos mais atrás. Olhou para o fundo da escadaria e deteve-se por um instante quando um grande carro preto parou junto do passeio, como que para recebê-lo.

Em Brightwaters, na manhã desse domingo, Heskow levantou-se cedo e saiu para ir comprar pão e os jornais. Tinha escondido o carro roubado na garagem, um grande Sedan preto carregado com as armas e as máscaras e as caixas de munições. Verificou os pneus, o combustível e o óleo, as luzes dos travões. Perfeito. Entrou em casa para acordar Franky e Stace, mas, evidentemente, estavam já ambos a pé, e Stace tinha o café pronto.

Tomaram café em silêncio e leram os jornais de domingo. Franky verificou os resultados dos jogos de basquete universitário.

Às dez horas, Stace perguntou a Heskow: ― O carro está pronto?

E Heskow respondeu:

― Tudo pronto.

Meteram-se no carro e arrancaram. Franky sentado à frente, ao lado de Heskow, Stace no banco de trás. A viagem até à cidade demoraria uma hora, o que lhes deixava outra hora extra para entreter. O importante era chegar a tempo.

No carro, Franky verificou as armas. Stace experimentou uma das máscaras, pequenas conchas brancas presas por fitas elásticas laterais de modo a poderem usá-las penduradas ao pescoço até terem de colocá-las, no último momento.

Fizeram o percurso até à cidade a ouvir ópera no rádio do carro. Heskow era um excelente condutor, calmo, regular, sem acelerações ou travagens súbitas. Deixava sempre bastante espaço entre o seu próprio carro e o que seguia à frente. Stace fez um pequeno resmungo de aprovação, que aliviou um pouco a pressão; estavam tensos, mas não nervosos. Sabiam que tinham de ser perfeitos Não podiam falhar.

Heskow progrediu lentamente através da cidade. Parecia estar a apanhar todos os sinais vermelhos. Por fim, virou para a Quinta Avenida e parou a meio quarteirão das grandes portas da catedral. Os sinos da igreja começaram a tocar, e o som como que retinia nas estruturas de vidro e aço dos arranha-céus. Heskow ligou novamente o motor. Ficaram os três a ver as crianças que saíam da catedral como um bando de pombos. Aquilo preocupou-os.

― Franky, o tiro à cabeça ― murmurou Stace.

Nesse instante o Don apareceu, adiantou-se aos dois homens que o acompanhavam e começou a descer a escadaria sozinho. Parecia estar a olhar diretamente para eles.

― Máscaras ― disse Heskow. Acelerou ligeiramente, e Franky pousou a mão direita no fecho da porta ― Segurava a Uzi com a esquerda, pronto para saltar para o passeio.