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― Eles e eu contra vocês os três.

Sabia que era de longe o melhor jogador e pensava, com esta escolha, dar uma hipótese aos amigos do pai.

― Não apertem muito com eles ― recomendou Heskow aos rapazes. ― São só uns velhotes a armar em bons.

O sol fazia refulgir os telhados e as paredes de vidro dos viveiros de flores, o negócio “oficial” do dono da casa.

Os jovens companheiros de Jocko, condescendentemente, imprimiram ao jogo um ritmo mais lento, que julgaram adequado àqueles homens mais velhos. Mas então, subitamente, Franky e Stace estavam a passar por eles como setas e a marcar pontos por baixo do cesto. Jocko ficou a olhar para eles, espantado. Em várias ocasiões, em vez de encestarem, passavam-lhe a bola a ele. Nunca tentavam de meia distância. Parecia ser ponto de honra libertarem-se dos adversários e fazerem o cesto junto à tabela.

Os rapazes da equipe contrária começaram a usar a sua maior altura para se imporem, mas, surpreendentemente, apanhavam poucos ressaltos. Por fim, um deles perdeu a paciência e atingiu Franky no rosto com uma violenta cotovelada. Uma fração de segundo depois, estava estendido no chão. Jocko, que observava tudo, não soube exatamente como aquilo acontecera. Mas então Stace bateu com a bola na cabeça do irmão e disse:

― Anda lá, joga, cabeça de burro.

Franky ajudou o rapaz a levantar-se e deu-lhe uma palmada nas costas.

― Desculpa lá, pá - disse.

Jogaram ainda cerca de cinco minutos, mas por essa altura os homens mais velhos estavam claramente cansados e os miúdos começaram a fazer deles gato-sapato. Finalmente, desistiram.

Heskow trouxe uma bandeja com refrescos e os adolescentes juntaram-se à volta de Franky, que tinha carisma e durante o jogo demonstrara qualidades de profissional. Franky abraçou o rapaz que derrubara e dirigiu-lhe um grande sorriso, que lhe iluminou o rosto anguloso.

― Permitam que um velho lhes dê alguns conselhos ― disse. ― Nunca fintem quando puderem passar. Nunca desistam quando estiverem a perder por vinte pontos na última parte. E nunca saiam com uma mulher que tenha mais de um gato.

Os rapazes riram-se.

Franky e Stace apertaram-lhes as mãos, agradeceram o jogo e entraram em casa atrás de Heskow.

― Eh, vocês são bons! ― gritou-lhes Jocko, do pátio.

John Heskow conduziu os dois irmãos até ao quarto que lhes reservara no primeiro andar. Tinha uma porta pesada, com uma boa fechadura, notaram Tracy e Stace enquanto o dono da casa se afastava para deixá-los entrar e voltava a fechá-la à chave. No mesmo quarto ― e, num canto, um grande baú reforçado com cintas de aço e fechado por um pesado cadeado. Heskow serviu-se de uma chave para abri-lo e levantou a tampa, mostrando uma coleção de pistolas, armas automáticas e caixas de munições cuidadosamente dispostas numa fila de formas geométricas e negras.

― Serve? ― perguntou.

― Não há silenciadores ― observou Franky.

― Não vão precisar de silenciadores para este serviço.

― Ótimo ― interveio Stace. ― Detesto silenciadores. Não consigo acertar numa casa com um silenciador.

― OIC ― prosseguiu Heskow. - Tomem um banho e instalem-se, enquanto eu despacho os miúdos e faço o jantar. O que é que acharam do meu rapaz?

― Um garoto muito simpático ― respondeu Franky.

― E que acharam da maneira como joga basquete? ― quis saber Heskow, com um rubor de orgulho que o fez parecer ainda mais uma pêra madura.

― Excepcional ― disse Franky.

― Stace, tu o que é que achas? ― insistiu Heskow.

― Super-excepcional ― declarou Stace.

― Tem uma bolsa de estudos para a Villanova ― explicou Heskow. Vai direitinho à NBA.

Os gêmeos desceram à sala de estar, um pouco mais tarde, quando Heskow esperava-os. Tinha preparado vitela salteada com cogumelos e uma grande tigela de salada. Havia uma garrafa de vinho tinto em cima da mesa, posta para três.

Sentaram-se. Eram velhos amigos e sabiam as histórias uns dos outros. Heskow estava divorciado havia três anos. A ex-mulher e Jocko viviam perto, em Babylon. Mas o rapaz passava muito tempo ali em casa, e Heskow sempre fora um pai atento e dedicado.

― Só contava convosco amanhã de manhã ― disse. ― Tinha mandado o puto para casa se soubesse que vinham hoje. Quando telefonaram, não podia correr com ele e com os amigos.

― Não tem importância ― assegurou Franky ― Que se lixe.

― Safaram-se bastante bem com os miúdos, lá fora ― continuou Heskow. ― Alguma vez perguntaram a vocês mesmos se poderiam ter chegado a profissionais?

― Não ― respondeu Stace. ― Somos muito baixinhos, só um metro e oitenta. Os pretos eram demasiado grandes para nós.

― Nunca digas uma coisa dessas à frente do puto ― pediu Heskow, horrorizado. ― Tem de jogar com eles.

― Oh, não! ― prometeu Stace. ― Nunca faria semelhante coisa,

Heskow descontraiu-se e bebeu um gole de vinho. Sempre gostara de trabalhar com os irmãos Sturzo. Eram ambos simpáticos, nunca se mostravam violentos como a maior parte do lixo com que era obrigado a lidar. Tinham em sociedade um à-vontade que refletia o à-vontade que havia entre os dois. Eram homens seguros de si mesmos, uma característica que os tornava agradavelmente convivas.

Comeram sem pressa, descontraidamente. Heskow voltou a encher os pratos, servindo diretamente da frigideira.

― Há uma coisa que sempre quis perguntar-te ― disse Franky, dirigindo-se a Heskow. ― Por que foi que mudaste de nome?

― Oh, isso foi há muito tempo ― respondeu Heskow. - Não que tivesse vergonha de ser italiano. Mas vocês sabem como é, pareço uma porra de um alemão. Com cabelos louros, e olhos azuis, e este nariz. As pessoas achavam estranho um nome italiano, ficavam desconfiadas.

Os gêmeos riram-se. Um riso fácil, relaxado. Sabiam que aquilo era conversa, mas não se importavam.

Quando acabaram a salada, Heskow serviu cafés duplos, tirados na máquina, e bolos italianos. Ofereceu charutos, mas os Sturzo recusaram. Acenderam Marlboros, que pareciam curiosamente adequados aos seus rostos vincados de homens do Oeste.

― Falemos de negócios ― disse Stace. ― Deve ser coisa grande, ou não nos obrigariam a fazer a merda de cinco mil quilômetros de automóvel. Podíamos ter vindo de avião.

― Não foi tão mau como isso ― contrapôs Franky. Eu gostei. Vi a América em primeira-mão. Até nos divertimos. As pessoas das cidades pequenas são porreiras.

― Excepcionais ― concordou Stace. ― Mas mesmo assim, foi uma viagem e tanto.

― Não quis deixar rastos nos aeroportos ― explicou Heskow. ― É a primeira coisa que verificam. E, podem ter a certeza, vai aquecer. Não têm medo de um pouco de calor, pois não?

― Para mim é como chupar a teta da mãezinha ― afirmou Stace. ― Muito bem, quem é o gajo?

― Don Raymonde Aprile. ― Heskow quase se engasgou com o café ao dizer estas palavras.

Fez-se um longo silêncio e, pela primeira vez, Heskow sentiu o frio de morte que os dois gêmeos eram capazes de irradiar.

― Fizeste-nos viajar cinco mil quilômetros para nos propor esse trabalho? ― perguntou Franky, calmamente.

― Gostei de te conhecer, John ― disse Stace, com um sorriso. ― É só pagares a nossa taxa de morte-súbita e vamos andando.

Riram-se ambos, mas Heskow não percebeu a piada.

Um dos amigos de Franky em Los Angeles, um escritor free-lancer, explicara-lhes certa vez que as revistas podiam custear as despesas de um artigo sem necessariamente lho comprarem. Limitavam-se a pagar uma pequena percentagem do preço combinado para “matar” a peça. Os gêmeos tinham adotado a idéia. Cobravam só por ouvir uma proposta. Naquele caso, tendo em conta o tempo da viagem e o fato de estarem ambos envolvidos, a taxa de morte-súbita ascendia a vinte mil dólares.