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― Tenho um para ti ― continuou Astorre. ― Tem a ver com a morte do teu pai.

― Não ― disse Marcantonio. Era o seu famoso não, conhecido em toda a indústria televisiva, que eliminava a possibilidade de quaisquer novas discussões. Astorre, porém, não pareceu intimidado.

― Não me digas “não” nesse tom ― replicou Astorre ― Não estou a vender-te coisa nenhuma. Isto diz respeito à segurança do teu irmão e da tua irmã. E à tua. E à minha ― acrescentou, com um grande sorriso.

― Conta-me ― aquiesceu Marcantonio. Estava a ver o primo a uma luz nova e surpreendente. Seria possível que aquele descuidado tivesse qualquer coisa lá dentro, ao fim e ao cabo?

― Quero que faças um documentário sobre o FBI. Mais concretamente, sobre o modo como o Kurt Cilke destruiu a maior parte das Famílias da Máfia. Seria garantido em termos de audiência, certo?

Marcantonio assentiu.

― Com que objetivo? ― perguntou.

― Não posso arranjar dados sobre o Cilke ― explicou Astorre. ― Seria demasiado perigoso tentar. Mas se estiveres a fazer um comentário, nenhuma agência do governo se atreverá a levantar problemas. Podes descobrir onde vive, qual é a sua história, como funciona e que posição ocupa na estrutura de poder do FBI. Preciso de todas essas informações.

― Nem o FBI nem o Cilke cooperariam ― disse Marcantonio. ― O que tornaria difícil fazer a história. ― Fez uma pausa. ― Não é como nos velhos tempos, quando o Hoover era diretor. Estes novos tipos não gostam de abrir o jogo.

― Podes fazê-lo ― insistiu Astorre ― Preciso que o faças. Tens um exército de produtores e de jornalistas de investigação. Preciso de saber tudo a respeito dele. Tudo. Porque penso que talvez faça parte de uma conspiração contra o teu pai e a nossa família.

― É uma teoria um bocado louca ― observou Marcantonio.

― Pois é ― admitiu Astorre. ― Até talvez nem seja verdade. Mas eu sei que não foi um simples ajuste de contas. E que esse Cilke conduz as suas investigações de uma maneira curiosa. Quase como se estivesse a disfarçar as pistas, em vez de segui-las.

― Digamos que te ajudo a obter esse informação. O que podes tu fazer com ela?

Astorre abriu as mãos e sorriu.

― O que posso eu fazer com ela, Marc? Só quero saber. Talvez consiga chegar a um acordo que ponha a família ao abrigo de ataques. E basta-me ver a documentação. Não farei quaisquer cópias, não ficarás comprometido seja de que maneira for.

Marcantonio ficou a olhar para ele. O seu espírito estava a tentar ajustar-se ao rosto simpático e agradável do primo. Disse, pensativamente.

― Astorre, sinto curiosidade a teu respeito. O velho confiou-te o controle. Porquê? És um importador de macaroni. Sempre te vi como um excêntrico encantador que monta a cavalo de casaco encarnado e tem um pequeno grupo de música pop. Mas o velho nunca teria confiado no homem que tu pareces ser.

― Deixei de cantar ― respondeu Astorre, sorrindo. ― Também já pouco monto a cavalo. O Don sempre teve bom olho. Confiava em mim. E tu devias fazer o mesmo. ― Interrompeu-se por um curto instante e acrescentou, com absoluta sinceridade ―: Escolheu-me para que os filhos não tivessem de meter-se em sarilhos. Escolheu-me e ensinou-me. Amava-me, mas eu era dispensável. Tão simples como isso.

― Tens capacidade para ripostar? ― perguntou Marcantonio.

― Oh, sim! ― respondeu Astorre, reclinando-se para trás e sorrindo ao primo. Foi um sorriso deliberadamente sinistro, como o que um ator de TV poderia fazer para mostrar que era mau, mas feito com uma graça tão trocista que Marcantonio foi obrigado a rir.

― É tudo o que tenho de fazer? ― perguntou. ― Não me envolverei em mais nada?

― Não estás qualificado para te envolveres em mais nada ― respondeu Astorre.

― Posso pensar na coisa durante um par de dias?

― Não. Se recusares, serei eu sozinho contra eles.

Marcantonio assentiu com a cabeça, indicando que compreendia.

― Gosto de ti, Astorre, mas não posso fazê-lo. É demasiado arriscado.

A reunião com Kurt Cilke no gabinete de Nicole acabou por ser uma surpresa para Astorre. Cilke levou Bill Boxton consigo e insistiu em que Nicole estivesse presente. Foi, além disso, muito direto.

― Disseram-me que o Timmona. Portella está a tentar estabelecer um fundo de mil milhões de dólares nos vossos bancos. É verdade?

― Essa informação é confidencial ― replicou Nicole. ― Por que haveríamos de revelá-la?

― Sei que lhes fez a mesma oferta que tinha feito ao seu pai. E que o seu pai recusou.

― E o que é que isso interessa ao FBI? ― perguntou Nicole, no seu mais puro tom “vá-se lixar”.

Cilke recusou deixar-se irritar.

― Pensamos que anda a lavar dinheiro da droga ― respondeu, dirigindo-se a Astorre. ― Queremos que coopere com ele, a fim de podermos vigiar a operação. Queremos que coloque alguns dos nossos contabilistas federais nos seus bancos. ― Abriu a pasta que levara consigo. ― Tenho aqui uns papéis para o senhor assinar, para proteção de ambos.

Nicole arrancou-lhe os papéis da mão e leu rapidamente as duas páginas.

― Não assines ― disse, voltando-se para Astorre. ― Os clientes do banco têm direito à sua privacidade. Se querem investigar o Portella, eles que arranjem um mandato.

Astorre pegou nos papéis e leu-os. Sorriu a Cilke.

― Confio em si ― disse. Assinou os papéis e devolveu-lhos.

― Qual é a contrapartida? ― quis saber Nicole. ― O que é que ganhamos se cooperarmos?

― Ganham terem cumprido o vosso dever de cidadãos ― respondeu Cilke. ― Uma carta de recomendação do presidente e o fim de uma auditoria aos vossos bancos que poderia causar um monte de sarilhos se não estiverem absolutamente limpos.

― Que tal alguma informação sobre o assassínio do meu tio? ― pediu Astorre.

― Com certeza ― respondeu Cilke. ― Pergunte.

― Por que razão não havia qualquer espécie de vigilância policial durante a cerimônia na catedral?

― Era uma decisão que competia ao chefe do Departamento de Investigação, Paul Di Benedetto ― explicou Cilke. ― E também à sua adjunta. Uma mulher chamada Aspinella Washington.

― E por que razão não estavam presentes quaisquer observadores do FBI?

― Receio que essa decisão tenha sido minha ― disse Cilke. ―, Não senti que houvesse necessidade.

Astorre abanou a cabeça.

― Não me parece que possa alinhar com a vossa proposta. Preciso de umas semanas para pensar.

― Já assinou os papéis ― fez notar Cilke. ― A partir de agora, a informação é classificada. Poderá ser acusado de crime federal se revelar a alguém a nossa conversa.

― Por que havia de revelar? ― espantou-se Astorre ― Só não quero fazer negócios bancários com o FBI e com o Timmona Portella.

― Pense nisso ― aconselhou Cilke.

Quando os dois homens do FBI saíram, Nicole voltou-se furiosa para o primo.

― Como te atreveste a vetar a minha decisão e assinar aqueles papéis? Foi pura estupidez!

Astorre lançou-lhe um olhar gelado. Foi a primeira vez que ela viu um vestígio de ira nos olhos do primo.

― Ele sente-se seguro com aquele pedaço de papel que eu assinei respondeu Astorre. ― E é exatamente assim que eu quero que se sinta.