― Tive de matá-lo ― disse. ― Tentou subornar-me e depois sacou de uma arma. Chamem a ambulância do terminal. Eu mesma falo com os Homicídios. Não toquem em nada, não me percam de vista.
Na noite seguinte, Portella desferiu o seu ataque. A mulher e a filha de Cilke tinham já sido secretamente levadas para uma bem guardada base do FBi na Califórnia. Cilke, obedecendo às ordens do diretor, estava na sede do Bureau em Nova Iorque, acompanhado por todo o seu pessoal. Bill Boxton recebera o comando global da força-tarefa especial que montaria a emboscada em casa de Cilke. As regras de confrontação tinham, no entanto, sido estritamente definidas. O FBI não queria um banho de sangue que provocasse os protestos dos grupos liberais. Os homens do Bureau só disparariam se fossem alvejados. Far-se-iam todos os esforços para dar aos atacantes a possibilidade de se renderem.
Como participante da equipe de planeamento, Kurt Cilke reuniu-se com Bill Boxton e o chefe da equipe operacional, um homem comparativamente jovem, de trinta e cinco anos, cujo rosto tinha a rigidez fria e distante dos habituados a comandar. Tinha também uma pele desagradavelmente cinzenta e uma indesculpável covinha no queixo. Chamava-se Sestak e o seu sotaque era puramente Harvard. A reunião foi no gabinete de Cilke.
― Espero que se mantenham permanentemente em contato comigo disse. ― As regras de confrontação serão estritamente observadas.
― Não te preocupes ― procurou Boxton tranquilizá-lo. - Temos cem homens e um poder de fogo muito superior. Vão render-se.
― Ótimo. Quando os capturarem, despachem-nos para o centro de interrogatórios de Nova Iorque. Não estou autorizado a participar no interrogatório, mas quero ser informado logo que possível.
― E se alguma coisa correr mal e elas acabarem por ser mortos? ― perguntou Sestak.
― Haverá um inquérito interno e o diretor ficará extremamente aborrecido. Ora bem, a realidade é esta: serão presos por tentativa de homicídio, e depois postos em liberdade sob fiança. Logo a seguir, desaparecerão para a América do Sul. Portanto, temos apenas uns poucos dias para interrogá-los.
Boxton olhou para ele com um pequeno sorriso.
Sestak disse-lhe, no seu tom de voz muito culto: ― Suponho que isso o deixará a si extremamente aborrecido.
― Claro que me desagrada ― admitiu Cilke. ― Mas o diretor tem de ter em conta as implicações políticas. As acusações de conspiração são sempre complicadas de provar.
― Estou a ver ― disse Sestak. ― Nesse caso, tens as mãos atadas.
― Exatamente ― respondeu Cilke.
― É uma vergonha ― observou Boxton, surdamente. ― Esses tipos tentam matar um agente federal e safam-se numa boa.
Sestak estava a olhar para ambos com um sorriso divertido. A sua pele cinzenta adquiriu uma tonalidade rosada.
― Está a pregar para o coro ― disse. ― De qualquer modo, estas operações correm sempre mal. Um fulano que tem uma arma pensa sempre que pode dispará-la. Um aspecto muito curioso da natureza humana.
Nessa noite, Boxton acompanhou Sestak à área operacional em torno da residência de Cilke, em Nova Jersey. As luzes tinham sido deixadas acesas, para dar a impressão de que estava gente em casa. Havia além disso três carros estacionados diante da porta, sugerindo que os guardas se encontravam no interior. Os carros tinham sido armadilhados, de modo a explodirem se o motor fosse posto a trabalhar. Tirando isto, Boxton nada viu. Onde raio estão os seus cem homens? ― perguntou a Sestak.
Este dirigiu-lhe um amplo sorriso.
― Muito bom, hein? Estão à nossa volta, e nem mesmo você consegue vê-los. Já têm as suas linhas de fogo definidas. Quando os atacantes entrarem, a estrada será fechada. E nós teremos um cesto cheio de ratazanas.
Boxton permaneceu ao lado de Sestak no posto de comando situado a cinqüenta metros da casa. Com eles estava uma equipe de transmissões constituída por quatro homens camuflados de modo a confundirem-se com o bosque que lhes dava cobertura. Sestak e os membros do grupo operacional estavam armados com fuzis. Boxton tinha apenas a sua pistola.
― Não o quero envolvido na luta ― disse-lhe Sestak. ― Além disso, a arma que usa seria inútil nesta situação.
― Por que não? ― protestou Boxton. ― Passei toda a minha carreira à espera de uma oportunidade de disparar contra os maus.
Sestak riu-se.
― Mas não vai ser hoje. A minha equipe está protegida por ordens executivas contra quaisquer inquéritos ou acusações legais. Você não está.
― Mas sou o comandante.
― Só até iniciarmos a fase operacional ― replicou Sestak, friamente. ― A partir desse momento, o único comandante sou eu. Todas as decisões são minhas. Nem o diretor pode desautorizar-me.
Esperaram juntos na escuridão. Boxton consultou o relógio. Faltavam dez para a meia-noite. Um dos membros da equipe de transmissões sussurou ao ouvido de Sestak:
― Cinco carros cheios de homens vêm nesta direção. A estrada foi fechada. Tempo estimado de chegada, cinco minutos.
Sestak usava equipamento infravermelho que lhe dava visão noturna.
― OK. ― disse. ― Avisa os homens. Ninguém dispara a menos que seja em resposta a fogo inimigo ou por ordem minha.
Esperaram. Subitamente, cinco carros entraram de rompante no pátio e travaram com um chiar de pneus. Do seu interior começaram a saltar homens, um dos quais lançou uma bomba incendiária para dentro da casa de Cilke. O engenho estilhaçou o vidro de uma das janelas e cuspiu uma fina língua de fogo vermelho.
Na mesma fração de segundo, toda a área foi inundada pela luz ofuscante dos projetores, que paralisou o grupo de vinte atacantes. Simultaneamente, um helicóptero brilhantemente iluminado apareceu a pairar sobre a casa. Os alto-falantes rugiram a sua mensagem para a noite:
― Agentes federais. Larguem as armas e deitem-se no chão. Ofuscados pelas luzes, os homens encurralados permaneceram imóveis. Boxton apercebeu-se, com alívio, de que tinham perdido toda a vontade de resistir.
Por isso foi apanhado de surpresa quando Sestak ergueu a espingarda e disparou para o meio do grupo de atacantes, que ripostaram imediatamente ao fogo. No mesmo instante, o bosque encheu-se com o estrondear de centenas de disparos que varreram o pátio e ceifaram os assaltantes.
Um dos carros armadilhados explodiu. Foi como se um furacão de chumbo tivesse assolado o pequeno espaço. Os outros carros assentaram no solo, tão crivados de balas que a tinta saltou literalmente das carroçarias. O pátio pareceu jorrar uma fonte de sangue que começou a escorrer, contornando os veículos. Os vinte atacantes tinham-se transformado em montes de carne esfarrapada e ensanguentada, como sacos de roupa suja à espera de serem levados.
Boxton estava em estado de choque. Voltou-se para Sestak
― Disparou antes deles poderem render-se ― disse, acusadoramente. ― Será esse o meu relatório.
― Discordo. ― Sestak sorriu-lhe. ― A partir do momento em que lançaram a bomba incendiária, passou a ser tentativa de homicídio. Não podia arriscar os meus homens. Será esse meu relatório. E também que foram eles os primeiros a disparar.
― Pois não será o meu ― replicou Boxton.
― A sério? ― troçou Sestak. ― Acha que o diretor quer o seu relatório? A única coisa que vai conseguir é ficar na lista negra. Para sempre.