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A primeira reAção de Georgette foi de choque, depois de incredulidade. Mas decorreram apenas segundos até que, pela primeira vez na sua vida, sentiu em si uma explosão de fúria.

― Como te atreves! ― sussurrou. Olhou Nicole bem nos olhos. ― O meu marido preferia morrer a violar a lei.

Nicole ficou surpreendida pela intensidade da resposta. Via agora que Georgette acreditava verdadeiramente no marido.

― O teu marido não é o homem que parece ser ― continuou. ― E eu sei como te sentes. Acabo de ler o processo do FBI sobre o meu pai, e por muito que o tenha amado, sei que me escondeu certas coisas. Tal como o Kurt te esconde certas coisas.

Contou-lhe então do milhão de dólares que Portella depositara na conta de Cilke, e das ligações de Portella com traficantes de droga e assassinos, que só podiam fazer o seu trabalho com a bênção tácita do marido dela.

― Não espero que acredites em mim. Tudo o que espero é que perguntes ao teu marido se o que estou a dizer-te é ou não verdade. Se ele é o homem que tu dizes, não mentirá.

Georgette não deixou transparecer o mais pequeno indício do tumulto que lhe ia na alma.

― Por que estás a contar-me tudo isso? ― perguntou.

― Porque o teu marido tem uma vendetta contra a minha família. Vai permitir que os associados dele matem o Astorre para poderem assumir o controle dos bancos da família. Será amanhã à noite, no armazém de macarrão do meu primo.

Quando Nicole falou de macarrão, Georgette riu-se e disse:

― Não acredito em ti. ― Levantou-se para sair. ― Lamento muito, Nicole ― acrescentou. ― Sei que estás perturbada, mas nada mais temos a dizer uma à outra.

Nessa noite, na sala escassamente mobilada da casa de campo para onde a família fôra transferida, Cilke enfrentou o seu pesadelo. Ele e a mulher tinham acabado de jantar e estavam sentados em frente um do outro, ambos a ler. Subitamente, Georgette pousou o livro e disse: ― Preciso de falar contigo a respeito de Nicole Aprile.

Nunca, em todos aqueles anos de casamento, Georgette pedira ao marido para falar de assuntos relacionados com a profissão dele. Não queria a responsabilidade de carregar segredos federais. E sabia que aquela era uma parte da sua vida que Cilke precisava de manter só para si. Por vezes, deitados na cama lado-a-lado, perguntava a si mesma como seria que ele fazia o seu trabalho ― as táticas que usava para obter informações, a pressão que devia ter de exercer sobre os suspeitos. Mas no seu espírito imaginava-o sempre como a epítome do agente federal, com o seu terno muito bem engomado, o seu muito folheado exemplar da Constituição enfiado no bolso de trás das calças. No fundo do coração, era suficientemente sagaz para saber que isto não passava de uma fantasia. O marido era um homem determinado. Iria aonde fosse preciso para derrotar os seus inimigos. Mas aquela era uma realidade que sempre preferira não examinar.

Cilke estava a ler um romance policial ― o terceiro volume de uma série a respeito de um assassino psicopata que criava o filho para o sacerdócio. Quando Georgette disse aquilo, fechou imediatamente o livro. ― Estou a ouvir ― disse.

― A Nicole disse-me hoje umas coisas... a teu respeito e a respeito da investigação que estás a conduzir ― continuou Georgette. ― Sei que não gostas de falar do teu trabalho, mas ela fez acusações muito sérias.

Cilke sentiu a raiva subir-lhe no peito, até transformar-se numa fúria cega. Primeiro tinham-lhe morto os cães. Depois tinham-lhe destruído a casa. E agora manchavam a mais pura das suas relações. Finalmente, quando o seu coração parou de rufar, pediu a Georgette, com uma voz muito calma, que lhe contasse exatamente o que tinha acontecido.

Georgette repetiu toda a conversa que tivera com Nicole e vigiou atentamente a expressão do marido à medida que absorvia a informação. O rosto dele não denunciou qualquer sinal de surpresa ou ofensa. Quando ela terminou, Cilke disse:

― Obrigado, querida. Sei que foi muito dificil para ti dizer-me isso. E lamento que tenhas tido de fazê-lo. Em seguida, levantou-se da cadeira e dirigiu-se à porta da frente.

― Aonde vais? ― perguntou Georgette.

― Preciso de apanhar ar ― respondeu Cilke. ― Preciso de pensar.

― Kurt, querido? ― A voz de Georgette soou interrogativamente; estava a pedir-lhe que a tranquilizasse, que lhe dissesse que os seus medos não tinham razão de ser.

Cilke jurara nunca mentir à mulher. Se ela insistisse na verdade, teria de dizer-lha e sofrer as conseqüências. Estava na esperança de que ela compreendesse e decidisse que era melhor fingir que aqueles segredos não existiam.

― Há alguma coisa que possas dizer-me? ― perguntou Georgette.

Ele abanou a cabeça.

― Não. Faria tudo por ti. Sabes isso, não sabes?

― Sim. Mas preciso de saber. Por nós e pela nossa filha.

Cilke viu que não havia por onde escapar. Compreendeu que a mulher nunca mais olharia para ele da mesma maneira se lhe contasse a verdade. Naquele instante, teve vontade de esmagar o crânio de Astorre Viola. Pensou no que poderia dizer a Georgette: só aceitei os subornos porque o FBI me pediu? Deixamos passar os pequenos crimes para nos concentrarmos nos grandes? Violamos algumas leis para podermos impor as mais importantes? Sabia que estas respostas só conseguiriam enfurecê-la, e amava-a e respeitava-a demasiado para fazer uma coisa dessas.

Saiu de casa sem dizer uma palavra. Quando voltou, Georgette fingiu estar a dormir. Foi nesse momento que tomou a sua decisão. Na noite seguinte confrontaria Astorre Viola e  reclamaria a sua própria visão de justiça.

Aspinella Washington não odiava todos os homens, mas ficava muitas vezes surpreendida pela enorme quantidade dos que a decepcionavam. Eram tão... inúteis.

Depois de ter-se encarregado de Heskow, foi sumariamente interrogada por dois agentes da segurança do aeroporto, que eram demasiado estúpidos ou estavam demasiado intimidados para questionarem a versão que ela dava dos fatos. Quando descobriram os cem mil dólares presos ao corpo de Heskow, chegaram à conclusão de que o motivo dele era óbvio. Decidiram que era justo recompensarem-se a si mesmos com uma taxa de serviço por terem de limpar a porcaria que ela fizera antes da chegada da ambulância. Também deram a Aspinella um maço de notas manchadas de sangue, que ela juntou aos trinta mil que Heskow já lhe tinha dado.

Só tinha dois usos para o dinheiro. Guardou-o todo, menos três mil dólares, no seu cofre de depósito. Deixara à mãe instruções precisas no sentido de que, se lhe acontecesse alguma coisa, todo o dinheiro do cofre ― mais de trezentos mil dólares ― fosse depositado num fundo em nome da filha. Com os restantes três mil, apanhou um táxi para a esquina da Quinta Avenida com a Rua Cinqüenta e Três, entrou na mais luxuosa loja de artigos de couro da cidade e subiu no elevador até uma suite privada no terceiro andar.

Uma mulher que usava óculos de marca e um fato às riscas azuis aceitou o dinheiro e conduziu-a a uma sala ao fundo do corredor, onde tomou um banho com óleos aromáticos importados da China. Deixou-se ficar de molho mais de vinte minutos, a ouvir um pouco de canto gregoriano, enquanto esperava por Rudolfo, um terapeuta especializado em massagem-sexual. Rudolfo cobrava três mil dólares por cada sessão de duas horas, o que, como gostava de fazer notar às suas sempre satisfeitas clientes, era mais do que até os advogados mais famosos recebiam à hora. “A diferença”, dizia, com o seu sotaque bavaro e um sorriso malandro, “é que eles se limitam a fodê-las com truques, ao passo que eu as fodo a valer.”