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Astorre tinha cumprido a sua promessa a Don Aprile: salvar os bancos e garantir o bem-estar da família. Considerava-se agora livre de quaisquer obrigações.

Uma semana depois de ter sido totalmente ilibado no caso das mortes ocorridas no armazém, encontrou-se com Don Craxxi e Octavius Bianco no gabinete da fábrica e falou-lhes do seu desejo de regressar à Sicília. Explicou-lhes que tinha uma saudade enorme da própria terra, que se lhe insinuava nos sonhos havia muitos anos. Tinha inúmeras recordações felizes da sua infância em Villa Grazia, o retiro campestre de Don Aprile, e sempre esperara lá voltar. Era uma vida mais simples, mas de muitas maneiras mais rica.

Foi então que Bianco lhe disse:

― Não precisas de voltar a Villa Grazia. Há na Sicília uma vasta propriedade que te pertence. Toda a aldeia de Castellammare del Golfo. Astorre estava confuso.

― Como é isso possível?

Benito Craxxi falou-lhe do dia em que o grande chefe da Máfia, Don Zeno, chamara os amigos para junto do seu leito de morte.

― És o filho do seu coração e da sua alma ― disse. ― E agora és o seu único herdeiro. A aldeia foi-te legada pelo teu pai. É tua por direito de nascimento.

― Antes de Don Aprile te trazer para a América, Don Zeno tomou certas disposições relativamente a todos os habitantes da aldeia, até ao dia em que tu a reclamasses. Nós encarregamo-nos de protegê-los depois da morte do teu pai, segundo os seus desejos. Quando as colheitas eram más, fornecíamos aos camponeses dinheiro para comprarem novas sementes, e coisas assim.

― Por que não me disseram isso antes? ― perguntou Astorre.

― Don Aprile fez-nos jurar segredo ― explicou Bianco. ― O teu pai queria a tua segurança, e Don Aprile queria que fizesses parte da sua família. Além disso, precisava de ti para proteger os filhos. Na realidade, tiveste dois pais. És um abençoado.

Astorre aterrou na Sicília num belo dia cheio de sol. Dois dos guarda-costas de Michael Grazziella foram esperá-lo ao aeroporto e escoltaram-no num Mercedes azul escuro.

Enquanto atravessavam Palermo, Astorre maravilhou-se com a beleza da cidade: colunas de mármore e ornadas esculturas de figuras míticas faziam de certos edificios templos gregos, ou catedrais espanholas, com santos e anjos profundamente esculpidos na pedra cinzenta. A descida até Castellammare del Golfo demorou quase duas horas, por uma íngreme estrada de montanha onde cabia apenas um carro. Para Astorre, como sempre, o mais impressionante da Sicília era a beleza dos campos, com a sua maravilhosa vista sobre o Mediterrâneo.

A aldeia, aninhada num profundo vale rodeado por montanhas, era um labirinto de ruas empedradas, ladeadas por pequenas casas de dois pisos. Astorre avistou vários rostos a espreitarem por entre as fendas das janelas pintadas de branco, fechadas para manter lá fora o abrasador Sol do meio-dia.

Foi recebido pelo presidente da municipalidade local, um homem de pequena estatura que vestia roupas de camponês, que se apresentou como Leo DiMarco e lhe fez uma respeitosa vênia, dizendo:

― Il Padrone. Bem-vindo.

Astorre, ligeiramente embaraçado, sorriu e pediu em siciliano: ― Importa-se de mostrar-me a aldeia?

Passaram por alguns velhos que jogavam às cartas sentados em bancos de madeira. No extremo oposto da praça erguia-se uma bela igreja. E foi a esta igreja, chamada de São Sebastião, que o presidente da câmara começou por levar Astorre, que não rezava uma oração formal desde a morte de Don Aprile. Astorre ajoelhou, de cabeça inclinada, para receber a bênção de don Del Vecchio, o padre da aldeia.

Em seguida, o presidente DiMarco acompanhou-o até à pequena casa onde ficaria instalado. Pelo caminho, Astorre reparou na presença de vários carabinieri, encostados às casas e com as espingardas à mão.

― Depois do anoitecer ― explicou o presidente ―, é mais seguro ficar na aldeia. Mas, durante o dia, é uma alegria estar nos campos. Durante os dias que se seguiram, Astorre deu longos passeios pelos campos, perfumados pelo aroma fresco dos pomares de laranjeiras e limoeiros. O seu principal objetivo era conhecer os aldeãos e explorar as velhas casas de pedra, construídas ao estilo das vilhrs romanas. Queria encontrar uma de que pudesse fazer seu lar.

Ao terceiro dia, sabia que ia ser feliz ali. Os habitantes, normalmente reservados e solenes, cumprimentavam-no na rua, e quando se sentava no café da pia, os velhos e as crianças metiam-se brincalhonamente com ele. Havia apenas mais duas coisas que tinha de fazer.

No dia seguinte, pediu ao presidente que lhe mostrasse o caminho para o cemitério da aldeia.

― Para quê? ― perguntou DiMarco.

― Para apresentar os meus respeitos ao meu pai e à minha mãe ― respondeu Astorre.

DiMarco assentiu e pegou numa grande chave de ferro forjado suspensa de um prego na parede do gabinete.

― Conheceu bem o meu pai? - perguntou-lhe Astorre.

― Quem não conheceu Don Zeno? ― respondeu o homem, benzendo-se rapidamente. ― É a ele que devemos as nossas vidas. Salvou os nossos filhos mandando vir remédios de Palermo. Protegeu a nossa aldeia contra saqueadores e bandidos.

― Mas como era ele, como pessoa? ― insistiu Astorre.

DiMarco encolheu os ombros.

― Já restam muito poucos dos que o conheceram dessa maneira, e são ainda menos os que falarão consigo a esse respeito. Tornou-se uma lenda. Quem quereria conhecer o homem real?

Eu quereria, pensou Astorre.

Atravessaram os campos e em seguida subiram uma íngreme colina, com DiMarco a parar de vez em quando para recuperar o fôlego. Finalmente, Astorre viu o cemitério. Mas em vez de lápides, havia filas de pequenas construções de pedra. Jazigos. Todo o espaço estava cercado por um alto gradeamento de ferro forjado, dotado de um portão fechado à chave. Por cima do portão, uma placa dizia: PARA LÁ DESTA PORTA, TODOS SÃO INOCENTES.

O presidente abriu o pesado portão e conduziu Astorre até ao mausoléu do pai, uma grande construção de mármore cinzento sobre cuja porta estavam gravadas as palavras: VINCERIZO ZENO, UM HOMEM BOM E GENEROSO. Astorre entrou no edificio e, sobre o altar, estudou a fotografia do pai. Era a primeira vez que via uma foto dele, e ficou impressionado ao notar como aquele rosto lhe parecia familiar.

DiMarco conduziu-o depois a um outro jazigo mais pequeno, várias filas mais adiante. Este era de mármore branco, tendo como única nota de cor uma imagem a traço da Virgem, gravada a azul-claro por cima do arco que servia de porta. Astorre entrou e examinou a foto. A rapariga não teria mais de vinte e dois anos, mas os seus grandes olhos verdes e o seu sorriso pareceram aquecê-lo.

Lá fora, disse a DiMarco:

― Quando era um rapazinho, costumava sonhar com uma mulher como ela, mas pensava que era um anjo.

DiMarco assentiu gravemente com a cabeça.

― Era uma bonita rapariga. Lembro-me de vê-la na igreja. E tem razão. Cantava como um anjo.

Astorre cavalgou através dos campos, só se detendo o tempo suficiente para comer o fresco queijo de cabra e o pão estaladiço que uma das mulheres da aldeia lhe tinha preparado.

Finalmente, chegou a Corleone. Não podia adiar por mais tempo o seu encontro com Michael Grazziella. Devia ao homem pelo menos essa cortesia.

Tinha a pele bronzeada por todo aquele tempo passado ao ar livre, e Grazziella recebeu-o de braços abertos.