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― O sol siciliano tem sido bom para si ― disse.

Astorre conseguiu pôr na sua voz a nota exata de gratidão: ― Obrigado por tudo. Especialmente pelo seu apoio.

Graziella caminhou com ele até à villa.

― E que o traz a Corleone? ― perguntou.

― Penso que sabe por que estou aqui ― respondeu Astorre.

Grazziela sorriu.

― Um jovem forte como você? Claro que sim! E vou já levá-lo até junto dela. É uma alegria para os olhos, esta sua Rosie, e tem dado prazer a todos quantos a conhecem.

Conhecedor do apetite sexual de Rosie, Astorre perguntou a si mesmo por um instante se Grazziella estaria a tentar dizer-lhe qualquer coisa. Mas depressa se arrependeu. Graziella era demasiado decente para dizer semelhante coisa, e demasiado siciliano para tolerar qualquer comportamento menos decente sob o seu olhar vigilante.

A casa de Rosie ficava a poucos minutos de distância. Quando chegaram, Grazziella gritou cá de fora: ― Rosie, minha querida, tens uma visita.

Rosie envergava um simples vestido azul, de verão, com os cabelos louros presos num rabo-de-cavalo. Sem maquilhagem, parecia mais nova e mais inocente do que ele se lembrava.

Parou quando o viu, surpresa. Logo a seguir gritou:

― Astorre! ― Correu para ele, beijou-o, e começou a falar excitadamente. ― Já aprendi a falar fluentemente o dialecto siciliano. E também aprendi algumas receitas famosas. Gostas de espinafres gnocchi?

Astorre levou-a para Castellammare del Golfo e passou a semana seguinte a mostrar-lhe a aldeia e os campos circundantes. Todos os dias iam nadar, conversavam durante horas e faziam amor com esse conforto que só vem com o tempo.

Ele observava-a atentamente, procurando indícios de que estava a aborrecer-se ou farta daquela vida simples. Mas ela parecia verdadeiramente em paz. Perguntou a si mesmo se, depois de tudo o que tinham passado jun tos, poderia alguma vez confiar realmente nela. E então perguntou a si mesmo se seria muito inteligente amar uma mulher ao ponto de confiar inteiramente nela. Tanto ele como Rosie tinham segredos a esconder ― coisas que não queriam recordar nem partilhar. Mas Rosie conhecia-o e continuava a amá-lo. Guardaria os segredos dele, e ele guardaria os dela.

Só uma coisa ainda o perturbava. Rosie tinha um fraco por dinheiro e por prendas caras. Astorre perguntava a si mesmo se alguma vez ficaria satisfeita com aquilo que um só homem, fosse ele quem fosse, podia oferecer-lhe. Tinha de saber.

No último dia em Castellamare, Astorre e Rosie percorreram as colinas a cavalo, galopando pelos campos até ao crepúsculo. Pararam então numa vinha, onde colheram uvas que meteram na boca um do outro.

― Nem posso crer que fiquei tanto tempo ― disse Rosie, quando descansavam os dois estendidos na erva.

Os olhos verdes de Astorre brilharam intensamente.

― Achas que eras capaz de ficar um pouco mais? ― perguntou.

Rosie pareceu surpreendida.

― Em quanto tempo estás a pensar.

Astorre pôs-se de joelhos e estendeu a mão para ela.

― Talvez cinqüenta ou sessenta anos ― disse, com um sorriso. Na palma da mão tinha um simples anel de bronze. ― Queres casar comigo? Pôs-se à espreita de qualquer hesitação nos olhos de Rosie, do mais pequeno desapontamento com a qualidade do anel, mas a resposta dela foi imediata. Lançou-lhe os braços ao pescoço e cobriu-o de beijos. Depois caíram ambos no chão e rolaram juntos pelas colinas.

Um mês mais tarde, Astorre e Rosie casavam num dos laranjais dele. O padre Del Vecchio celebrou a cerimônia. Estiveram presentes todos os habitantes de ambas as aldeias. A colina estava atapetada de glicínias silvestres e o aroma das laranjas e dos limões perfumava o ar. Astorre envergava uma roupa branca de camponês, e Rosie um vestido de seda cor-de-rosa. Havia um porco a assar num espeto sobre um leito de brasas vermelhas e belos tomates maduros dos campos. Havia grandes pães e queijos acabados de fazer. O vinho caseiro correu como um rio.

Quando a cerimónia terminou e os dois trocaram votos, Astorre cantou para a noiva as suas baladas preferidas. Bebeu-se tanto e dançou-se tanto que os festejos se prolongaram até ao nascer do Sol.

Na manhã seguinte, quando acordou, Rosie viu Astorre a aparelhar os cavalos.

― Vens comigo? ― perguntou ele.

Viajaram o dia inteiro, e Astorre encontrou o que procurava: Villa Grazia. ― O paraíso secreto do meu tio ― disse a Rosie. ― Passei aqui os dias mais felizes da minha infância.

Rodeou a casa até ao quintal, e Rosie seguiu-o. E finalmente chegaram à oliveira dele, aquela que crescera do caroço que tinha plantado quando era um rapazinho. A árvore era agora tão alta como ele, com um grosso tronco. Astorre tirou do bolso uma afiada navalha, agarrou um ramo e cortou-o.

― Vamos plantá-lo no nosso quintal. Assim, quando tivermos um filho, também ele terá recordações felizes.

Um ano mais tarde, Astorre e Rosie festejavam o nascimento do seu filho, Raymonde Zeno. E quando chegou a altura de batizá-lo, convidaram toda a família de Astorre a juntar-se-lhes na igreja de São Sebastião.

Depois de o padre Del Vecchio ter terminado, Valerius, sendo o mais velho dos filhos de Don Aprile, ergueu o seu copo para fazer um brinde: ― Possam todos prosperar e viver uma vida feliz. E possa o vosso filho crescer tendo no coração a paixão da Sicília e o romantismo da América.

Marcantonio ergueu também o seu copo, e acrescentou: ― E se quiserem trabalhar na televisão, já sabem com quem falar

Agora que os bancos Áprile estavam a dar tanto lucro, Marcantonio estabelecera uma linha de crédito de vinte milhões de dólares para desenvolver as suas próprias idéias dramáticas. Ele e Valerius estavam a trabalhar juntos num projeto baseado nos ficheiros do FBI sobre o pai. Nicole achara uma péssima idéia, mas todos concordaram que o Don teria apreciado a ironia de receber grandes quantidades de dinheiro pela dramatização da lenda dos seus crimes.

― Alegados crimes ― acescentara Nicole.

Astorre perguntou a si mesmo se alguém estaria ainda interessado. A velha Máfia morrera. Os grandes Dons tinham alcançado os seus objetivos e desaparecido graciosamente na sociedade, como os melhores criminosos sempre fazem. Os pouco pretendentes que restavam eram uma mistura de miseráveis bandidos de segunda-classe e ladrões impotentes. Por que haveria de alguém de dar-se a tanto trabalho quando era muito mais fácil roubar milhões criando uma empresa e vendendo ações ao público?

― Eh, Astorre, achas que poderias ser o nosso consultor especial para o filme? ― perguntou Marcantonio. ― Queremos fazê-lo o mais autêntico possível.

― Com certeza ― respondeu Astorre, sorrindo. ― Vou dizer ao meu agente que entre em contato convosco.

Mais tarde, na cama, Rosie voltou-se para Astorre.

― Achas que algum dia vais querer voltar? ― perguntou.

― Aonde? A Nova Iorque? À América?

― Tu sabes ― disse Rosie, hesitantemente. ― À tua antiga vida.

― Aqui é o meu lugar. Contigo.

― Ainda bem ― disse Rosie. ― Mas, e o nosso filho? Não achas que deveria ter a oportunidade de experimentar tudo o que a América tem para oferecer?

Astorre imaginou Raymonde a correr pelas montanhas, a comer azeitonas da barrica, a ouvir histórias sobre os grandes Dons da Sicília de antigamente. Ansiava pelo dia em que havia de contar ao filho essas histórias. E no entanto, sabia que esses mitos não seriam o suficiente.