Por outro lado, existiam os drinks de mil francos suíços. Talvez não durasse muito tempo - afinal, a beleza muda rápido como o vento -, e em um ano tivesse dinheiro para recuperar tudo e voltar ao mundo, desta vez ditando ela mesma as regras do jogo. Seu único problema concreto era que não sabia o que fazer, como começar. Em seus tempos na boate familiar, uma meça mencionara um lugar chamado Rue de Berne - aliás, fora um dos seus primeiros comentários, antes mesmo de mostrar onde devia deixar as malas.
Foi até um dos grandes painéis em que se encontravam vários lugares de Genève, aquela cidade tão gentil com os turistas, que não gostava de vê-los perdidos - e, para evitar isso, esses painéis tinham anúncios de um lado e mapas do outro.
Um homem estava ali, e ela perguntou se ele sabia onde ficava a Rue de Berne. Ele a olhou intrigado, e perguntou se era exatamente isso que estava procurando, ou se queria saber onde ficava a estrada que ia até Berne, a capital da Suíça.
- Não - respondeu Maria -, quero a tal rua que fica aqui mesmo.
O homem olhou-a de alto a baixo e afastou-se sem dizer uma palavra, certo de que estava sendo filmado para um daqueles programas de TV, em que a grande alegria do público é ver como todos podem parecer ridículos. Maria ficou quinze minutos ali parada -
afinal a cidade era pequena - e terminou encontrando o local.
Sua amiga invisível, que tinha ficado calada enquanto ela se concentrava no mapa, agora tentava argumentar; não era uma questão de moral, mas de entrar em um caminho sem volta.
Maria respondeu que, se fosse capaz de ter dinheiro para voltar da Suíça, seria capaz de sair de qualquer situação. Além do mais, nenhuma daquelas pessoas com as quais cruzava no seu passeio tinha escolhido o que desejava fazer. Essa era a realidade da vida.
"Estamos em um vale de lágrimas", disse à amiga invisível. "Podemos ter muitos sonhos, mas a vida é dura, implacável, triste. O que você quer me dizer? Que irão me condenar? Ninguém saberá, e isso será apenas um período de minha vida."
Com um sorriso doce, mas triste, a amiga invisível desapa
receu.
Foi até o parque de diversões, comprou uma entrada para a montanha-russa, gritou como todos os outros, mas entendendo que não havia perigo, era apenas um brinquedo.
Comeu em um restaurante japonês, mesmo sem entender direito o que comia sabia apenas que era muito caro -, e agora estava disposta a se dar todos os luxos. Estava alegre, não precisava esperar por um telefonema, ou contar os centavos que gastava.
No final do dia, ligou para a agência, disse que o encontro fora muito bom, e que estava agradecida. Se fossem sérios, per
guntariam sobre as fotos. Se fossem agenciadores de mulheres, arranjariam novos encontros.
Atravessou a ponte, voltou para o pequeno quarto, resolveu que não compraria de jeito nenhum uma televisão, mesmo tendo dinheiro e muitos planos pela frente: precisava pensar, usar todo o seu tempo para pensar.
Do diário de Maria naquela noite (com uma anotação na margem dizendo: "não estou muito convencida"):
Descobri por que um homem paga por uma mulher: ele quer ser feliz.
Não vai pagar mil francos apenas para ter um orgasmo. Ele quer ser feliz. Eu também quero, todo mundo quer, e ninguém consegue. O que tenho a perder se resolver me transformar por algum tempo em uma... a palavra é difícil de pensar e escrever... mas vamos lá... o que posso perder se resolver ser uma prostituta por algum tempo?
A honra. A dignidade. O respeito por mim. Pensando bem, nunca tive nenhuma destas três coisas. Não pedi para nascer, não consegui alguém que me amasse, sempre tomei as decisões erradas. Agora estou deixando que a vida decida por mim.
A agência telefonou no dia seguinte, perguntou sobre as fotos e para quando seria o desfile, já que ganhavam uma comissão sobre cada trabalho. Maria disse que o árabe devia entrarem contato com eles, imediatamente deduzindo que não sabiam de nada.
Foi até a biblioteca e pediu livros sobre sexo. Se estava considerando seriamente a possibilidade de trabalhar - por um ano apenas, ela havia prometido a si mesma - em algo sobre o qual não conhecia nada, a primeira coisa que precisava aprender era como agir, como dar prazer, e como receber dinheiro em troca.
Para sua decepção, a bibliotecária disse que tinham apenas uns poucos tratados técnicos, já que o lugar era uma instituição do governo. Maria leu o índice de um dos tratados técnicos, e logo devolveu: não entendiam nada da felicidade, falavam apenas de ereção, penetração, impotência, precauções, coisas sem o menor sabor. Por um dado momento, chegou a considerar seriamente a possibilidade de levar "Considerações psicológicas sobre a frigidez da mulher", já que, no seu caso, só conseguia ter orgasmos através da masturbação, embora fosse muito agradável ser possuída e penetrada por um homem.
Mas não estava ali em busca de prazer, e sim de trabalho. Agradeceu à bibliotecária, passou em uma loja e fez seu primeiro investimento na possível carreira que se delineava
.no horizonte - roupas que considerava sexy o suficiente para despertar todo tipo de desejo.
Em seguida, foi ao lugar que havia descoberto no mapa. A Rue de Berne começava em uma igreja (coincidência, perto do restaurante japonês onde jantara no dia anterior!), transformava-se em vitrines vendendo relógios baratos, até que, em seu final, ficavam as boates de que havia escutado falar, todas fechadas àquela hora do dia. Tornou a passear em volta do lago, comprou - sem qualquer constrangimento - cinco revistas pornográficas para estudar o que eventualmente deveria fazer, esperou a noite, e dirigiu-se de novo ao lugar.
Ali, escolheu por acaso um bar com o sugestivo nome brasileiro de Copacabana.
Não tinha decidido nada, dizia para si mesma. Era apenas uma experiência. Nunca se sentira tão bem e tão livre em todo 0 tempo que passara na Suíça.
- Está procurando emprego - disse o dono, que lavava copos detrás de um balcão, sem mesmo colocar um ponto de interrogação na frase. O lugar consistia em uma série de mesas, um canto com uma espécie de pista de dança e alguns sofás encostados nas paredes.
- Nada feito. Para trabalhar aqui, já que obedecemos à lei, é preciso ter pelo menos uma carteira de trabalho.
Maria mostrou a sua, e o homem pareceu melhorar de humor.
- Tem experiência?
Ela não sabia o que dizer: se dissesse que sim, ele iria perguntar onde trabalhara antes.
Se negasse, ele seria capaz de recusá- la.
- Estou escrevendo um livro.
A idéia saíra do nada, como se uma voz invisível a estivesse ajudando naquele momento. Notou que o homem sabia que era uma mentira, e fingia que acreditava.
- Antes de tomar qualquer decisão, fale com algumas das moças. Temos pelo me nos seis brasileiras, e você poderá saber tudo o que a aguarda.
Maria quis dizer que não precisava de conselhos de ninguém, que tampouco tinha tomado uma decisão, mas o homem já se deslocara para o outro lado do bar, deixando-a sozinha, sem lhe oferecer sequer um copo de água.
As moças foram chegando, o dono identificou algumas brasileiras e pediu que conversassem com a recém-chegada. Nenhuma delas parecia disposta a obedecer e Maria deduziu que tinham medo da concorrência. O som da boate foi ligado, e algumas canções brasileiras começaram a tocar (afinal, o lugar chamava-se Copacabana). Entraram moças de traços asiáticos, outras que pareciam ter saído das montanhas nevadas e românticas em torno de Genève. Finalmente, depois de quase duas horas de espera, muita sede, alguns cigarros, uma sensação cada vez mais profunda de que estava tomando uma decisão errada, uma repetição mental infindável da frase "o que estou fazendo aqui?", e uma irritação com a total ausência de interesse tanto do proprietário como das meninas, uma das brasileiras terminou se aproximando.