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Tudo isso? Bem, ela ganhara mil francos em uma noite, mas talvez fosse sorte de principiante. De qualquer maneira, os rendimentos de uma prostituta normal eram mais, muito mais, do que poderia conseguir dando aulas de francês na sua terra. Tudo isso tendo como único esforço ficar em um bar durante algum tempo, dançar, abrir as pernas, e ponto final. Nem mesmo conversar era necessário.

Dinheiro podia ser um bom motivo, continuou pensando. Mas era tudo? Ou as pessoas que estavam ali, clientes e mulheres, conseguiam se divertir de alguma maneira?

Será que o mundo era bem diferente do que lhe haviam contado na escola? Se usasse preservativo, não haveria nenhum risco, nem mesmo o de ser reconhecida por alguém de sua terra. Ninguém visita Genève, exceto - como lhe disseram uma vez no curso - os que gostavam de freqüentar bancos. Mas os brasileiros, em sua maioria, gostam mesmo é de freqüentar lojas, de preferência em Miami ou Paris. Trezentos francos por dia, cinco dias por semana.

Uma fortuna! O que aquelas meninas continuavam a fazer ali, se em um mês tinham dinheiro suficiente para voltar para comprar uma casa para suas mães? Será que estavam trabalhando havia pouco tempo?

Ou - e Maria teve medo da própria pergunta - ou será que era bom?

De novo sentiu vontade de beber - o champanha ajudara muito no dia anterior.

- Aceita um drink?

Diante dela, um homem de aproximadamente trinta anos, uniforme de uma companhia aérea.

O mundo entrou em câmara lenta, e Maria experimentou a sensação de sair do seu corpo e observar-se do lado de fora. Morrendo de vergonha, mas lutando para controlar o rubor de sua face, fez que sim com a cabeça, sorriu, e entendeu que a partir daquele minuto sua vida tinha mudado para sempre.

Coquetel de frutas, conversa, o que está fazendo aqui, está frio, não é verdade? Gosto desta música, pois eu prefiro Abba, os suíços são frios, você é do Brasil? Conte- me sobre a sua terra. Tem carnaval. As brasileiras são lindas, você sabia?

Sorrir e aceitar o elogio, fazer talvez um ar meio tímido. Dançar de novo, mas prestando atenção ao olhar de Milan, que às vezes coça a cabeça e aponta para o relógio em seu pulso. Cheiro de perfume do homem, entende rápido que precisa se acostumar com cheiros. Pelo menos este é de perfume. Dançam agarrados. Mais um coquetel de frutas, o tempo está passando. Ele não tinha dito que eram quarenta e cinco minutos? Olha o relógio, ele pergunta se está esperando alguém, ela diz que dali a uma hora virão alguns amigos, ele a convida para sair. Hotel, trezentos e cinqüenta francos, ducha após o sexo (o homem comentou, intrigado, que ninguém tinha feito isso antes). Não é Maria, é alguma outra pessoa que está em seu corpo, que não sente nada, apenas cumpre mecanicamente uma espécie de ritual. É uma atriz. Milan tinha ensinado tudo, menos como se despedir do cliente. Ela agradece, ele também está sem jeito, e com sono.

Reluta, quer voltar para casa, mas deve ir à boate entregar os cinqüenta francos, e então novo homem, no vo coquetel, perguntas sobre o Brasil, hotel, ducha de novo (desta vez sem comentários). Retorna ao bar, o dono pega sua comissão, diz que pode ir embora, o movimento está fraco naquele dia. Não toma um táxi, cruza toda a Rue de Berne a pé, olhando as outras boates, as vitrines com relógios, a igreja na esquina (fechada, sempre fechada...). Ninguém retorna o olhar - como sempre.

Caminha pelo frio. Não sente a temperatura, não chora, não pensa no dinheiro que ganhou, está em uma espécie de transe. Algumas pessoas nasceram para encarar a vida sozinhas. Isso não é bom nem mau, apenas a vida. Maria é uma destas pessoas.

Começa a fazer força para refletir sobre o que aconteceu. Começou hoje e entretanto já se considera uma profissional, parece que foi há muito tempo, que fez isso toda a sua vida. Tem um estranho amor por si mesma, está contente por não ter fugido. Precisa agora decidir se vai seguir adiante. Se seguir, irá ser a melhor - coisa que nunca foi, em momento algum.

Mas a vida estava lhe ensinando - muito rápido - que só os fortes sobrevivem. Para ser forte, é preciso ser mesmo o melhor; não há alternativa.

Do diário de Maria, uma semana depois:

Eu não sou um corpo que tem uma alma, sou uma alma que tem uma parte visível chamada corpo. Durante todos estes dias, ao contrário do que podia imaginar, esta alma esteve muito mais presente. Não me dizia nada, não me criticava, não sentia pena de mim: apenas me observava.

Hoje eu me dei conta do motivo por que isso acontecia: há muito tempo não penso em algo chamado amor. Parece que ele está fugindo de mim, como se não fosse mais importante, e não se sentisse bem-vindo. Mas, se não pensar em amor, não serei nada.

Quando voltei ao Copacabana, no segundo dia, já era vista com muito mais respeito -

pelo que entenda; muitas garotas aparecem por uma noite e não agüentam continuar. Quem vai adiante passa a ser uma espécie de aliada, de companheira - porque pode entender as dificuldades e as razões, ou melhor dizendo, a ausência de razões de se ter escolhido este tipo de vida.

Todas sonham com alguém que chegue e as descubra como verdadeira mulher, companheira, sensual, amiga. Mas todas sabem, desde o primeiro minuto de um novo encontro, que nada disso irá acontecer.

Preciso escrever sobre o amor. Preciso pensar, pensar, escrever e escrever sobre o amor - ou minha alma não suportará.

Mesmo pensando que o amor era algo tão importante, Maria não se esqueceu do conselho que recebera na primeira noite, e procurou vivê-lo apenas nas páginas do seu diário. De resto, procurava desesperadamente um meio de ser a melhor, conseguir muito dinheiro em pouco tempo, e encontrar uma boa razão para fazer aquilo que fazia.

Essa era a parte mais difíciclass="underline" qual seria a verdadeira razão?

Fazia aquilo porque precisava. Não era bem assim - todo mundo sempre precisa ganhar dinheiro, e nem todos escolhem viver completamente à margem da sociedade. Fazia porque estava querendo ter uma experiência nova. Será? A cidade estava cheia de experiências novas - como esquiar ou andar de barco no lago, por exemp lo, e ela jamais tivera qualquer curiosidade a respeito. Fazia porque já não tinha mais nada a perder, sua vida era uma frustração diária e constante.

Não, nenhuma das respostas era verdadeira, melhor esquecer o assunto e simplesmente continuar vivendo o que estava em seu caminho. Tinha muita coisa em comum com as outras prostitutas, e com as outras mulheres que conhecera em sua vida: casar e ter uma vida segura era o maior de todos os sonhos. As que não pensavam nisso ou tinham marido (quase a terça parte de suas companheiras era casada), ou vinham de uma experiência recente de divórcio. Por causa disso, para entender a si mesma ela tentou -com todo o cuidado -entender por que suas companheiras tinham escolhido aquela profissão.

Não ouviu nenhuma novidade, e fez uma lista das respostas:

a) diziam que precisavam ajudar o marido em casa (e os ciúmes? E se aparecesse um amigo do marido? Mas não teve coragem de ir tão longe);

b) comprar uma casa para a mãe (desculpa igual a sua, que parecia nobre, mas era a mais comum);

c) juntar dinheiro para a passagem de volta (colombianas, tailandesas, peruanas e brasileiras adoravam este motivo, embora já tivessem ganho muitas vezes o dinheiro, e logo se desfeito dele, com medo de realizar o sonho);

d) prazer (não combinava muito com o ambiente, soava falso);

e) não tinham conseguido fazer mais nada (também não era uma boa razão, a Suíça estava cheia de empregos de faxineira, motorista, cozinheira).

Enfim, não descobriu nenhum bom motivo, e parou de tentar explicar o universo ao seu redor.

Viu que o proprietário, Milan, tinha razão: nunca mais tinham lhe oferecido mil francos suíços para passar algumas horas com ela. Por outro lado, ninguém reclamava quando pedia trezentos e cinqüenta francos, como se já soubessem, e perguntas sem apenas para humilhar - ou para não terem surpresas desagradáveis.