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Uma das meninas comentou:

- A prostituição é um negócio diferente dos outros: quem começa ganha mais, quem tem experiência ganha menos. Finja sempre que é uma iniciante.

Ainda não sabia o que eram os "clientes especiais", assunto apenas mencionado na primeira noite - ninguém tocava neste assunto. Aos poucos foi aprendendo alguns dos truques mais importantes da profissão, como nunca perguntar pela vida pessoal, sorrir e falar o mínimo possível, não marcar jamais encontros fora da boate. O conselho mais importante veio de uma filipina chamada Nyah:

- Você deve gemer na hora do orgasmo. Isso faz com que o cliente permaneça fiel a você. - Mas por quê? Eles estão pagando para se satisfazer.

- Você está enganada. Um homem não prova que é macho quando tem uma ereção.

Ele é macho se é capaz de dar prazer a uma mulher. Se for capaz de dar prazer a uma prostituta então ele vai se julgar o melhor de todos.

Assim se passaram seis meses: Maria aprendeu todas as lições de que precisava -

como, por exemplo, o funcionamento do Copacabana. Sendo um dos lugares mais caros da Rue de Berne, a clientela era composta em sua maioria de executivos, que tinham permissão de chegar tarde em casa, já que estavam "janta ndo fora com clientes", mas o limite para estes "jantares" não devia ultrapassar as 23:00h. A maioria das prostitutas tinha entre dezoito e vinte e dois anos, e ficavam em média dois anos na casa, logo sendo substituídas por outras recém-chegadas. Iam então para o Néon, logo para o Xenium e, à medida que a idade da mulher aumentava, o preço descia, e as horas de trabalho se evaporavam. Terminavam quase todas no Tropical Extasy, que aceitava mulheres com mais de trinta anos. Uma vez ali, no entanto, a única saída era sustentar-se arranjando o suficiente para o almoço e o aluguel com um ou dois estudantes por dia (média de preço por programa: o suficiente para comprar uma garrafa de vinho barato).

Foi para a cama com muitos homens. Jamais se importava com a id ade, ou com as roupas que usavam, mas o seu "sim" ou "não" dependia do cheiro que exalavam. Nada tinha contra o cigarro, mas detestava os homens que usavam perfumes baratos, os que não tomavam banho e os que tinham as roupas impregnadas de bebida. O Copacabana era um lugar tranqüilo, e a Suíça talvez fosse o melhor país do mundo para se trabalhar como prostituta - desde que tivesse permissão de residência e trabalho, papéis em dia, e pagasse o seguro social religiosamente; Milan vivia repetindo que não desejava que seus filhos o vissem nas páginas de jornais sensacionalistas, e conseguia ser mais rígido que um policial quando se tratava de verificar a situação de suas contratadas.

Enfim, uma vez vencida a barreira da primeira ou da segunda noite, era uma profissão como qualquer outra, onde se trabalhava duro, lutava-se contra a concorrência, esforçava-se para manter um padrão de qualidade, cumpriam-se horários, estressava-se um pouco, reclamava-se do movimento e descansava-se aos domingos. A maior parte das prostitutas tinha algum tipo de fé e freqüentava seus cultos, suas missas, fazia suas preces, e tinha seus encontros com Deus.

Maria, porém, lutava com as páginas do seu diário para não perder sua alma.

Descobriu, para sua surpresa, que um em cada cinco clientes não estava lá para fazer amor, mas para conversar um pouco. Pagavam o preço da tabela, o hotel, e na hora de tirar a roupa diziam que não era necessário. Queriam falar das pressões do trabalho, da mulher que os traía com alguém, do fato de se sentirem sozinhos, sem ter com quem conversar (ela conhecia bem esta situação).

No início, achou muito estranho. Até que um dia, quando ia para o hotel com um importante francês, encarregado de caçar talentos para altos cargos executivos (ele lhe explicava isso como se fosse a coisa mais interessante do mundo), ouviu do seu cliente o seguinte comentário:

- Sabe quem é a pessoa mais solitária do mundo? É o executivo que tem uma carreira bem-sucedida, ganha um altíssimo salário, recebe a confiança de quem está acima e abaixo dele, tem uma família com quem passa as férias, filhos a quem ajuda nos deveres escolares, e que num belo dia recebe a visita de um tipo como eu, com a seguinte proposta: "Você quer mudar de emprego, ganhando o dobro?"

"Esse homem, que tem tudo para sentir-se desejado e feliz, torna-se a pessoa mais miserável do planeta. Por quê? Porque não tem com quem conversar. Está tentado a aceitar minha proposta, e não pode comentá-la com os colegas do trabalho, pois estes fariam de tudo para convencê- lo a ficar onde está. Não pode falar com a mulher, que durante anos acompanhou sua carreira vitoriosa, entende muito de segurança, mas não entende de riscos.

Não pode falar com ninguém, e está diante da grande decisão da sua vida. Você pode imaginar o que sente este homem?"

Não, não era essa a pessoa mais solitária do mundo, porque Maria conhecia a pessoa mais sozinha da face da terra: ela mesma. Mesmo assim, concordou com seu cliente, na esperança de uma boa gorjeta - que veio. E a partir daquele comentário, entendeu que precisava descobrir algo para liberar seus clientes da pressão enorme que pareciam carregar; isso significaria uma melhora na qualidade dos seus serviços, e uma possibilidade de dinheiro extra.

Quando entendeu que liberar a tensão da alma era tão ou mais lucrativo do que liberar a tensão do corpo, voltou a freqüentar a biblioteca. Começou a pedir livros sobre problemas conjugais, psicologia, política, e a bibliotecária estava encantada - porque a menina pela qual tinha tanto carinho desistira de ficar pensando em sexo e agora se concentrava em coisas mais importantes. Passou a ler regularmente os jornais, acompanhando, sempre que possível, as páginas de economia - já que a maior parte dos seus clientes eram executivos.

Pediu livros de auto-ajuda - pois quase todos lhe pediam conselhos. Estudou tratados sobre a emoção humana - uma vez que todos sofriam, por uma razão ou por outra. Maria era uma prostituta respeitável, diferente, e ao final de seis meses de trabalho, tinha uma clientela seleta, grande, e fiel, e despertava a inveja, o ciúme, mas também a admiração das companheiras.

Quanto ao sexo, até aquele momento nada tinha acrescentado a sua vida: era abrir as pernas, exigir que colocassem um preservativo, gemer um pouco para aumentar a possibilidade de uma gorjeta (graças à filipina Nyah ela descobrira que os gemidos podiam render cinqüenta francos a mais), e tomar uma ducha logo após a relação, de modo que a água lavasse um pouco a sua alma. Nada de variações. Nada de beijo - o beijo, para uma prostituta, era mais sagrado que qualquer outra coisa. Nyah lhe ensinara que devia conservar o beijo para o amado da sua vida, como no conto da Bela Adormecida; um beijo que a faria despertar do sono e voltar ao mundo do conto de fadas, no qual a Suíça se transformava de novo no país do chocolate, das vacas e dos relógios.

Também nada de orgasmos, prazer, ou coisas excitantes. Na busca para ser a melhor de todas, Maria andara assistindo a algumas sessões de filmes pornográficos, esperando aprender algo que pud esse usar no seu trabalho. Tinha visto muita coisa interessante, mas que não se animava a praticar com os seus clientes - demoravam muito, e Milan sempre ficava contente quando as mulheres se encontravam com três pessoas por noite.

No final do semestre, Maria tinha colocado sessenta mil francos no banco, passara a comer em restaurantes mais caros, comprara uma TV (que nunca usava, mas que gostava de ter perto) e agora considerava seriamente a possibilidade de mudar para um apartamento melhor. Já podia comprar livros, mas continuava a freqüentar a biblioteca, que era sua ponte para o mundo real, mais sólido e mais duradouro. Gostava de conversar com a bibliotecária, que estava feliz porque Maria finalmente arranjara um amor, e talvez um emprego, embora não perguntasse nada, já que os suíços são tímidos e discretos (verdadeira mentira, porque no Copacabana e na cama eram desinibidos, alegres ou complexados como qualquer outro povo do mundo).