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Do diário de Maria, em uma tarde morna de domingo:

Todos os homens, baixos ou altos, arrogantes ou tímidos, simpáticos ou distantes, têm uma característica em comum: chegam à boate com medo. Os mais experientes escondem seu pavor falando alto, os inibidos não conseguem disfarçar e começam a beber para ver se a sensação vai embora. Mas não tenho dúvida, com raríssimas exceções - e estes são os

"clientes especiais", que Milan ainda não me apresentou - eles estão assustados.

Com medo de quê? Na verdade, sou eu quem devia estar tremendo. Sou eu quem sai, vai para um lugar estranho, não tenho força física, não carrego armas. Os homens são muito estranhos, e não estou falando apenas daqueles que vêm até o Copacabana, mas de todos que conheci até hoje. Podem bater, podem gritar, podem ameaçar, mas morrem de medo de uma mulher. Talvez não daquela com quem se casaram, mas sempre existe uma que os assusta e os submete a todos os seus capachos. Nem que seja a própria mãe.

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A homens que conhecera desde que chegara em Genève faziam de tudo para parecerem seguros de si, como se governassem o mundo e suas próprias vidas; Maria, porém, via nos olhos de cada um o terror da esposa, o pânico de não conseguir ter uma ereção, de não serem machos o suficiente nem diante de uma simples prostituta, a quem estavam pagando. Se fossem a uma loja e não lhes agradasse o calçado, seriam capazes de voltar com o recibo na mão e exigir o reembolso. Entretanto, embora também estivessem pagando por uma companhia, se não tivessem uma ereção, jamais voltariam à mesma boate, porque achavam que a história teria se espalhado entre todas as outras mulheres; seria uma vergonha.

"Sou eu quem devia ter vergonha por não conseguir excitar um homem. Mas, na verdade, são eles que têm."

Para evitar estes constrangimentos, Maria procurava deixá-los sempre à vontade, e quando algum deles parecia mais bêbado ou mais frágil que o normal, evitava o sexo e concentrava-se apenas em carícias e masturbação - o que os deixava muito contentes - por mais absurdo que parecesse esta situação, já que podiam masturbar-se sozinhos.

Era preciso sempre evitar que ficassem envergonhados. Aqueles homens, tão poderosos e arrogantes em seu trabalho, onde lidavam sem parar com empregados, clientes, fornecedores, preconceitos, segredos, atitudes falsas, hipocrisia, medo, opressão, terminavam o dia em uma boate, e não se importavam em pagar trezentos e cinqüenta francos suíços para deixarem de ser eles mesmos durante a noite.

"Durante a noite? Ora, Maria, você está exagerando. Na verdade, são quarenta e cinco minutos, e mesmo assim, se descontarmos tirar a roupa, ensaiar algum falso carinho, conversar alguma coisa óbvia, vestir a roupa, reduziremos este tempo para onze minutos de sexo propriamente dito."

Onze minutos. O mundo girava em torno de algo que demorava apenas onze minutos.

E por causa destes onze minutos em um dia de vinte e quatro horas (se levássemos em conta que todos fizessem amor com suas esposas, todos os dias, o que seria um absurdo e uma inverdade completa), eles se casavam, sustentavam a família, agüentavam o choro das crianças, se desmanchavam em explicações quando chegavam tarde em casa, olhavam dezenas, centenas de outras mulheres com quem gostariam de passear em torno do lago de Genève, compravam roupas caras para si mesmos, e roupas ainda mais caras para elas, pagavam prostitutas para compensar o que estava faltando, sustentava uma gigantesca indústria de cosméticos, dietas, ginástica, pornografia, poder - e quando se encontravam com outros homens, ao contrário do que dizia a lenda, jamais falavam de mulheres.

Conversavam sobre empregos, dinheiro e esporte.

Havia algo de muito errado com a civilização; e não era o desmatamento da Amazônia, a camada de ozônio, a morte dos pandas, o cigarro, os alimentos cancerígenos, a situação nas penitenciárias, como gritavam os jornais.

Era exatamente aquilo em que trabalhava: o sexo.

Entretanto, Maria não estava ali para salvar a humanidade, e sim para aumentar sua conta bancária, sobreviver por mais seis meses à solidão e à escolha que fizera, enviar regularmente a mesada para a sua mãe (que ficou muito contente ao saber que a ausência de dinheiro devia-se apenas ao correio suíço, que não funcionava tão bem como o correio brasileiro), comprar tudo que sempre sonhara e jamais tivera. Mudou-se para um apartamento muito melhor, com calefação central (embora o verão já tivesse chegado), e da sua janela podia ver uma igreja, um restaurante japonês, um supermercado e um simpático café, que costumava freqüentar para ler um pouco os jornais.

De resto, conforme prometera a si mesma, era só agüentar mais meio ano na rotina de sempre: Copacabana, aceita um drink, dançar, o que acha do Brasil, hotel, cobrar adiantado, conversar e saber tocar nos pontos exatos - tanto no corpo como na alma, principalmente na alma -, ajudar nos problemas íntimos, ser amiga por meia hora, da qual onze minutos serão gastos em abre perna, fecha perna, gemidos fingindo prazer. Obrigada, espero vê -lo na próxima semana, você é realmente um homem, vou ouvir o resto da história na próxima vez que nos encontrarmos, excelente gorjeta, afinal não precisava porque tive muito prazer em estar com você.

E, sobretudo, jamais se apaixonar. Este era o mais importante, o mais sensato de todos os conselhos que a brasileira lhe dera -antes de sumir, provavelmente porque se apaixonara.

Em dois meses de trabalho já tivera várias propostas de casamento, e pelo menos três eram muito sérias: o diretor de uma firma de contabilidade, o tal piloto com quem saíra na primeira noite, e o dono de uma loja especializada em canivetes e armas brancas. Os três lhe prometeram "tirá- la daquela vida" e dar-lhe uma casa decente, um futuro, talvez filhos e netos. Tudo por apenas onze minutos por dia? Não era possível. Agora, depois de sua experiência no Copacabana, sabia que não era a única pessoa a sentir-se sozinha. E o ser humano pode tolerar uma semana de sede, duas semanas de fome, muitos anos sem teto, mas não pode tolerar a solidão. É a pior de todas as torturas, de todos os sofrimentos.

Aqueles homens, e os muitos outros que queriam sua companhia, sofriam como ela este sentimento destruidor - a sensação de que ninguém nesta terra se importava com eles.

Para evitar tentações do amor, seu coração estava apenas em seu diário. Entrava no Copacabana apenas com seu corpo e seu cérebro, cada vez mais perceptivo, mais afiado.

Conseguira convencer-se de que chegara a Genève e terminara na Rue de Berne por alguma razão maior, e cada vez que alugava um livro na biblioteca, confirmava: ninguém escrevera direito sobre estes onze minutos mais importantes do dia. Talvez fosse esse o seu destino, por mais duro que pudesse parecer no momento: escrever um livro, contar sua história, sua aventura.

Isso, aventura. Embora fosse uma palavra proibida, que ninguém ousava pronunciar, que a maior parte preferia ver na televisão, em filmes que passavam e repassavam nas mais diversas horas do dia, era isso que ela buscava. Combinava com desertos, com viagens para lugares desconhecidos, com homens misteriosos puxando conversa em um barco no meio do rio, com aviões, estúdios de cinema, tribos de índio, geleiras, África.

Gostou da idéia do livro, e chegou a pensar no título: Onze minutos.

Começou a classificar os clientes em três tipos: os Exterminadores (nome dado em homenagem a um filme do qual gostara muito), que já entravam cheirando a bebida, fingindo que não olhavam para ninguém, mas achando que todos estavam olhando para eles, dançando pouco e indo direto ao assunto do hotel. Os Pretty Woman (também por causa de um filme), que procuravam ser elegantes, gentis, carinhosos, como se o mundo dependesse daquele tipo de bondade para voltar ao seu eixo, como se estivessem caminhando pela rua e entrassem por acaso na boate; eram doces no início, e inseguros quando chegavam ao hotel, e por causa disso terminavam sendo mais exigentes que os Exterminadores. Fina lmente, os Poderosos Chefões (também por causa de um filme), que tratavam o corpo de uma mulher como se trata uma mercadoria. Eram os mais autênticos, dançavam, conversavam, não deixavam gorjeta, sabiam o que estavam comprando e quanto valia, jamais se deixariam levar pela conversa de qualquer mulher que escolhessem. Esses eram os únicos que, de uma maneira muito sutil, conheciam o significado da palavra aventura.