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- Não vá embora. Estou terminando este retrato, e gostaria de pintá- la também.

Maria respondeu - e ao responder, criou o laço que faltava no universo.

- Não estou interessada.

- Você tem luz. Deixe- me pelo menos fazer um esboço.

O que era esboço? O que era "luz"? Não deixava de ser uma mulher vaidosa, imagine ter o seu retrato feito por alguém que parecia sério! Começou a delirar: e se fosse um pintor famoso? Ela seria imortalizada para sempre em uma tela! Exposta em Paris, ou em Salvador da Bahia! Um mito!

Por outro lado, o que fazia aquele homem, com toda aquela bagunça a sua volta, em um bar tão caro e possivelmente bem freqüentado?

Adivinhando seu pensamento, a moça que atendia os clientes disse baixinho:

- Ele é um artista muito conhecido.

Sua intuição não falhara. Maria procurou controlar-se e manter o sangue-frio.

- Vem aqui de vez em quando, e traz sempre um cliente importante. Diz que gosta do ambiente, que fica inspirado. Está fazendo um painel com as pessoas que representam a cidade, foi uma encomenda da prefeitura.

Maria olhou para o homem que estava sendo pintado. De novo a garçonete leu seu pensamento.

- É um químico que fez uma descoberta revolucionária. Ganhou o prêmio Nobel.

- Não vá embora - repetiu o pintor. - Vou terminar em cinco minutos. Peça o que quiser e coloque na minha conta.

Como que hipnotizada pela ordem, ela sentou-se no bar, pediu um coquetel de anis (como não costumava beber, a única coisa que lhe ocorreu foi imitar o tal prêmio Nobel), e ficou olhando o homem trabalhar. "Não represento a cidade, por isso ele deve estar interessado em outra coisa. Mas não faz meu tipo", pensou automaticamente, repetindo o que sempre dizia para si mesma desde que começara a trabalhar no Copacabana; era sua tábua de salvação e sua renúncia voluntária às armadilh as do coração.

Uma vez isso bem claro, não custava esperar um pouco talvez a moça no balcão estivesse certa, e aquele homem pudesse abrir as portas de um mundo que não conhecia, mas com o qual sempre sonhara: afinal de contas, não tinha pensado em seguir a carreira de modelo?

Ficou observando a agilidade e a rapidez com que ele concluía o seu trabalho - pelo visto era uma tela muito grande, mas estava completamente dobrada, e ela não podia ver os outros rostos ali retratados. E se agora tivesse uma nova oportunidade?

O homem (resolvera que era "homem", e não "rapaz", porque senão iria começar a sentir-se velha demais para sua idade) não parecia o tipo que faz aquela proposta apenas para passar uma noite com ela. Cinco minutos depois, conforme prometera, ele havia terminado seu trabalho, enquanto Maria se concentrava no Brasil, no seu futuro brilhante, e na absoluta falta de interesse que tinha em conhecer pessoas novas que pudessem colocar todos aqueles planos em risco.

- Obrigado, já pode mudar de posição - disse o pintor para o químico, que pareceu acordar de um sonho.

E, virando-se para Maria, disse sem rodeios:

- Vá para aquele canto e fique à vontade. A luz está ótima.

Como se tudo já estivesse combinado pelo destino, como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se sempre em sua vida tivesse conhecido aquele homem, ou tivesse vivido aquele momento em sonhos e agora soubesse o que fazer na vida real, Maria pegou seu copo de anis, a bolsa, os livros sobre administração de fazendas, e dirigiu-se ao lugar indicado pelo homem uma mesa perto da janela. Ele trouxe os pincéis, a tela grande, uma série de pequenos vidros cheios de tinta de diversas cores, um maço de cigarros, e ajoelhou-se aos seus pés.

- Fique sempre na mesma posição.

- É pedir muito; minha vida está sempre em movimento.

Era uma frase que considerava brilhante, mas o rapaz não deu maior atenção. Maria, procurando manter a naturalidade, porque o olhar dele a deixava muito desconfortável, apontou para o lado de fora da janela, onde se via a rua e a placa:

- O que é "Caminho de Santiago"?

- Uma rota de peregrinação. Na Idade Média, gente de toda a Europa passava por esta rua em direção a uma cidade na Espanha, Santiago de Compostela.

Ele dobrou uma parte da tela e preparou os pincéis. Maria continuava sem saber direito o que fazer.

- Quer dizer que, se eu seguir por esta rua, chego à Espanha?

- Dois ou três meses depois. Mas posso lhe pedir um favor? Fique em silêncio; isso não demora mais que dez minutos. E tire o pacote da mesa.

- São livros - respondeu ela, com uma certa dose de irritação por causa do tom autoritário do pedido. Ele precisava saber que estava diante de uma mulher culta, que gastava seu tempo em bibliotecas, não em lojas. Mas ele mesmo pegou o pacote e colocou-o no chão, sem nenhuma cerimônia.

Não tinha conseguido impressioná-lo. Aliás, não tinha a menor intenção de impressioná- lo, estava fora do seu horário de trabalho, guardaria a sedução para mais tarde, com homens que pagavam bem pelo seu esforço. Por que tentar relacionar-se com aquele pintor, que talvez não tivesse dinheiro nem para convidá-la para um café? Um homem de trinta anos não deve usar cabelos longos, fica ridículo. Por que achava que não tinha dinheiro? A moça do bar dissera que era uma pessoa conhecida - ou será que o químico é que era famoso? Olhou a maneira como estava vestido, mas não adiantava muito; a vida tinha lhe ensinado que homens vestidos displicentemente - que era o caso - pareciam sempre ter mais dinheiro do que os que usavam terno e gravata.

"O que faço pensando neste homem? O que me interessa é o quadro."

Dez minutos não eram um preço muito grande a pagar pela chance de tornar-se imortal em uma pintura. Viu que ele a estava pintando ao lado do tal químico premiado, e começou a se perguntar se iria pedir algum tipo de pagamento no final.

- Vire o rosto em direção à janela.

Mais uma vez ela obedeceu, sem perguntar nada - o que não era absolutamente do seu feitio. Ficou olhando as pessoas que passavam, a placa sobre o tal caminho, imaginando que aquela rua já estava ali havia muitos séculos, uma rota que sobrevivera ao progresso, às mudanças do mundo, às próprias mudanças do homem. Talvez fosse um bom presságio, aquele quadro podia ter o mesmo destino, estar em um museu dali a quinhentos anos.

O homem começou a desenhar e, à medida que o trabalho progredia, ela perdeu a alegria inicial e começou a sentir-se insignificante. Quando entrara naquele bar, era uma mulher segura de si mesma, capaz de tomar uma decisão muito difícil - abandonar um trabalho que lhe dá dinheiro -para aceitar um desafio mais difícil ainda - dirigir uma fazenda na sua terra. Agora, parecia ter voltado a sensação de insegurança diante do mundo, coisa que uma prostituta jamais pode se dar ao luxo de sentir.

Terminou descobrindo a razão de seu desconforto: pela primeira vez em muitos meses, alguém não a olhava como um objeto, nem como uma mulher - mas como algo que não conseguia entender, embora a definição mais próxima fosse "ele está vendo a minha alma, meus medos, minha fragilidade, minha incapacidade de lutar com um mundo que eu finjo dominar, mas do qual não sei nada".

Ridículo, continuava delirando.

- Eu gostaria que...

- Por favor, não fale - disse o homem. - Estou vendo sua luz.

Nunca ninguém lhe dissera isso. "Estou vendo seus seios duros", "estou vendo suas coxas bem torneadas", "estou vendo esta beleza exótica dos trópicos", ou, no máximo,

"estou vendo que você quer sair desta vida, por que não me dá uma chance e monto um apartamento para você". Estes eram os comentários que estava acostumada a escutar, mas...

sua luz? Será que ele estava se referindo ao entardecer?

- Sua luz pessoal - ele completou, se dando conta de que ela não entendera nada.