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- Preciso de você, Maria. Você tem luz, embora ache que ainda não acredita em mim, ache que estou apenas tentando seduzi-Ia com esta conversa. Não me pergunte: "Por que eu? O que tenho de especial?" Você não tem nada de especial, nada que eu possa explicar a mim mesmo. Entretanto - eis o mistério da vida -não consigo pensar em outra coisa.

- Não iria lhe perguntar isso - mentiu.

- Se eu procurasse uma explicação, diria: a mulher que está diante de mim conseguiu superar o sofrimento e transformá- lo em algo positivo, criativo. Mas isso não basta para explicar tudo.

Estava ficando difícil escapar. Ele continuou:

- E eu? Com toda a minha criatividade, com meus quadros que são disputados e desejados por galerias em todo o mundo, com o meu sonho realizado, com a minha aldeia sabendo que sou um filho querido, com as minhas mulheres jamais me cobrando pensão ou coisas assim, com saúde, boa aparência, tudo que um homem pode sonhar, e eu? Aqui estou, dizendo para uma mulher que encontrei em um café, e com quem passei apenas uma tarde: "preciso de você". Sabe o que é solidão?

- Sei o que é.

-Mas não sabe o que é solidão quando se tem a possibilidade de estar com todo mundo, quando se recebe todas as noites um convite para uma festa, um coquetel, uma estréia de teatro. Quando o telefone toca sempre, e são mulheres que adoram o seu trabalho, que dizem que gostariam muito de jantar com você - são belas, inteligentes, educadas. E

algo o empurra para longe e diz: não vá. Você não vai se divertir. Mais uma vez você ficará a noite inteira tentando impressioná - las, gastará sua energia provando para si mesmo como é capaz de seduzir o mundo.

"Então fico em casa, entro em meu estúdio, procuro a luz que vi em você, e só consigo ver esta luz enquanto estou trabalhando."

- O que posso lhe dar que você já não tenha? - respondeu ela, sentindo-se um pouco humilhada por aquele comentário sobre outras mulheres, mas lembrando-se de que, afinal de contas, ele tinha pagado para tê- la ao seu lado.

Ele bebeu a terceira dose. Maria acompanhou-o em sua imaginação, o álcool queimando sua garganta, seu estômago, entrando em sua corrente sangüínea e enchendo-o de coragem, e ela sentindo-se também embriagada, embora não tivesse bebido uma só gota.

A voz de Ralf Hart soou mais firme.

- Está bem. Não posso comprar seu amor, mas você disse que conhecia tudo sobre sexo. Ensine- me, então. Ou me ensine algo sobre o Brasil. Qualquer coisa, desde que possa estar ao seu lado.

E agora?

- Só conheço duas cidades do meu país: a cidade em que nasci, e o Rio de janeiro.

Quanto ao sexo, não acredito que possa lhe ensinar nada. Tenho quase 23 anos, você é apenas seis anos mais velho, mas sei que viveu muito mais intensamente. Conheço homens que me pagam para fazer o que eles querem, e não o que eu quero.

- Já fiz tudo que um homem pode sonhar fazer com uma, duas, três mulheres ao mesmo tempo. E não sei se aprendi muito.

De novo o silêncio, só que era a vez de Maria falar. E ele não ajudou - como ela não o ajudara antes.

- Você me quer como uma profissional?

- Eu a quero como você quiser.

Não, ele não podia ter respondido isso, porque era tudo que ela desejava escutar. De novo o terremoto, o vulcão, a tempestade. Ia ser impossível escapar de sua própria armadilha, ia perder este homem, sem jamais o ter verdadeiramente.

- Você sabe, Maria. Ensine-me. Talvez isso me salve, a salve, nos traga de volta à vida. Tem razão, tenho apenas mais seis anos do que você, e mesmo assim já vivi o equivalente a muitas vidas. Passamos por experiências completamente distintas, mas estamos ambos desesperados. A única coisa que nos deixa em paz é estarmos juntos.

Por que ele dizia estas coisas? Não era possível, e mesmo assim era verdade. Tinham se visto apenas uma vez e já precisavam um do outro. Imagine se continuassem se encontrando, que desastre! Maria era uma mulher inteligente, com muitos meses de leituras e observação do gênero humano; tinha um propósito na vida, mas também tinha uma alma, que precisava conhecer e cuja "luz" tinha que descobrir.

Já estava ficando cansada de ser quem era, e embora a viagem próxima para o Brasil fosse um desafio interessante, ainda não aprendera tudo que podia. Ralf Hart era um homem que havia aceitado desafios, aprendera tudo, e agora pedia àquela moça, àquela prostituta, àquela Mãe Compreensiva, que o salvasse. Que absurdo!

Outros homens já haviam se comportado da mesma maneira diante dela. Muitos não tinham conseguido ter uma ereção, outros queriam ser tratados como crianças, outros ainda diziam que gostariam de tê-la como esposa porque se excitavam ao saber que a mulher tivera muitos amantes. Embora ainda não tivesse conhecido nenhum dos "clientes especiais", já descobrira o gigantesco universo de fantasias que habitava a alma humana.

Mas todos estavam acostumados com seus mundos, e nunca lhe haviam pedido "leve-me embora daqui". Pelo contrário, queriam carregar Maria consigo.

E mesmo que todos estes muitos homens sempre lhe tivessem deixado com algum dinheiro e sem nenhuma energia, não era possível que ela não tivesse aprendido nada.

Entretanto, se algum deles realmente estivesse procurando o amor, e se o sexo fosse apenas uma parte nesta busca, como ela gostaria de ser tratada? O que seria importante acontecer no primeiro encontro?

O que realmente gostaria que acontecesse?

- Ganhar um presente - disse Maria.

Ralf Hart não entendeu. Presente? Ele já lhe pagara adiantado pela noite, no táxi, porque conhecia o ritual. O que queria dizer com aquilo?

Maria de repente se dera conta de que entendia, naquele minuto, o que uma mulher e um homem precisavam sentir. Pegou-o pelas mãos e o conduziu até uma das salas.

- Não vamos subir para o quarto - disse.

Apagou quase todas as luzes, sentou-se no tapete e pediu que ele se sentasse diante dela. Notou que havia uma lareira no lugar.

- Acenda a lareira.

- Mas estamos no verão.

- Pois saiba que a pessoa que está com você tem que existir. Pense nela. Pense se ela deseja uísque, ou gim, ou café. Pergunte o que ela quer.

- O que você quer beber?

- Vinho. E gostaria que me acompanhasse.

Ele deixou a garrafa de uísque, e voltou com uma de vinho. A esta altura, o fogo já queimava as toras; Maria apagou as poucas luzes que tinham ficado acesas, deixando que apenas as chamas iluminassem o ambiente. Comportava -se como sempre tivesse sabido que aquele era o primeiro passo: reconhecer o outro, saber que está ali.

Abriu a bolsa e achou lá dentro uma caneta que comprara em um supermercado.

Qualquer coisa servia.

- Isso é para você. Quando comprei, pensava em ter algo para anotar as idéias sobre administração de fazendas. Usei-a durante dois dias, trabalhei até ficar cansada. Ela tem um pouco do meu suor, da minha concentração, da minha vontade, e eu a estou lhe entregando agora.

Depositou a caneta suavemente na mão de Ralf.

- Em vez de comprar- lhe algo que você gostaria de ter, estou lhe dando algo que é meu, realmente meu. Um presente. Um sinal de respeito pela pessoa diante de mim, pedindo que ela compreenda o quanto é importante estar ao seu lado. Agora ela tem consigo uma pequena parte de mim mesma, que entreguei de livre e espontânea vontade.

Ralf levantou-se, foi até a estante e voltou com um objeto.

Estendeu-o para Maria:

- Este é um vagão de um trem elétrico que eu tinha quando era menino. Não tinha autorização para brincar com ele sozinho, porque meu pai dizia que era caro, importado dos Estados Unidos. Então, só me restava esperar que ele tivesse vontade de montar o trem no meio da sala, mas geralmente ele passava os domingos escutando ópera. Por isso, o trem sobreviveu à minha infância, mas não me deu nenhuma alegria. Lá em cima tenho guardado todos os trilhos, a locomotiva, as casas, até mesmo 0 manual; porque eu tinha um trem que não era meu, com o qual eu não brincava.