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Assim que eles saíram, pediu que as duas nunca mais voltassem ao seu bar. Afinal de contas, o Copacabana era um lugar familiar (uma afirmativa que Maria custava a entender) e tinha uma reputação a zelar (o que a deixava mais intrigada ainda). Ali não havia brigas, porque a primeira lei era respeitar o cliente alheio.

A segunda lei era a total discrição, "semelhante à de um banco suíço", dizia ele.

Principalmente porque ali se podia confiar nos clientes, que eram selecionados como um banco seleciona os seus - baseado na conta corrente, mas também na folha corrida, ou seja, nos bons antecedentes.

Às vezes havia algum equívoco, alguns raros casos de nãopagamento, de agressão ou de ameaças às moças, mas nos muitos anos em que criara e desenvolvera com esforço a fama de sua boate, Milan já sabia identificar quem devia ou não freqüentar a casa.

Nenhuma das mulheres sabia exatamente qual era o seu critério, porém mais de uma vez já tinham visto alguém bem- vestido ser informado de que a boate estava cheia na quela noite (embora estivesse vazia) e nas noites seguintes (ou seja: por favor, não volte). Também tinham visto pessoas de roupa esporte e barba por fazer serem entusiasticamente convidadas por Milan para um copo de champanha. O dono do Copacabana não julgava pelas aparências e, no final das contas, sempre tinha razão.

Em uma boa relação comercial, todas as partes precisam estar satisfeitas. A grande maioria dos clientes era casada, ou tinha uma posição importante em alguma empresa.

Também algumas daquelas mulheres que trabalhavam ali eram casadas, tinham filhos, e freqüentavam as reuniões de pais nas escolas, sabendo que não corriam nenhum risco: se um dos pais aparecesse no Copacabana, também estaria comprometido, e não poderia dizer nada: assim funcionava a "omertà".

Havia camaradagem, mas não havia amizade. Ninguém falava muito da própria vida.

Nas poucas conversas que tivera, Maria não descobrira amargura, ou culpa, ou tristeza entre suas companheiras: apenas uma espécie de resignação. E também um estranho olhar de desafio, como se estivessem orgulhosas de si mesmas, enfrentando o mundo, independentes e confiantes. Depois de uma semana, qualquer moça recém-chegada já era considerada

"profissional", e recebia instruções para sempre ajudar a manter os casamentos (uma prostituta não pode ser uma ameaça à estabilidade de um lar), jamais aceitar convites para encontros fora do horário de trabalho, escutar confissões sem dar muita opinião, gemer na hora do orgasmo (Maria descobrira que todas faziam isso, e que no início não lhe tinham contado porque era um dos truques da profissão), cumprimentar a polícia na rua, manter atualizada a carteira de trabalho e os exames de saúde e, finalmente, não se indagar muito sobre os aspectos morais ou legais do que faziam; eram o que eram, e ponto final.

Antes que o movimento começasse, Maria sempre podia ser vista com um livro, e logo passou a ser conhecida como a "intelectual" do grupo. No início queriam saber se eram histórias de amor, mas ao ver que se tratava de assuntos áridos e desinteressantes como economia, psicologia e - recentemente - administração de fazendas, logo a deixavam sozinha para que continuasse sossegada sua pesquisa e suas anotações.

Por ter muitos clientes fixos, e por ir ao Copacabana todos os dias, mesmo quando o movimento era pequeno, Maria ganhou a confiança de Milan e a inveja das companheiras; comentavam que a brasileira era ambiciosa, arrogante, e só pensava em ganhar dinheiro.

Esta última parte não deixava de ser verdade, embora ela tivesse vontade de perguntar se todas as outras não estavam ali pelo mesmo motivo.

De qualquer maneira, comentários não matam - fazem parte da vida de qualquer pessoa bem-sucedida. Era melhor ignorá-los, concentrando a atenção em seus dois únicos objetivos: voltar para o Brasil na data marcada e comprar uma fazenda.

Ralf Hart agora estava em seu pensamento de manhã à noite, e pela primeira vez era capaz de ser feliz com um amor ausente - embora um pouco arrependida de ter confessado isso, arriscando-se a perder tudo. Mas o que tinha a perder, se não estava pedindo nada em troca? Lembrou-se de como o seu coração batera mais rápido quando Milan mencionara que ele era ou já tinha sido - um cliente especial. O que significava aquilo? Sentiu-se traída, ficou com ciúmes.

Claro que o ciúme é normal, embora a vida já lhe tivesse ensinado que era inútil pensar que alguém pode possuir outra pessoa - quem acredita que isso é possível está querendo enganar a si mesmo. Apesar disso, não se pode reprimir a idéia do ciúme, ou ter grandes idéias intelectuais a respeito, ou, ainda, achar que é uma demonstração de fragilidade.

O amor mais forte é aquele que pode demonstrar sua fragilidade. De qualquer maneira, se meu amor for verdadeiro (e não apenas uma maneira de me distrair, me enganar, passar o tempo que não passa nunca nesta cidade), a liberdade irá vencer o ciúme, e a dor que ele provoca - já que também a dor é parte de um processo natural. "Quem pratica esporte sabe disso: quando queremos atingir nossos objetivos, precisamos estar prontos para uma dose diária de dor ou mal-estar. A princípio, é incômodo e desmotivante, mas com o decorrer do tempo entendemos que faz parte do processo de sentir-se bem, e chega um momento em que, sem a dor, temos a sensação de que o exercício não está tendo o efeito desejado.

O perigoso é focalizar esta dor, dar- lhe um nome de pessoa, mantê-la sempre presente no pensamento; e disso, graças a Deus, Maria já conseguira se livrar.

Mesmo assim, às vezes descobria-se pensando em onde estaria ele, por que não a procurava, se a havia achado estúpida com aquela história de estação de trem e desejo reprimido, se fugira para sempre porque ela confessara seu amor. Para evitar que sentimentos tão belos se transformassem em sofrimento, ela desenvolveu um método: quando algo de positivo ligado a Ralf Hart viesse à sua mente - e isso podia ser a lareira e o vinho, uma idéia que gostaria de discutir com ele, ou simplesmente a ansiedade gostosa de saber quando voltaria -, Maria parava o que estava fazendo, sorria para o céu e agradecia por estar viva e não esperar nada do homem que amava.

Entretanto, se o seu coração começasse a reclamar da ausência, ou das coisas erradas que dissera quando estavam juntos, ela dizia para si mesma: "Ah, você quer pensar nisso?

Então tudo bem; co ntinue fazendo o que deseja, enquanto eu me dedico a coisas mais importantes."

Continuava a ler, ou, se estivesse na rua, começava a prestar atenção a tudo que estava a sua volta: cores, pessoas, sons, principalmente sons -dos seus passos, das páginas que se viravam, dos carros, dos fragmentos de conversas, e o pensamento incômodo terminava por desaparecer. Se voltasse cinco minutos depois, ela repetia o processo, até que estas lembranças, ao serem aceitas mas gentilmente rejeitadas, se afastassem por um tempo considerável.

Um destes "pensamentos negativos" era a possibilidade de não tornar a vê-lo. Com um pouco de prática e muita paciência, ela conseguiu transformá- lo em um "pensamento positivo": quando partisse, Genève seria um rosto de homem com cabelos muito grandes e fora de moda, sorriso infantil, voz grave. Se alguém lhe perguntasse, muitos anos depois, como era o lugar que conhecera em sua juventude, ela poderia responder: "Bonito, capaz de amar e ser amado."

Do diário de Maria, em um dia de pouco movimento no Copacabana: De tanto conviver com as pessoas que vêm aqui; chego à conclusão de que o sexo tem sido utilizado como qualquer outra droga: para fugir à realidade, para esquecer dos problemas, para relaxar. E, como todas as drogas, é uma prática nociva e destruidora.

Se uma pessoa quer se drogar, seja com sexo ou com qualquer coisa, isso é problema dela; as conseqüências de seus atos serão melhores ou piores de acordo com aquilo que ela escolheu para si mesma. Mas se falamos em avançar na vida, temos que entender que o que é "bonzinho" é bem diferente do que é "melhor".